Carlo Ancelotti, 66, um italiano do norte, aprendeu a falar espanhol, francês, inglês, alemão e português. Em casa falava o emiliano, dialeto comum nas famílias de Reggiolo da década de 1960, região da Emilia-Romanha, onde o atual treinador da seleção brasileira nasceu.
O emiliano-romanholo está em desuso. Hoje Ancelotti usa o dialeto somente para se comunicar com a irmã, remanescente da geração familiar. Na escrita, o emiliano faz uso expressivo de acentos agudos, circunflexos e trema. Na fala os sons saem mais fechados se comparados com o italiano.
Desde que assumiu a seleção brasileira, em maio, Ancelotti tem conversado em português, língua ainda mais afastada do emiliano de sua terra. Não parece ser problema para alguém que trabalhou nas cinco principais ligas de futebol da Europa e aprendeu a falar o idioma de todas elas.
Em entrevistas, o treinador pronuncia palavras como “marcação” como se nelas houvesse acento agudo —algo como “marcaçáo”—, num aparente esforço de demonstrar o aprendizado da língua.
Pelo avanço no domínio do idioma Ancelotti tem recebido elogios de colegas de trabalho, jornalistas e do seu professor particular. Ele faz curso online de português desde junho com o professor Roberto Piantino.
“O fato de ele dominar diferentes idiomas é, ao mesmo tempo, um facilitador e um ônus, porque causa a mistura e a utilização, na maioria dos casos, do espanhol”, afirma Piantino, que chegou ao treinador através de amigos jornalistas que mostraram seu currículo ao italiano.
O professor afirma que viu o treinador com certa dificuldade de compreensão em sua primeira entrevista e enxergou ali uma oportunidade. Já era fã do trabalho do italiano no futebol europeu, e devorou “Carlo Ancelotti: Liderança Tranquila”, livro do treinador.
Ancelotti é pontual e diligente nas chamadas de vídeo. Ele é quem costuma ligar para o professor, e não o contrário. Demonstra também curiosidade, segundo Piantino. Com tantos idiomas na cabeça, particularidades da língua portuguesa ainda o surpreendem. Dia desses, pediu que o professor explicasse por que o português, entre as línguas latinas, é o que lista os dias da semana com “feira”, e não através da astronomia.

“Na primeira aula eu usei bastante italiano, mas nas seguintes o uso do português era predominante. Só usava algo de italiano para traduzir algo que ele não tinha entendido, ou para explicar melhor.”
O treinador vive entre Vancouver, no Canadá, onde tem residência com a mulher, e o Rio de Janeiro, onde fica a sede da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), além das visitas aos países onde a seleção atua. Em cinco meses esteve no Equador, na Bolívia, na Coreia do Sul, no Japão e na Inglaterra.
Por causa das viagens, as aulas, com duração de uma hora, são ministradas conforme a agenda, sem periodicidade definida. Nos momentos vagos no hotel no Rio, Ancelotti tem tentado se familiarizar com a pronúncia do português brasileiro através do aplicativo Duolingo e da transmissão de jogos de futebol. Ele tenta assistir a todos os jogos do Botafogo, clube que foi treinado pelo filho Davide Ancelotti, 36, de julho a dezembro.
Para o professor, corintiano, a acentuação carioca pode gerar um bocado a mais de dificuldade de compreensão a Ancelotti, se comparada com o sotaque paulistano, mais próximo da cadência italiana. Em algumas entrevistas coletivas ele pede para que o repórter repita a pergunta em tom mais alto.
Piantino afirma que personalizou as aulas. Temas comuns de conversação durante o aprendizado de um idioma, como frases a serem ditas em um restaurante ou em um aeroporto, foram deixados de lado. O professor diz focar expressões sobre o jogo.
“A urgência no material foi voltada para o futebol. Recuar, atirar, trocar, avançar, fechar o lado, são especificidades nossas na linguagem do futebol e expressões para explicar melhor aos jogadores e à imprensa, apesar do fato de que, com os jogadores, ele se comunica na língua que desejar”, afirma.
Funcionários de hotéis e estádios por onde o treinador passou reforçam a característica de simpatia, envolta em discrição. Tem surpreendido na convivência.
Apesar de comandar há 25 anos alguns dos maiores times do mundo, Ancelotti aparenta leve embaraço com o aparato necessário pela sua presença em lugares públicos —como um corredor do Maracanã que é fechado por segurança para levá-lo ao elevador rumo ao camarote, ou uma ala de um restaurante que é isolada durante um jantar.
Ele tem se adaptado ao Brasil porque procura nele o que há de italiano, segundo pessoas que têm convivido com o treinador. Gostou de saber que brasileiros comem polenta, seu prato afetivo da infância.














