Para ser Papai Noel, não basta ter apenas as barbas e os cabelos brancos, usar o gorro e vestir a fantasia vermelha. É preciso viver o personagem. E é esse o objetivo da Escola de Papai Noel do Brasil: formar atores para dar vida ao ‘bom velhinho’ e encantar as crianças pelo País, acolhendo e atendendo aos pedidos de presentes de final de ano. Em 32 anos, a escola, localizada no Rio de Janeiro (RJ), já formou mais de mil Papais Noéis.
A ideia surgiu em 1993, entre dois amigos atores — Limachem Cherem, 69 anos, e o já falecido Conrado Freitas — e a figurinista Fátima Tavares Cherem. Tudo começou quando Limachem, que trabalhava com teatro infantil, foi convidado para substituir o ator que fazia o Papai Noel em uma peça e tinha ficado doente. Ele nunca tinha feito esse papel antes, mas aceitou.
“Eu não tinha essa barba, lógico, tinha apenas 30 anos. Eu entrei com aquela barba postiça, falando ‘Ho Ho Ho’, as crianças se encantaram. O diretor depois disse: ‘você agradou muito’. No final da peça, as crianças vinham me abraçar, conversar. O ator não voltou mais e eu continuei fazendo o papel e recebi muitos convites para fazer entregas de presente, ir em escolas. Eu gostei da ideia”, recorda o carioca, fantasiado de Papai Noel.
Nessa mesma época, ele e Conrado já ministravam um curso para a terceira idade em um teatro do Rio de Janeiro e, após àquela vivência natalina, decidiram transformar as aulas em um curso de Papai Noel. “A gente queria ensinar as pessoas, os senhores, a interpretar esse papel através do teatro, da interpretação, da improvisação, do trabalho de corpo. E assim nós começamos”, conta o ator.
O primeiro ano de curso foi realizado em um porão grande de uma casa em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, onde Limachem morava. “Quando eu abri as inscrições, ninguém acreditava, mas apareceram dois candidatos. O engraçado é que o porão só dava na minha altura, de 1,62 m, e os candidatos que entraram eram mais altos, ficavam até curvados nas aulas”, brinca.
No mesmo ano, o curso estampou a capa de um jornal de bairro e chamou a atenção de outras pessoas. No segundo ano, com mais inscrições, o porão ficou pequeno e os atores precisaram alugar uma sala no Centro da capital fluminense. Com o passar dos anos, as candidaturas só foram aumentando, o curso foi crescendo e se tornou a Escola de Papai Noel do Brasil.
“Não imaginava esse crescimento. E a gente foi agregando outras pessoas para participar. Quando eu criei essa escola, minha filha tinha 4, 5 anos, hoje ela é produtora cultural, está dentro da escola também, criando, ajudando nessa parte toda de criação. Tem a minha esposa [Fátima], que na época eu já era casado, e ela também me ajudou muito. Ela se aperfeiçoou para ser uma figurinista. A gente criou uma família Noel”, afirma Limachem.
Como são as aulas de Papai Noel
A Escola de Papai Noel do Brasil não é bem uma escola tradicional — com carteiras, mesas, lousa –, explica o fundador. Eles têm um escritório no Centro do Rio de Janeiro, mas o curso é aplicado, de forma gratuita e presencial, no Centro Municipal de Artes Calouste Gulbenkian, na Praça XI, que abriga um teatro, um auditório, um palco externo, além de cursos e salas de ensaio.

Todos os anos, as inscrições online abrem a partir do dia 10 de setembro. Os candidatos precisam ter no mínimo 50 anos e a barba e os cabelos brancos (ou grisalhos) naturais. “Não é nem uma exigência da Escola, esse é um perfil que quem contrata pede, um Papai Noel que fique mais perto do personagem”, diz Limachem.
Anualmente, mais de 200 pessoas buscam uma vaga, mas o curso tem cerca de 50 vagas. Por isso, após as inscrições, os candidatos passam por uma seleção, tanto virtual quanto presencial, e são aprovados os que estão mais dentro do perfil pedido.
O curso acontece em outubro, durante quatro terças-feiras e mais um dia em que é realizada a formatura dos Papais Noéis. Os participantes têm aulas de dicção, interpretação, postura, improvisação, maquiagem, cuidados com a barba, Língua Brasileira de Sinais (Libras) e até palestras com psicólogos para aprender como reagir em situações delicadas e inesperadas.
Eles ainda contam com aulas de canto: “A parte de música é muito importante, um professor ensina todas as músicas de Natal. Quando vai fazer uma visita, às vezes o cliente pede para cantar. E o Papai Noel já entra cantando ‘Noite Feliz’, por exemplo”, detalha Limachem.
A turma recebe também dicas sobre como lidar com as crianças que têm uma lista enorme de pedidos e a escapar de perguntas indiscretas. “Tem pedidos inusitados que o Papai Noel não consegue atender, mas ele não pode deixar sem resposta. Tem criança que vai no trono e começa a conversar, pergunta o nome, o Papai Noel não pode dar o furo de dizer o nome, tem que falar que é Papai Noel.”
“Às vezes, a criança diz que não quer brinquedo de presente e fala: ‘eu queria meu pai ou minha mãe de volta’. Você fica numa situação difícil porque não sabe se a pessoa está presa, se faleceu. Aí é importante trocar o olhar com quem está com a criança para se inteirar da situação e não deixar sem resposta”, afirma o ator sobre as orientações que são passadas para casos assim.
Limachem inclusive lembrou de uma outra história que aconteceu com um colega Papai Noel. Um garoto de 10 anos pediu uma bicicleta para ajudar a mãe a entregar marmitas. “Ele disse: ‘eu ia ficar muito feliz, porque eu ia cansar menos’. Aí o Papai Noel ficou naquela situação de como posso ajudar essa criança. E, muitas vezes, a gente até consegue fazer uma jogada na equipe do trono para ajudar”, diz. No fim, eles conseguiram atender o pedido do menino.
Os trabalhos depois do curso
As pessoas que geralmente buscam a Escola de Papai Noel são aposentados ou desempregados. “A Escola traz de volta ao mercado uma mão de obra adormecida, aposentada, justamente a partir de 50 anos. Ele volta a exercer uma profissão, uma coisa gostosa de se fazer, de viver um personagem que leva mensagem de paz, uma coisa alegre, bonita. O ‘bom velhinho’ volta a ser útil, a ser um motivo a mais para viver”, explica Limachem. “Muitos fazem só para brincar com o neto ou fazer para a comunidade dele, mas muitos outros têm necessidade econômica e precisam ganhar algum dinheiro extra”, acrescenta.
Entre os mais de mil Papais Noéis formados, não tem somente ‘bons velhinhos’ do Rio de Janeiro. A Escola já formou pessoas de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e até no exterior. Durante o período da pandemia de covid-19, as aulas foram aplicadas no formato online, o que possibilitou que idosos de muitos locais participassem. Hoje, inclusive, as turmas contam com um grupo de Papais Noéis, que fazem uma videochamada todos os meses para trocarem experiências e relatarem como é o Natal na sua região.














