Para controlar o desequilíbrio climático, é fundamental tratar a maior floresta tropical do mundo como prioridade nacional. Mas o que isso significa?
O estresse climático previsto pela ciência há décadas se tornou uma dura realidade para o povo Baniwa, na Terra Indígena Rio Negro, uma das áreas mais preservadas da Amazônia. Na comunidade Canadá, as famílias enfrentam, em menos de um ano, a segunda cheia extrema do Rio Ayari, em São Gabriel da Cachoeira, a Noroeste do Amazonas. É a maior alta já registrada na área, segundo o Instituto Socioambiental (ISA), e já destruiu mais de 50 roças. Cerca de 80 famílias perderam as suas plantações.
O Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro é considerado patrimônio cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) devido à forma consorciada como os locais trabalham o plantio de mandioca, batata, banana e pimenta. Mas tudo isso está em risco. Até porque está se tornando mais difícil abrir novas roças, devido à falta de períodos de sol.
“Uma roça perdida afeta todo o sistema. São cinco anos para recuperar. Estamos vivendo um evidente impacto local das mudanças climáticas”, observa o líder indígena Juvêncio Cardoso Baniwa, de 36 anos, mestre em Ciências Ambientais e professor de Física Intercultural, que monitora os ciclos ambientais locais. “Esta é uma das áreas mais preservadas da Amazônia, mas estamos perdendo nossa segurança alimentar por um fenômeno global”, afirma.
Cardoso era uma criança quando, há 30 anos, governantes do mundo todo se reuniram na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Rio-92, na capital fluminense. Ainda que tratados relevantes tenham sido firmados na ocasião, os países fracassaram, desde então, em criar medidas para frear o avanço das mudanças climáticas, hoje responsáveis por eventos como chuvas torrenciais e ondas de calor extremo ao redor do globo.
O caos é provocado pela emissão de gases nocivos à atmosfera, o que provoca elevação nas médias de temperatura do planeta. No Brasil, o principal responsável pela emissão desses gases são as queimadas na Amazônia, cuja redução florestal também tem impacto direto no clima. Cerca de 17% do bioma já foi devastado. Segundo cientistas, se o índice alcançar 20%, a maior floresta do mundo vai chegar ao chamado “ponto de não retorno”, a partir do qual a Amazônia começaria a secar, desencadeando uma perda progressiva da cobertura vegetal. Por isso, ambientalistas classificam urgente tornar o equilíbrio da Bacia Amazônica prioridade em termos de políticas públicas.
“O Brasil e o mundo precisam parar de olhar para a Amazônia como uma fonte de minério e madeira. O enfrentamento das mudanças climáticas deve colocar em primeiro plano o bioma, com rigor na preservação e um modelo econômico sustentável”, analisa o ambientalista Marcio Santilli, sócio-fundador do ISA. “A umidade lançada no ar pela Amazônia tem papel estratégico no regime de chuvas do Centro-Sul. Nos últimos dois anos, tivemos secas severas no Paraná e em São Paulo, prejudicando safras agrícolas, enquanto partes do Nordeste ficaram debaixo d’água, causando tragédias. Tudo consequência de mudanças climáticas e desmatamento na Amazônia. É um efeito dominó”.
A ideia é inverter uma lógica histórica. A Região Amazônica sempre foi vista como uma espécie de “colônia de exploração”, de onde se extraem recursos a despeito de comunidades tradicionais. Em 2019, líderes indígenas, quilombolas e ribeirinhos estiveram em Altamira, no Pará, durante o Encontro Amazônia Centro do Mundo. O manifesto produzido ali destaca o sofrimento das comunidades locais, critica obras de grande impacto, como a usina de Belo Monte, e defende os territórios indígenas, ameaçados por invasões e propostas de mudanças legislativas.
No ano passado, a jornalista e escritora Eliane Brum, que participou do encontro em Altamira, onde mora desde 2017, lançou o livro “Banzeiro òkòtó: uma viagem à Amazônia Centro do Mundo” (Companhia das Letras), no qual denuncia a escalada de destruição da região, com efeitos trágicos a seus habitantes.
“Não vamos sair do abismo com o mesmo pensamento que nos trouxe aqui. É preciso buscar uma outra sociedade. A Amazônia nomeia esse conceito, por ser estratégica para qualquer futuro que a gente possa ter”.
Por Steffanie Schmidt / O Globo