O Brasil abriga mais de 15% da biodiversidade de todo o planeta e é o país mais biologicamente diverso do mundo. Não à toa, o país é um dos mais interessados nas discussões da 16ª Conferência de Biodiversidade da ONU, que começa daqui a duas semanas em Cali, na Colômbia.
A COP16 reunirá representantes de 196 países e tem entre suas prioridades encontrar uma solução para a lacuna de US$ 200 bilhões anuais para proteger e restaurar a natureza global.
Esta será a primeira reunião desde a aprovação do Marco Global da Biodiversidade (MGB), o “Acordo de Paris da Natureza”, acordado na COP15 de Montreal (Canadá), há dois anos. As metas estabelecidas terão sua implementação debatida pela primeira vez.
A Colômbia organizou a conferência às pressas, em pouco mais de um ano, já que assumiu a responsabilidade após a desistência da Turquia por conta dos terremotos que afetaram o país.
A expectativa é que, de 21 de outubro a 1º de novembro, dezenas de milhares de pessoas circulem pela conferência e seus eventos paralelos.
A chance de êxito das negociações ainda não está clara. Na COP do clima, por exemplo, foram necessárias quase 30 edições até que houvesse uma menção clara à necessidade de reduzir o uso de combustíveis fósseis, o que aconteceu na edição do ano passado.
Abaixo, o que você precisa saber sobre as conferências da biodiversidade, o que esperar da COP16 e os assuntos mais importantes em discussão.
O que é uma COP?
“COP” é a sigla em inglês para “conferência das partes”, termo usado para se referir às reuniões das três diferentes convenções firmadas na Rio-92: a das mudanças climáticas, a da diversidade biológica e a da desertificação.
A Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) é a mais conhecida entre elas. A COP29 acontece em Baku, no Azerbaijão, em novembro. No ano que vem, é a vez de Belém do Pará sediar a COP30.
Já a COP da Biodiversidade se dá na alçada da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD, na sigla em inglês) e ocorre a cada dois anos – por isso a diferença na numeração.
Em cada edição das conferências, o espaço físico e as agendas são divididos em duas seções: a zona azul, onde os delegados dos diferentes países se reúnem para as negociações diplomáticas e alguns países e organizações se apresentam em estandes, como numa grande feira de negócios; e a zona verde, na qual os setores público e privado, o terceiro setor e o público geral têm representantes.
Assim como acontece com o tema da mudança climática, a biodiversidade está ganhando relevância global e vem chamando a atenção de cada vez mais do “mainstream”, incluindo as empresas e as instituições financeiras.
O Marco Global da Biodiversidade estabelece 23 metas a serem cumpridas até 2030. O objetivo é reduzir a perda da biodiversidade e incentivar sua restauração, manter os ecossistemas para desenvolvimento sustentável, remunerar países e populações tradicionais pelo uso de patrimônio genético – e garantir que haja recursos financeiros para que essas metas sejam atingidas.
Os mais de 190 países-signatários da convenção terão que apresentar na COP16 o seu progresso em relação a esse conjunto de metas e publicar suas Estratégias e Planos de Ação Nacionais para a Biodiversidade (NBSAPs, na sigla em inglês) atualizadas – que seguem uma lógica semelhante às Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, em inglês) do clima.
A meta 3 do Marco Global, batizada de “30×30”, é a mais famosa entre elas, e estabelece que cada país deve proteger ou conservar ao menos 30% de suas áreas terrestres e águas interiores, e de áreas costeiras e marinhas até 2030. Estabelecer áreas de proteção permanentes (APP) do Brasil ou o reconhecimento de territórios indígenas, por exemplo, pode funcionar como ferramenta.
Ao fim de 2020, apenas 17% de áreas terrestres e 8% de marítimas haviam sido registradas como protegidas ou conservadas.
O que esperar dos planos?
As NBSAPs são os principais instrumentos em nível nacional para garantir o cumprimento das decisões das COPs da biodiversidade. Elas são na prática compromissos públicos assumidos pelos países, ainda que não tenham força de lei nem levem a punições caso não sejam cumpridas.
Por enquanto, apenas 22 países apresentaram suas metas atualizadas e os planos para a natureza até 2030.
A Austrália, por exemplo, comprometeu-se a perda de biodiversidade pela metade e revertê-la até 2030. Um grupo de trabalho governamental terá a função de avaliar e reportar o progresso a cada dois anos.
Mas, para que os planos se tornem reais e tenham efeitos práticos, muitos países vão precisar de dinheiro – sempre um tema contencioso nessas negociações internacionais.
Financiamento da biodiversidade
Assim como na COP do Clima, é no financiamento que deve ser travado o cabo de guerra entre as economias desenvolvidas e em desenvolvimento.
Na COP15, os países firmaram um compromisso de mobilizar anualmente US$ 200 bilhões para financiamento ligado à biodiversidade até 2030. Os recursos devem vir de entidades públicas e privadas.
Por ora, o acordo foi de que os governos de economias desenvolvidas transfiram, juntos, ao menos US$ 30 bilhões por ano dentro do mesmo prazo. Os outros US$ 170 bilhões devem ter sua fonte definida também nesta COP.
Mesmo assim, o valor fica aquém de estimativas que julgam que o dinheiro necessário para proteger a natureza precisaria chegar na casa dos trilhões de dólares.
As propostas para chegar a esse valor são variadas e vão desde doações para fundos de impacto até a criação de um mercado de créditos de biodiversidade.
Não é trivial dar preço à proteção de florestas, à manutenção da fauna e flora e ao cuidado com a água, por exemplo. Quando se trata do desafio climático, uma tonelada de carbono é a mesma em todo lugar. Mas o mesmo não se aplica à biodiversidade presente em um hectare de floresta no Brasil ou no Congo.
Um dos mecanismos mais importantes é o fundo global para remunerar países diversos pelo uso de Informações de Sequência Digital (DSI, na sigla em inglês).
Repartição de benefícios
Se uma companhia usa o patrimônio genético da biodiversidade de determinado país, ela precisa remunerá-lo por essa utilização.
Durante a maior parte da história, indústrias farmacêuticas ou cosméticas fizeram pesquisas com itens físicos: açaís ou guaranás, por exemplo. Os acordos internacionais existentes para a remuneração dos países donos desse patrimônio biológico são baseados nessa realidade.
Mas já faz algum tempo que o desenvolvimento de novos produtos não precisa mais do acesso físico a esses recursos. Simulações e testes são realizados usando sequências genéticas, que ficam armazenadas em bancos de dados globais.
Essa digitalização introduz complexidades e cenários não previstos nos acordos em vigor hoje. Muitos países megadiversos, incluindo o Brasil, defendem um novo sistema para garantir que continuem sendo remunerados quando seus patrimônios genéticos se transformam em produtos.
Na COP passada, há dois anos, ficou decidida a criação de uma espécie de fundo global. Em vez de transações entre dois países, os usuários dos recursos genéticos fariam depósitos nesse veículo – e dali sairiam os pagamentos aos “donos” da biodiversidade.
Em Cali, a expectativa é resolver basicamente duas questões: como e quanto terão de pagar os usuários e como será feita a divisão entre os beneficiários.
Se funcionar, o fundo seria capaz de captar bilhões de dólares para a biodiversidade, das indústrias farmacêuticas, da beleza e do agronegócio, por exemplo. E esse dinheiro poderia ser usado em atividades de preservação principalmente no Sul Global, que concentra a maior parte da diversidade biológica do planeta.
O tema é espinhoso e divide os países ricos e o mundo em desenvolvimento. Existe a possibilidade de que não se chegue a um consenso, o que empurraria a decisão para a próxima COP, em 2026.
Rumo a Cali
O interesse do setor de finanças pelo chamado “capital natural” é crescente. Os fundos rotulados com “biodiversidade” chegaram a US$ 3,9 bilhões, uma alta de 45% em comparação aos 12 meses anteriores, segundo a Morningstar.
São esperados anúncios de grupos que olham conjuntamente para a natureza e o mercado financeiro, como a Task force on Nature-related Financial Disclosures (TNFD) e o Spring, braço do Principles for Responsible Investment (PRI) para natureza.
Do Brasil, a delegação do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) conta com representantes de 43 empresas de 17 setores distintos. Entre os nomes, estão a Vale, Petrobras, Natura, Itaú, Banco do Brasil e Eletrobras.
Presidente da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), o deputado estadual Roberto Cidade (UB) compôs a mesa de autoridades da solenidade de posse do novo...