O ano de 2022 apresenta enormes desafios para o WhatsApp, principal ferramenta de comunicação digital da sociedade brasileira. Além da pandemia e das eleições, dois grandes catalisadores de desinformação, o aplicativo virou uma importante arma para golpistas e fraudadores – segundo o Indicador de Tentativas de Fraude da Serasa Experian, o mês de setembro de 2021 registrou uma tentativa de fraude a cada 7 segundos no País.
No Brasil, à frente dos esforços para garantir a segurança dos usuários e a integridade da plataforma está Dario Durigan, 37. O mestre em direito constitucional pela UnB, que trabalhou como assessor especial da prefeitura de São Paulo entre 2015 e 2016 na gestão de Fernando Haddad, afirma que as eleições brasileiras são as mais importantes do mundo para o WhatsApp.
Ao Estadão, ele não falou apenas dos esforços do serviços no País para conter desinformação. Ele comentou a situação do Telegram, que virou alvo de autoridades brasileiras, e também tratou de informações presentes nos “Facebook Papers”, série de documentos internos da Meta (holding do Facebook, WhatsApp e Instagram) vazados pela ex-funcionária Frances Haugen. Confira.
Frances Haugen afirmou algumas vezes que a Meta não direciona recursos para segurança em outros países. Segundo ela, a Meta só pensa na audiência americana, ignorando outros mercados. O WhatsApp no Brasil tem os recursos financeiros e pessoais suficientes para garantir a segurança dos brasileiros e da nossa democracia?
As eleições brasileiras de 2022 são as mais importantes do mundo para o WhatsApp. Posso dizer com bastante segurança que temos os recursos necessários. Tenho liderado esse processo que olha para as eleições com bastante cuidado e preocupação. Temos um país bem polarizado e um ambiente difícil. O WhatsApp sabe disso e tem atuado de maneira muito responsável, mobilizando os recursos da empresa de maneira global. O chefe global do WhatsApp tem repetido a importância da democracia brasileira. A gente vinha mantendo conversa direta com o Ministro Barroso (então presidente do Tribunal Superior Eleitoral) e repetindo a mensagem de que essa é a eleição mais importante. Não me compete a falar de outras plataformas, mas, do lado de WhatsApp, o que se faz no Brasil é fronteira e serve de inspiração para outros lugares do mundo, inclusive para o Norte global. Os esforços por aqui são pioneiros.
Os executivos americanos da Meta entendem o impacto do WhatsApp na sociedade brasileira?
Eu não posso responder pela Meta. O WhatsApp tem uma equipe forte e plural no Brasil. Essa equipe tem por função olhar para a realidade brasileira e abrir um amplo diálogo com imprensa, sociedade civil, academia, forças políticas, autoridades e governos centrais e regionais. A presença do WhatsApp no Brasil tem ganhado muito peso. E, cumprindo esse papel, conversando sobre o WhatsApp, recebendo as críticas, encaminhando propostas e trabalhando com as autoridades, há um amadurecimento do time brasileiro, que se reflete nos times centrais. Não há dúvidas de que um time mais robusto aqui reflete em avaliações de cenário, levando de maneira mais viva o cenário brasileiro para dentro da companhia.
Os “Facebook Papers” mostraram o Brasil sempre nas categorias 0 e 1 (as mais importantes) no ranking de ‘países em risco’ (ARC, na sigla em inglês). Qual é a classificação atual do Brasil?
Não são essas as definições que usamos. Mas o Brasil é prioridade número um do WhatsApp em termos de eleições. Os esforços aqui são diferenciados e já estamos vendo refletido em outros países, como a Índia, México e Argentina.
Nas eleições de 2018 e 2020, o WhatsApp anunciou uma série de medidas para garantir a integridade das eleições e combater a desinformação. Por que parece que nada mudou?
O WhatsApp tem feito muita coisa em dois níveis: em produto, que é algo global, e, em nível Brasil, com esforços focados. Um desafio é como manter uma plataforma com criptografia, que mantém privacidade no seu cerne, ao mesmo tempo em que faz um combate à viralidade e desinformação. Os números da plataforma mostram que houve uma redução importante de viralidade. Outras pesquisas mostram que há um amadurecimento de usuários na forma de usar o WhatsApp. Então, há uma percepção crescente de ceticismo dos usuários com relação às mensagens que são mais encaminhadas ou que têm alguma indicação de mensagem viral. Isso tem sido apontado: o WhatsApp faz campanha para não compartilhar qualquer mensagem. Dentro disso, há uma série de iniciativas. Antes de 2020, havia um botão de atalho para encaminhar mensagens. Esse botão saiu e agora tem uma lupa para pesquisa na internet. É o incentivo reverso para que o usuário cheque a informação. Com os alertas e parceiros, como o TSE e checadores de fatos, há amadurecimento cultural e de uso da plataforma.
Parte da desinformação e dos golpes não chegam mais com ares de conteúdo enganoso, ou de conteúdo disparado em massa. Vem com cara de conversa privada. Qual é o tamanho desse desafio?
A desinformação coordenada profissional está sendo muito bem combatida, não só pelo WhatsApp. O sistema de identificação de abuso do WhatsApp funciona a partir do número e da forma como uma determinada conta se apresenta. Grande parte das pessoas tem um padrão de uso do app, que é comum: você envia e recebe mensagens. Há um ritmo para isso. Entre 2018 e 2022, a detecção de comportamentos abusivos e inautênticos avançou muito. Hoje, o número é quatro vezes maior do que em 2020. No mundo, banimos 8 milhões de contas por mês por comportamento abusivo. Isso impede o comportamento inautêntico. Além disso, no Brasil, entramos com várias ações judiciais contra empresas que oferecem esse tipo de marketing digital. A desinformação profissional, que chega com cara de orgânica, também é combatida nessa esteira. Mas, nesse quesito, é preciso avançar também em outras frentes, que são menos de repressão e mais de conscientização.
Até que ponto o WhatsApp se sente responsável pela disseminação de desinformação na pandemia?
É preciso reconhecer a natureza do WhatsApp como app de conversas privadas, então não é possível precisar o volume de conteúdos desse tipo. Porém, ao mesmo tempo em que fizemos uma série de iniciativas na pandemia, há estudos que mostram que o WhatsApp foi a ferramenta de comunicação mais importante para autoridades de saúde. Por exemplo, o Estado de São Paulo fez cadastro de vacina pelo WhatsApp e a prefeitura de Recife mandou mensagens proativas para pessoas com a segunda dose atrasada. Há um compromisso grande que diferencia o WhatsApp de seus concorrentes no País.
Como o WhatsApp acompanha a situação do Telegram, que entrou na mira de autoridades?
Não faço comentários sobre a concorrência, mas há uma reflexão importante. Não é possível fazer uma equiparação (entre WhatsApp e Telegram). Há uma diferença marcante. O WhatsApp está presente no Brasil com especialistas de várias áreas com a responsabilidade de olhar para o País. O WhatsApp cumpre a lei brasileira. Cumpre o Marco Civil da Internet. Cumpre a Lei Geral de Proteção de Dados. E tem discutido de maneira aberta com Congresso Nacional e TSE mecanismos de combate à desinformação. Temos um programa de colaboração com as autoridades criminais brasileiras. O presidente global de WhatsApp veio conversar com o TSE, o que mostra compromisso com a democracia e com as autoridades. Há um abismo de diferença.
Quais os principais pontos da estratégia do WhatsApp para lidar com as eleições de 2022?
Em 2020, a gente testou uma série de coisas que foram bem sucedidas. O WhatsApp contribuiu para a legislação, que proíbe disparo de mensagens em massa. A gente preparou uma plataforma de denúncia para disparos em massa, oferecida pelo TSE para os servidores, autoridades e partidos políticos. Quando há a denúncia, o TSE encaminha isso para o WhatsApp, que verifica se determinada conta teve comportamento abusivo. Vamos trazer isso para 2022. Há aqui uma mensagem importante para o mundo político: candidatos, não façam contratação de disparo em massa, de marketing político eleitoral, porque isso é proibido pelo WhatsApp e pela lei brasileira. Isso pode trazer comprometimentos grandes para as chapas. Como as campanhas se monitoram muito, no mínimo sinal de uso abusivo, isso trará repercussão. Para fechar, em reunião com o TSE, o chefe global de WhatsApp garantiu que não haverá mudança significativa no app até o fim das eleições.
Como o WhatsApp olha para a situação de golpes no Brasil? O que fazer para combater?
Vemos isso com muita preocupação. Sofremos muito com golpes no Brasil e, digitalmente, isso está muito amplo. O app tem funcionalidades e ferramentas para garantir a segurança dos usuários. Para evitar que a sua conta seja hackeada, o usuário nunca deve compartilhar com terceiros o código de registro que chega por SMS. Uma segunda recomendação importante é ativar a verificação em dois fatores. Caso a conta seja hackeada, é melhor instalar novamente seguindo as instruções de registro. Para casos em que golpistas fingem ser o dono do número, é melhor ativar o recurso que exibe a foto apenas para quem adicionou o número na agenda de contatos. É preciso também pedir para que os amigos denunciem para o WhatsApp quando a conta é hackeada. Do outro lado, precisamos conscientizar as pessoas. Fizemos um esforço grande com autoridades e operadoras para aumentar o volume de orientações para as pessoas.
*Com Estadão Conteúdo