Pecuária na Amazônia: pesquisadora busca entender os impactos do desmatamento na Amazônia sobre os microrganismos do solo desde 2014 - Foto: Getty Images

Escondidos embaixo do solo, à sombra da exuberante floresta amazônica, vivem microrganismos, como bactérias e fungos, responsáveis em grande parte pelos processos ecológicos desse bioma. Eles desempenham papéis essenciais nos processos biogeoquímicos do solo, pois estão envolvidos na decomposição da matéria orgânica, na ciclagem e na regulação da disponibilidade de nutrientes para as plantas, além de ajudar na promoção da saúde delas. Além disso, são fundamentais para a manutenção da fertilidade da terra e para a bem geral do ecossistema.

Um estudo recente, publicado na revista Trends in Ecology & Evolution, mostrou como microrganismos do solo têm sido alterados pelas mudanças de uso da terra na Amazônia e como isso gera impactos sérios para o meio ambiente. “Nosso objetivo era entender o que se sabia até o momento a respeito de como esses microrganismos respondem aos processos de desmatamento, mudança climáticas e de uso do solo na Amazônia”, explica Andressa Monteiro Venturini, da Universidade de Stanford, coordenadora da pesquisa.

O principal foco do trabalho era mostrar essas mudanças a partir de uma perspectiva funcional, ou seja, quais papéis que os microrganismos desempenham no ambiente e que estão sendo alterados por esses processos. “Além disso, nós buscamos compreender quais as lacunas e desafios que ainda existem na área”, acrescenta Venturini. “Ao falar sobre isso, não consideramos apenas os aspectos científicos, mas também o contexto social, educacional e político, como por exemplo, formação de recursos humanos na área e aplicação dos resultados em políticas públicas.”

Ela conta que busca entender os impactos do desmatamento na Amazônia sobre os microrganismos do solo desde 2014, quando começou seu doutorado no Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena/USP). Nesse período, Venturini trabalhou com outros alunos, que também estavam interessados no tema e que participaram do estudo de agora. “Em 2021, ao ser selecionada pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, para fazer parte do programa Fung Global Fellows, pude finalmente desenvolver esse projeto”, conta.

O trabalho foi realizado nessa universidade e finalizado quando ela já estava trabalhando como pós-doutoranda na Universidade de Stanford, também nos Estados Unidos. “Realizamos o estudo entre 2022 e 2023, mas essa era uma ideia que eu já vinha pensando desde o meu doutorado no Cena”, conta. “A pesquisa contou com a participação de estudantes desse centro, que também trabalham com esses temas, além de pesquisadores da universidades de Stanford, de Oxford (Reino Unido) e de Oregon (EUA).

De acordo com a pesquisadora, o trabalho mostrou como a diversidade e a abundância de microrganismos do solo têm sido alteradas pelas mudanças de uso da terra na Amazônia e como isso gera impactos sérios para o meio ambiente. “Nosso principal estudo de caso foi o ciclo de metano, uma vez que diversos artigos sobre o tema foram publicados nos últimos anos”, explica. “Trata-se do segundo gás mais importante de efeito estufa e o seu ciclo no solo é controlado por dois grupos de microrganismos, os que o produzem (metanogênicos) e os que o consomem (metanotróficos).”

O estudo revelou ainda que, com essas mudanças, solos que costumam ser sumidouros de metano (ou seja, consumir metano) podem passar a emitir esse gás, especialmente sob determinadas condições ambientais, como elevada umidade. “Dentro desse contexto, nós levantamos uma relevante discussão sobre os desafios e futuro dessa área do conhecimento, como a importância de se incluir esses resultados em políticas públicas”, diz Venturini.

A engenheira agrônoma Júlia Brandão Gontijo, da Universidade da Califórnia (EUA), doutora em Ciências pelo Cena e uma das autoras do estudo, lembra que vários trabalhos desenvolvidos na região têm reportado um aumento significativo na emissão de gases de efeito estufa pelo solo em áreas convertidas para pastagens. “No entanto, apesar de desempenharem um papel fundamental em diversos processos biogeoquímicos, os microrganismos do solo têm sido lamentavelmente negligenciados em iniciativas de conservação e gestão”, diz.

Segundo ela, a pesquisa ressalta a urgência de integrar a biodiversidade do solo com outras disciplinas, além de ampliar os esforços de amostragem, visando uma compreensão mais abrangente e um monitoramento mais eficaz das mudanças ambientais na região Amazônica. “Para remediar essa situação, são necessárias abordagens integradas que considerem a conservação dos habitats naturais, a redução da pressão sobre a terra e a promoção de práticas agrícolas sustentáveis que mantenham a saúde do solo”, explica Gontijo.

Para ela, o trabalho tem implicações práticas significativas. Ao reconhecer o papel crítico dos microrganismos do solo na Amazônia e sua sensibilidade às mudanças ambientais, os gestores e tomadores de decisão podem implementar estratégias de manejo mais eficazes que levem em consideração a saúde do solo.

De acordo com Gontijo, isso inclui a promoção de práticas de conservação que preservem a diversidade microbiana, o monitoramento contínuo das mudanças nos ecossistemas e o desenvolvimento de políticas que incentivem a formação de recursos humanos, a adoção de práticas agrícolas sustentáveis e a proteção das florestas. “Essas medidas podem contribuir significativamente para a conservação da biodiversidade e a mitigação dos impactos das mudanças climáticas na região Amazônica”.

*Com informações de Um Só Planeta