Após protestos e falas de ONGs e movimentos socioambientais pedindo o banimento à exploração de petróleo na Amazônia, o texto final do evento entre os chefes de Estado do bioma não menciona o termo combustíveis fósseis, como antecipado pela Folha. Batizado de Declaração de Belém, o documento foi publicado nesta terça-feira (8), após uma reunião a portas fechadas.
O texto menciona quatro vezes o objetivo de se evitar o ponto de não retorno da floresta amazônica, ou seja, limitar o desmate em até cerca de 20% do bioma, impedindo um processo irreversível de desertificação que levaria à perda das características da floresta tropical.
No entanto, o documento não traz metas ou prazos para a conservação florestal e o combate ao desmatamento.
A meta de desmatamento zero, defendida pelo Brasil e pela Colômbia, também fica de fora das decisões. O termo é mencionado no preâmbulo apenas como “um ideal a ser alcançado na região”.
Entre os parágrafos da decisão, a questão volta a aparecer como uma das opções de metas nacionais a serem apoiadas pela cooperação regional.
Em uma das poucas mudanças na linguagem do texto, houve um avanço na única menção do documento ao setor de combustíveis fósseis.
“Iniciar um diálogo entre os Estados Partes sobre a sustentabilidade de setores tais como mineração e hidrocarbonetos na região amazônica, no marco da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável e de suas políticas nacionais soberanas”, diz a Declaração de Belém.
O rascunho do último domingo (6) responsabilizava apenas atores privados, prevendo “exortar os atores envolvidos no ciclo de vida de minérios e hidrocarbonetos a alinhar suas práticas à Agenda 2030”.
O documento mantém o teor do rascunho a que a reportagem teve acesso no último final de semana, antes da conclusão dos Diálogos Amazônicos, que reuniu ONGs e movimentos sociais nos três dias anteriores à Cúpula sob a promessa do governo federal de considerar reivindicações populares na reunião de chefes de Estado.
A Cúpula começou ainda pela manhã, com uma abertura oficial com discursos das autoridades e representantes da sociedade civil.
A fala mais impactante foi a do presidente colombiano, Gustavo Petro, que aproveitou a oportunidade para jogar luz sobre os dissensos em torno do encontro. O principal é a ideia de impedir novos projetos de exploração de petróleo na Amazônia, defendida publicamente por ele e rejeitada pelo presidente Lula (PT).
Numa fala dura, que aconteceu pouco depois do discurso do brasileiro, Petro acusou a esquerda de negacionismo climático. “Há um enorme conflito ético, sobretudo por forças progressistas, que deveriam estar ao lado da ciência”, afirmou, tratando do consenso científico sobre a crise do clima.
“[Os governos de] direita têm um fácil escape, que é o negacionismo. Negam a ciência. Para os progressistas, é muito difícil. Gera então outro tipo de negacionismo: falar em transições”, disse, em referência ao frequente termo usado por governos para justificar a continuidade dos investimentos em energias de fontes fósseis.
Criticado por Petro, o argumento da transição energética foi reforçado ao longo da tarde pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e pelo presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, que falaram à imprensa em momentos separados.
“O que nós temos que fazer, inclusive aproveitando que a COP será aqui, é discutir como o uso do petróleo, que ainda vai durar por algumas décadas, pode ajudar a financiar a transição energética”, afirmou Prates.
Já Silveira incitou dúvidas, sem apresentar evidências, sobre o consenso científico em torno da necessidade de se barrar novos investimentos em combustíveis fósseis. Questionado sobre a declaração de Petro sobre o negacionismo, Silveira não comentou.
Entre as medidas concretas decididas pela declaração estão a criação de um painel técnico científico da Amazônia, inspirado no IPCC, o painel do clima da ONU, e também do Observatório Regional Amazônico, que será instalado na estrutura da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica) para compartilhar informações em tempo real entre os países.
A declaração também comunica a criação do Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia, com sede em Manaus, para integração de inteligência e esforços policiais no combate a crimes na região.
O texto também traz um compromisso específico de cooperação para combate ao garimpo ilegal, prevendo “erradicar a exploração ilícita de minerais e delitos conexos, incluindo lavagem de dinheiro”.
A cooperação contra o garimpo deve focar a “troca de informações sobre comércio e contrabando de mercúrio e outros metais pesados e na harmonização de políticas públicas para sua regulamentação e controle”.
O documento reconhece direitos indígenas, como o territorial e a serem consultados sobre projetos que afetem suas terras, em consonância com a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). O acordo ainda prevê fortalecer a cooperação para enfrentar a violência de gênero, a misoginia e o racismo na região amazônica.
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