Atividade de fala e de escuta entre estudantes da Escola Municipal Madre Joana Angélica, na zona leste de São Paulo - Foto: Fabiana Maranhão / Redação Terra

Um grupo de 25 meninos e meninas do 7º e do 9º anos do Ensino Fundamental se reúne para conversar sobre lembranças boas e incômodos sentidos dentro da escola. Eles falam, se ouvem e, com a ajuda de professores, tentam encontrar saídas para as suas queixas.

Essa é uma das atividades desenvolvidas pela Escola Municipal Madre Joana Angélica, em Guaianases, bairro do extremo leste de São Paulo, como forma de prevenção do suicídio entre as crianças e os adolescentes. Neste mês de setembro, uma campanha mundial, batizada de Setembro Amarelo, chama a atenção para esse tema tão delicado e ainda cercado de tabus que é o suicídio.

Se você está sofrendo ou conhece alguém nessa situação, peça ajuda. Ligue gratuitamente para o telefone 188 ou acesse https://www.cvv.com.br e fale com um voluntário.

O Terra acompanhou um desses encontros na manhã da última quarta-feira, 30. Em nenhum momento a palavra suicídio foi citada pelos alunos. E isso não é à toa. Segundo a diretora da escola, Ana Paula Lopes Gomes, o trabalho de prevenção foca em um dos principais “antídotos” do suicídio: o cuidado com a saúde mental e emocional.

“No dia a dia da escola, a gente não fica trazendo essa palavra. ‘Vamos falar sobre suicídio’. A gente faz o caminho inverso. Então, a gente vai falar sobre saúde emocional, por exemplo. A gente vai trazer essas questões de convívio, de como lidar com as pessoas. Porque a escola é um pouco disso, né? É o conviver em sociedade. Então, a gente vai trabalhando com esse viés, para que eles reflitam na prevenção. E não é algo que a gente faz em uma data específica. A gente trabalha isso ao longo de todo o ano, de maneiras diferentes”, explica a diretora.

Espaços de escuta e de fala

A escola, que tem 1.060 alunos, com idades entre 6 e 14 anos, promove espaços de escuta e fala, como o que acompanhamos, para que os alunos se sintam mais à vontade e confiantes para compartilhar dúvidas, medos e angústias.

Durante a atividade, uma jovem de 14 anos, aluna do 9º ano, comentou sobre casos que, segundo ela, acontecem na escola e que poderiam configurar como importunação sexual. “Em questão de passar a mão em alguém. Não sei, você nem sabe [quem é]. Nem só a questão do físico também. Em questão de falar pra você coisas feias. Acho que é o que mais me incomoda”, diz.

Ela considera importantes atividades como essas. “Eu acho bom porque eles dão voz pra gente falar e também é bom ver que, às vezes, o que eu passo todo mundo passa. Eu penso ‘Isso só acontece comigo’. Às vezes, ver que o outro também passa é de alguma forma mais reconfortante”, afirma.

Para outro jovem de 15 anos, também do 9º ano, encontros assim deveriam acontecer com mais frequência. “Dá pra você desabafar e demonstrar o que você está sentindo e sobre o que você quer, saber a opinião do outro, se ele está incomodado, a mesma coisa que você. Eu acho isso muito importante e deveria ter muito, muito mais vezes”, sugere o adolescente.

Segundo a diretora, essa atividade é uma sugestão do grêmio estudantil, que pede para conversar com representantes das turmas do Fundamental 2 e, com base no que é compartilhado, realiza atividades educativas no sentido de minimizar ou até solucionar os problemas apontados pelos estudantes.

Já com os alunos mais novos, atividades de fala e escuta são feitas dentro da sala de aula, com os professores de cada turma. “A gente vai entendendo a faixa etária e vai fazendo de acordo com a necessidade deles. Pegar um [aluno] do 1º aninho pra ele falar junto com o do 9º ano, não vão conseguir se expressar. Agora com a professora da turma, falam tudo, né?”, brinca.

Atividades com mães e pais

A cada dois meses, a escola realiza encontros com os pais e responsáveis. De acordo com a diretora, é feito um trabalho educativo já que muitos deles não sabem como lidar com temas delicados, mas que tendem a estar presentes na vida dos estudantes, como automutilação, bullying, racismo, machismo e até suicídio.

“É um momento formativo, que é rápido, mas que vai naquele ponto que precisa. Eu lembro que um desses momentos formativos, por exemplo, tinha a ver com a questão das automutilações, da gente conversar isso com as famílias, explicar porque, às vezes, as famílias não sabem lidar com isso”, relembra.

Ana Paula destaca que casos específicos são tratados de forma individualizada e, em geral, envolvem a presença dos pais ou responsáveis e, se for o caso, também de órgãos públicos da saúde, educação, conselho tutelar etc.

Segundo ela, a escola também investe em uma série de atividades extraclasse, esportivas e culturais, que podem ajudar as crianças e adolescentes a desenvolver a competência oito, prevista na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que trata do autoconhecimento e do autocuidado. A BNCC é um documento que define as aprendizagens essenciais que precisam ser trabalhadas nas escolas brasileiras ao longo de toda a Educação Básica.

Aumento de casos de suicídio no Brasil

Ana Paula é diretora da escola desde 2018. Ela diz que não lembra de algum caso recente de suicídio de estudantes da unidade. No entanto, dados da Secretaria de Vigilância em Saúde, divulgados pelo Ministério da Saúde em setembro de 2022, revelaram um aumento na quantidade de casos entre crianças e adolescentes, em todo o País.

Entre 2016 e 2021, a taxa de mortalidade de adolescentes de 15 a 19 anos por causa de suicídio cresceu 49,3%, chegando a 6,6 por 100 mil. Já a taxa de mortalidade entre crianças e adolescentes de 10 a 14 anos aumentou 45% entre adolescentes de 10 a 14 anos, chegando a 1,33 por 100 mil.

Considerando todas as faixas etárias, em 2022, foram registrados 16.262 suicídios no Brasil, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, divulgado em julho deste ano. A taxa de mortalidade é 8 para cada 100 mil habitantes. É uma média de 44 suicídios por dia ou quase dois a cada hora.

“Sabe-se que praticamente 100% de todos os casos de suicídio estavam relacionados às doenças mentais, principalmente não diagnosticadas ou tratadas incorretamente. Dessa forma, a maioria dos casos poderia ter sido evitada se esses pacientes tivessem acesso ao tratamento psiquiátrico e informações de qualidade”, afirma a Associação Brasileira de Psiquiatria.

*Com informações de Terra