Foto: Gabriela Biló / Estadão Conteúdo

Antes da operação da PF, o programador cruzou informações após um vazamento de dados e compartilhou as coincidências em seu Twitter

Meses antes da Polícia Federal deflagrar a Operação Venire, que investiga a inserção de dados falsos em carteiras de vacinação contra a covid-19 em sistemas do Ministério da Saúde, um cientista de dados havia identificado os registros da suposta vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e compartilhado as ‘coincidências’ em perfil no Twitter.

O cientista é Marcelo Oliveira, programador que atua no Infovid – grupo de pesquisadores que busca divulgar e desmistificar ao público em geral dados da covid-19. Em janeiro deste ano, ele cruzou dados que o levaram aos registros das duas doses de Pfizer no nome do ex-presidente – assim como consta no relatório da PF sobre a operação, que teve seu sigilo retirado, ontem (3), pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Em entrevista ao Terra, ele explica que o Ministério da Saúde tem diversas iniciativas de dados abertos, como os de cobertura vacinal, que preservam informações pessoais das pessoas citadas. É comum visualizar referências de data de nascimento, raça e idade, mas não é possível saber o CPF da pessoa a quem pertence o dado. Sendo assim, cada paciente tem um código de identificação próprio, um ID formado por um número extenso.

Foi no começo do ano, quando um suposto cartão de vacinação de Jair Bolsonaro vazou, que Marcelo conseguiu encontrar o ID de paciente do ex-presidente. A partir disso, ele seguiu investigando e chegou até as duas doses registradas no Rio de Janeiro, que foram tidas como invalidade na sequência. Estes dados nunca estiveram sob sigilo.

Por si só, não tendo acesso às informações complementares ao registro, o cientista de dados não tinha como comprovar um suposto esquema. Ele relembra ter pensado que poderia ser algum problema na base de dados e que acabou deixando a questão de lado. “Mas sempre ficava na minha cabeça: ‘Tem alguma coisa aí’”.

Paralelamente, a Polícia Federal investigava o caso e chegou às mesmas conclusões iniciais do programador. O inquérito veio a público neste mês de maio, também revelando supostos registros de vacinação no nome de Laura Firmo Bolsonaro, filha do ex-presidente.

O que está registrado

Há informações de vacinação contra a covid-19 registradas na Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), do Ministério da Saúde, sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro e a sua filha Laura.

Todas as aplicações teriam ocorrido em Duque de Caxias (RJ) e, nas datas tidas como as das aplicações, Bolsonaro estava no Rio de Janeiro. Em todos os casos houve ocorrência de exclusão dos registros por ‘erro’.

Confira os detalhes:

Registro: 22h07 de 21 de dezembro de 2022 – No nome de Bolsonaro, foi registrada a suposta primeira dose de Pfizer. A aplicação teria sido feita no dia 13 de agosto do ano passado, quatro meses antes do dado ter sido enviado ao Ministério da Saúde.
Exclusão: 20h59 de 27 de dezembro de 2022, segundo relatório da PF.

22h08 de 21 de dezembro de 2022: Cerca de um minuto depois aparecem os dados da suposta segunda dose de Pfizer direcionada a Bolsonaro. A aplicação teria ocorrido no dia 14 de outubro do ano passado.
Exclusão: 20h59 de 27 de dezembro de 2022, segundo relatório da PF.

22h16 de 21 de dezembro de 2022: Na sequência foi inserido o registro da suposta primeira dose, da Pfizer, em Laura Bolsonaro. A aplicação teria ocorrido no dia 24 de julho do ano passado.
Exclusão: 20h59 de 27 de dezembro de 2022, segundo relatório da PF.

2h21 de 22 de dezembro de 2022: Durante a madrugada entrou o último registro, o da segunda dose de Pfizer em Laura Bolsonaro. A aplicação teria sido no dia 13 de agosto do ano passado, mesma data em que Jair Bolsonaro teria tomado sua primeira dose da vacina.
Exclusão: 20h59 de 27 de dezembro de 2022, segundo relatório da PF.

Operação Venire

O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, foi preso ontem, pela Operação Venire, da Polícia Federal.

Além de Mauro Cid, mais 5 pessoas foram presas:

Max Guilherme, ex-sargento do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e segurança do ex-presidente;
Sergio Cordeiro, militar do Exército Brasileiro e também segurança de Bolsonaro;
Luís Marcos dos Reis, sargento do exército que foi assessor de Bolsonaro e trabalhou com o ajudante de ordens Mauro Cid;
João Carlos de Souza Brecha, secretário municipal de Saúde de Duque de Caxias (RJ);
Ailton Gonçalves Moraes Barros, ex-major do Exército que se candidatou pelo PL à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro na última eleição.

Também foram expedidos 16 mandados de busca e apreensão. Entre os endereços alvo, estão o do ex-chefe do Executivo. No local, a PF apreendeu o celular dele; o da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro teria sido poupado.

A investigação apura a falsificação de dados das seguintes carteiras de vacinação:

• Jair Bolsonaro;
• Laura Bolsonaro, filha do ex-presidente;
• Mauro Cid, além da mulher e filha dele.

A operação foi realizada em Brasília e no Rio de Janeiro. Conforme a PF, os dados falsos foram supostamente inseridos, entre novembro de 2021 e dezembro de 2022, nos sistemas SI-PNI e RNDS do Ministério da Saúde. O objetivo era burlar as restrições sanitárias vigentes impostas pelo Brasil e Estados Unidos.

Bolsonaro foi para os EUA no final de seu mandato, juntamente com os dois seguranças presos. A falsificação de documentos para entrar nos Estados Unidos pode levar a dez anos de prisão em solo americano por fraude. Em 2021 o país incluiu na lista desses documentos a certificação da vacina contra a covid-19 e a obrigatoriedade da imunização contra a doença em solo americano segue obrigatória até o dia 12 de maio deste ano.

Bolsonaro nega ter tomado vacina

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse, em entrevista à imprensa, do lado de fora de sua casa em Brasília, que não tomou a vacina contra a covid-19, e se mostrou surpreso com a motivação para a operação da Polícia Federal deflagrada ontem.

“O objetivo da busca e apreensão na casa do ex-presidente Jair Bolsonaro: cartão de vacina. O que eu tenho a dizer a vocês: Eu não tomei a vacina, foi uma decisão pessoal minha depois que eu li a bula da Pfizer. O cartão de vacina da minha esposa também foi fotografado. Ela tomou a vacina nos Estados Unidos, a Janssen”, declarou.

“E a outra é minha filha, eu respondo por ela, Laura, de 12 anos, não tomou a vacina também, tenho o laudo médico no tocante a isso. No resto, eu realmente fico surpreso com uma busca e apreensão com esse motivo. Eu não tenho mais nada o que falar”, continuou.

Na manhã de ontem, a defesa de Bolsonaro solicitou adiamento do depoimento do ex-presidente, que estava previsto para as 10h. Os advogados alegaram que não tiveram acesso aos autos da investigação, o que inviabilizaria o depoimento. O pedido foi aceito.

Com informações do Terra