O ator Isaac Amendoim em cena de ‘Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa’, de Fernando Fraiha (Foto: Divulgação)

Quando não está na escola ou brincando com seus animais, Chico Bento é mestre em roubar goiabas. As ameaças de Nhô Lau, dono do pé mais carregado da Vila Abobrinha, não são páreas para as malandragens do caipira e Zé Lelé, especialistas em escalar árvores e fugir com os pés descalços. Nem por isso Chico deixa de ser exemplo e inspirar diversas crianças no cuidado com a natureza.

Embora chegue aos cinemas como um menino de 11 anos, o personagem nasceu há mais de seis décadas, quando Mauricio de Sousa foi convidado pela Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC) a desenvolver uma tirinha sobre a vida no campo.

Surgia uma mistura entre o Jeca Tatu de Monteiro Lobato, um tio-avô do cartunista e a Turma da Mônica, que ia além das ruas de asfalto no Bairro do Limoeiro muito antes de “Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa“, que estreia nesta quinta-feira (9).

Não demorou para Chico conquistar as bancas e as histórias reforçarem as peripécias e o coração bondoso. Fosse a manipulação eleitoral entre donos de terras, os choques entre o interior e a cidade ou a destruição da natureza —no filme, a goiabeira é ameaçada pela construção de uma estrada—, os temas mantiveram o compromisso com o meio ambiente e outras discussões sociais.

“O ‘caipirês’ do Chico, por exemplo, gerou debates entre autoridades ligadas à educação, mas se tornou uma marca registrada. Ele ajuda crianças de todo o Brasil a se familiarizarem com a riqueza cultural do país”, diz Maurício. Ele acredita que levar esses assuntos aos mais novos é uma forma de prepará-los para o mundo que irão herdar.

Mas se o arteiro pouco mudou, o tempo trouxe outras relações com os leitores. Fãs dos quadrinhos apresentam Chico Bento aos filhos por desenhos animados, um filão no qual o criador da Mônica aposta desde fins dos anos 1970. Hoje, episódios chegam ao YouTube e ao TikTok, acervos digitais reúnem revistas antigas, e um pequeno influenciador do interior mineiro interpreta o personagem nas telonas.

“Eu não gostava de ler antes de participar do filme. Foi depois dele que procurei os quadrinhos e aprendi a gostar mais. Antes eu só conhecia o Chico pela televisão”, diz Isaac Amendoim, de nove anos, que dá vida ao protagonista.

Nas redes sociais, o ator mostra seu dia a dia na roça de Cana Verde, produz esquetes de humor e traz reflexões ambientais que alcançam milhões de seguidores. Sua inclusão no universo cinematográfico das HQs de Maurício de Sousa parece natural de um projeto que busca a melhor forma de se comunicar com o público infantil.

“O grande desafio é encontrar as mensagens para as crianças de hoje em dia. As tecnologias mudam e as informações chegam de forma muito diferente a elas. Então é preciso conversar com gerações específicas”, diz Marcos Saraiva, diretor-executivo da Maurício de Sousa Produções, a MSP.

No audiovisual, a empresa — que aqui se une à Biônica, produtora do filme — é responsável pelas produções da Turma da Mônica e testa diferentes estilos desde o primeiro live-action, “Turma da Mônica: Laços”, lançado em 2019. Luis Lobianco, que interpreta Nhô Lau, acredita na importância desses filmes e diz que os pequenos precisam do seu próprio “Ainda Estou Aqui“.

Embora “Turma da Mônica: Lições” tenha sido a maior bilheteria nacional de 2022, seus 761 mil espectadores não correspondem a metade do público conquistado pelo drama de Walter Salles, que já passa dos 3 milhões de espectadores. Mas isso não parece amedrontar Chico Bento, que soa mais livre, leve e solto.

A urgência em decretar sua relevância social é deixada de lado e existe uma maior confiança na interpretação infantil. Se os projetos anteriores construíam um espaço novo nos cinemas e precisavam justificar sua existência, “A Goiabeira Maraviosa” parece não temer a ingenuidade.

“Nós não queríamos que o roteiro tivesse um tom moralista. No fundo, ele é simplesmente sobre uma criança e a sua árvore favorita. Qualquer mensagem já está codificada nesse amor”, diz Fernando Fraiha, diretor do longa.

Do pai atrapalhado que busca sementes mágicas, passando por figuras do folclore e chegando à transformação de Chico em passarinho, a produção não se apressa em trabalhar a força do imaginário. Ela propõe uma paciência incomum para um tempo em que crianças trocam gibis por celulares e uma rota mais interessante que a do latifundiário que procura trocar árvores por concreto.

“É um bom caminho para se representar outro Brasil na tela. Não é um interior específico de uma região, então consegue abraçar mais pessoas. Um Brasil rural, que traz uma cultura do humor, dos causos e uma infância quase mítica que muitos carregam no coração”, afirma Saraiva.

Esse legado não se restringe ao setor cultural, e Chico Bento já foi nomeado embaixador do WWF Brasil, organização ambiental sem fins lucrativos. O título de protetor das nascentes do Pantanal foi decretado em 2020 com um curta animado, que inaugurou uma ampla parceria na produção de materiais educativos.

Não suficiente, a versão adolescente do personagem nos gibis da “Turma da Mônica Jovem” estuda agronomia desde 2013. São características que também conversam com a atual representação do agronegócio em novelas e na música sertaneja. No caso de “A Goiabeira Maraviosa”, Chico e seus amigos enfrentam um mimado agroboy mirim e um coronel egocêntrico ao ilustrar uma relação mais pacífica com as terras.

Nessa empreitada, a única adulta que decide ajudá-los é também responsável por sua formação. A professora Marocas é vivida por Débora Falabella, que agora lê para o filho as revistas de sua infância. Ela defende a formação de um público infantil para o cinema nacional.

“Estamos acostumados a ver filmes de super-herói que já fazem isso há muito tempo, então por que não fazer o mesmo com esse universo infantil enorme que temos em nossa cultura? Isso pode gerar um grande impacto sobre aqueles que vão consumir nossos filmes no futuro.”

Com informações da Folha de S.Paulo