Capsula da Boeing no topo de um foguete Atlas 5, em Cabo Canaveral, em 2021 - Foto: Nasa / NYT

No fim de 2019, a Boeing parecia ter uma boa chance de vencer a SpaceX e se tornar a primeira empresa americana privada a levar astronautas à órbita.

Nos quatro anos desde então, muitas coisas deram errado, até que a empresa conseguisse lançar a cápsula Starliner com dois astronautas rumo à Estação Espacial Internacional (ISS).

Relembre os contratempos que fizeram a empresa ficar tão atrás de sua rival, de Elon Musk.

Uma ‘quase colisão’

Em 20 de dezembro de 2019, a Boeing parecia estar na reta final.

Uma cápsula Starliner estava no lançador no topo de um foguete Atlas 5.

O voo de teste para a estação espacial não tinha astronautas a bordo, e sua missão era avaliar a navegação, propulsão e sistemas de acoplamento da espaçonave. Se o voo passasse por esse último obstáculo técnico, uma viagem com astronautas a bordo poderia ocorrer dentro de meses.

O foguete foi lançado sem problemas, liberando o Starliner.

E então a missão deu errado.

O relógio da espaçonave estava ajustado para o horário errado, fazendo com que a Starliner pensasse que estava na localização errada. A cápsula disparou seus propulsores para tentar chegar aonde achava que deveria estar. Ao mesmo tempo, uma falha de comunicação impediu os esforços de controladores de voo para diagnosticar e corrigir o problema.

A Starliner usou muito propelente, e o planejado acoplamento à ISS estação espacial foi cancelado.

Engenheiros da Boeing ainda descobriram outro erro de software que teria acionado os propulsores errados durante uma manobra antes da reentrada. A Nasa classificou o incidente como um “quase acidente de alta visibilidade” que poderia ter destruído a espaçonave se os erros não tivessem sido corrigidos do solo durante o voo.

Uma investigação revelou múltiplas falhas nos processos da Boeing que deveriam ter identificado os erros antes do lançamento. Uma auditoria revisou 1 milhão de linhas de código de software.

Funcionários da Nasa admitiram que talvez tenham depositado muita confiança na Boeing, que tinha décadas de experiência trabalhando com a agência.

Corrosão na plataforma de lançamento

A Nasa e a empresa decidiram que um segundo teste não tripulado era necessário antes de um voo com astronautas a bordo. A espaçonave foi levada para a plataforma de lançamento em julho de 2021, mas um problema a bordo da estação espacial causou um atraso para o início de agosto.

Então, antes de uma tentativa de lançamento em 4 de agosto, os gerentes da missão descobriram válvulas de propelente corroídas na Starliner que não se abririam. O voo de teste foi cancelado, e uma nova rodada de solução de problemas se seguiu.

Outro lançamento, mais problemas

O segundo teste não tripulado finalmente foi lançado em 19 de maio de 2022.

Durante uma manobra para colocar a Starliner em uma órbita estável, dois propulsores falharam, mas a espaçonave conseguiu compensar. Ela prosseguiu para se acoplar à estação espacial e retornou com sucesso à Terra.

Paraquedas e fita adesiva

Em 2023, antes do voo de teste com astronautas a bordo surgiram mais dois problemas. A fita protetora que envolvia a isolação dos fios era inflamável, e um componente chave no sistema de paraquedas era mais fraco do que o projetado e poderia quebrar se os três paraquedas da Starliner não se abrissem corretamente.

Cerca de 1,6 km de fita precisou ser substituída. O design do paraquedas foi atualizado e fortalecido, e então testado novamente.

Ainda não pronto para voar

“Estamos usando nosso tempo para passar por tudo metodicamente porque é um voo de teste, e queremos que corra bem”, disse Steve Stich, gerente do programa da tripulação comercial da Nasa, durante uma entrevista coletiva em 3 de maio deste ano.

Mark Nappi, gerente do programa na Boeing para a Starliner, disse: “Estamos prontos para realizar o voo de teste. E nunca me senti tão preparado em nenhuma missão que já participei”.

Mas a Starliner ainda não estava totalmente pronta.

A contagem regressiva de 6 de maio estava progredindo sem problemas até que uma válvula no segundo estágio do foguete Atlas 5, não relacionada à Starliner, começou a apresentar problemas, vibrando cerca de 40 vezes por segundo.

O lançamento foi cancelado, e o foguete precisou ser retirado da plataforma para que a válvula fosse substituída. Esse trabalho foi concluído em poucos dias.

Mas um problema mais complicado surgiu.

Ao drenarem os propelentes dos tanques do foguete, os engenheiros descobriram um pequeno vazamento de hélio no sistema de propulsão da Starliner.

O hélio, um gás inerte, é usado para empurrar os propelentes para os propulsores, e se muito hélio for perdido, os propulsores podem não funcionar corretamente.

O vazamento foi rastreado até uma vedação em uma linha de hélio que leva a 1 dos 28 pequenos propulsores conhecidos como motores do sistema de controle de reação.

Testes mostraram que não há vazamentos nas vedações que levam aos outros 27 motores do sistema de controle de reação, e os engenheiros estavam confiantes de que o vazamento único era gerenciável. Não havia planos de substituir a vedação, o que exigiria retirar a Starliner do foguete e resultaria em um atraso ainda maior para o voo.

O vazamento levou a Nasa e a Boeing a ampliarem a análise do sistema de propulsão da Starliner, o que revelou uma “vulnerabilidade de design”, segundo Stich. Se uma série de falhas improváveis ocorressem, a espaçonave talvez não conseguisse trazer os astronautas de volta com segurança à Terra.

Se houvesse problemas com os motores maiores destinados a serem acionados para uma manobra de retirada da órbita da espaçonave, um dos planos de contingência era usar oito dos propulsores menores. No entanto, a análise mostrou que uma falha adicional poderia significar que haveria apenas quatro dos propulsores menores disponíveis.

Os engenheiros então desenvolveram outro plano de contingência para retirar a Starliner da órbita com apenas os quatro propulsores. Funcionários da Nasa e da Boeing disseram que, após semanas estudando o problema, estavam confiantes de que poderiam lidar com os problemas que pudessem surgir do vazamento.

*Com informações de Folha de São Paulo