Benício Xavier de Freitas morreu após receber dose de adrenalina na veia - Foto: Reprodução / Rede Amazônica

A repercussão da morte de um menino de 6 anos que sofreu paradas cardíacas ao receber adrenalina de forma intravenosa, em um hospital de Manaus (AM), gerou questionamentos sobre a prescrição médica da substância e seus riscos.

Médica investigada após morte de Benício Xavier, 6, assumiu erro em prescrição. Em uma troca de mensagens com um colega, Juliana Brasil Santos pediu ajuda, mencionou “desespero” após a criança — que apresentava quadro de tosse seca suspeito de laringite — receber adrenalina de forma intravenosa e confessou que prescreveu a medicação de forma errada.

Profissional também informou o erro em relatório enviado à direção do Hospital Santa Júlia, em Manaus, onde o caso ocorreu. No documento, ela disse que, apesar de prescrever a medicação de forma errada, orientou verbalmente à mãe do menino que a adrenalina não deveria ser intravenosa, e sim por nebulização.

Médicos de diferentes especialidades esclareceram dúvidas acerca da prescrição da adrenalina e seus riscos. Também esclareceu dúvidas sobre as diferentes formas de administração da substância em adultos e crianças.

O que é adrenalina e para quais casos é indicada

Adrenalina é um hormônio neurotransmissor que o próprio organismo produz com finalidades específicas. Entre elas, está aumentar a frequência cardíaca, conforme explica José Rodrigues, médico pneumologista da Beneficência Portuguesa.

“É fundamental para o funcionamento do nosso corpo (…), especialmente quando existe um certo grau de ansiedade ou estresse, e nossa glândula suprarrenal joga na corrente sanguínea uma carga razoável [de adrenalina] para preparar o nosso organismo. (…) Acelerando o coração, garantimos um maior fluxo de sangue para o corpo todo e, com isso, mais oxigênio é levado para as células, em momentos em que o nosso metabolismo está precisando de mais energia, e o oxigênio auxilia nisso.” afirmou José Rodrigues, médico pneumologista da Beneficência Portuguesa.

Adrenalina tem ação broncodilatadora e vasoconstritora. De acordo com Camila Luizetto, coordenadora da pediatria do Hospital Nove de Julho, em São Paulo, trata-se de uma substância vasoativa, ou seja, que tem ação sobre os vasos e, consequentemente, sobre a pressão e contrações cardíacas.

Medicação é comumente prescrita para atuar no sistema cardiovascular, mas também é usada para tratar doenças respiratórias. É o que explica Felipe Liger, emergencista do Pronto Atendimento do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Segundo ele, a epinefrina — nome da marca de adrenalina utilizada em hospitais — é geralmente destinada a regular, por exemplo, a pressão arterial e a perfusão [processo de fornecimento de sangue e oxigênio] dos órgãos, mas não só.

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“Como qualquer droga, [a adrenalina] possui efeitos sistêmicos secundários, cabendo destaque para o sistema respiratório, onde possui efeito broncodilatador (aumenta o espaço do interior dos brônquios para o ar que respiramos passar), além de reduzir o inchaço das vias aéreas como, por exemplo, da mucosa abaixo das cordas vocais, algo comum em situações de laringite infecciosa.” disse Felipe Liger, emergencista do Hospital Oswaldo Cruz.

Adrenalina na veia X inalada

Adrenalina administrada de forma inalatória ou endovenosa é a mesma, mas aplicação, indicações, e efeitos no corpo são completamente distintos. É o que corroboram os três médicos ouvidos.

Quando inalada, para tratar quadros respiratórios como laringite ou bronquiolite, medicação atua localmente. “Administrada na forma inalatória, ela causa uma vasoconstrição, ou seja, faz com que os vasos aos quais a droga tem contato se contraiam e haja uma redução do inchaço local, no caso das vias aéreas”, explica Luizetto.

“A adrenalina para laringite, viral ou pós-extubação, é utilizada predominantemente, ou quase que exclusivamente hoje em dia, somente na forma de nebulização. Ela é bastante utilizada em pronto-socorros, com uma eficiência grande, (…) e de forma ampla na prática pediátrica via inalação.” afirmou Camila Luizetto, coordenadora da pediatria do Hospital Nove de Julho.

Pela via inalatória, medicação é diluída em soro fisiológico. Quando utilizada por técnica de nebulização, explica Felipe Liger, emergencista do Hospital Oswaldo Cruz, “a adrenalina é transformada de sua apresentação líquida em uma névoa fina, que o paciente respira normalmente”, e atuará predominantemente em tecidos locais, “com mínimo efeito no coração e vasos sanguíneos”.

Para tratamento de doenças respiratórias, adrenalina tem efeito temporário e é indicada a pessoas com estridor ou grande dificuldade para respirar. “É extremamente importante frisar que é uma medida temporizadora [temporária], com um início rápido de ação e uma duração de até 2 horas”, destaca Liger.

Já de forma intravenosa, é utilizada em casos de parada cardíaca e outras emergências. Conforme explica Luizetto, a adrenalina na veia é indicada para a reanimação de pacientes cujo coração parou de bater ou com batimentos muito fracos.

Medicação pode melhorar contração do músculo cardíaco e aumentar as chances de reanimação em casos de emergência cardíaca, afirmam médicos. O emergencista do Oswaldo Cruz acrescenta que, além de ser usada para reverter paradas cardiorrespiratórias, é também prescrita em situações de anafilaxia refratária [reação alérgica aguda com risco imediato à vida], via intravenosa ou intramuscular. “Ou seja, situações extremas e que exigem alto grau de conhecimento e treinamento para o manejo seguro”, ressalta Liger.

“A principal indicação da adrenalina intravenosa, seja para criança ou adulto, é a parada cardíaca, a reanimação. Ou seja, em casos dramáticos, para estimular a frequência cardíaca, o coração a trabalhar novamente, juntamente com massagem cardíaca. (…) Essa é a principal indicação que a gente tem hoje, não só no Brasil, mas na literatura científica mundial.” disse José Rodrigues, médico pneumologista da Beneficência Portuguesa.

Foto: Agência Brasil

Riscos da administração por via errada

Administração errada de medicamentos é “extremamente problemática”, afirma pneumologista. “Qualquer medicação administrada por via e na concentração inadequadas, a gente pode ter consequências dramáticas”, ressalta Rodrigues.

“Essa é uma situação que, na medicina, temos que tomar muito cuidado. Não só os médicos, mas os enfermeiros, farmacêuticos, todo mundo que estiver envolvido na assistência ao paciente. Deve haver uma dupla, tripla checagem para ter certeza que não só a adrenalina, mas qualquer medicamento esteja sendo aplicado de forma e na dosagem adequada, (…) exatamente para não ter nenhum efeito dramático como o que aconteceu em Manaus. O hospital é um organismo, cada um depende do outro e os pacientes dependem de todos ali.” afirmou José Rodrigues, médico pneumologista da Beneficência Portuguesa.

Adrenalina é conhecida como medicação de “alta vigilância”, destaca coordenadora pediátrica. “Ela fica muito bem guardada e, normalmente, é feita uma dupla checagem antes de administrar no paciente para ver se é o paciente correto, a dose correta e a via correta de administração”, explica.

“Dependendo da forma como é administrada, ao invés de a gente melhorar a condição do paciente, a adrenalina pode vir a agravar a condição que o paciente se encontra. Por isso, precisa de muito cuidado e atenção ao processo na hora de administrar uma medicação com adrenalina.” disse Camila Luizetto, coordenadora da pediatria do Hospital Nove de Julho.

Profissionais de saúde também devem se atentar à dose prescrita, especialmente em crianças, reforça emergencista. “Quando usamos a adrenalina, precisamos conhecer todos os detalhes envolvidos com a situação atendida, bem como a dose [com base em cálculos específicos baseados em peso, faixa etária e condição de cada paciente], pois o uso inadvertido de doses acentuadamente altas em crianças pode ser facilmente alcançado”, destaca Liger.

*Com informações de Uol