A morte da rainha Elizabeth 2ª criou uma janela no multiverso das eleições brasileiras. Comovidos, os presidenciáveis fizeram de suas notas de pesar uma espécie de “eumenagem”. O neologismo se refere a um fenômeno recorrente das redes sociais que levam os usuários a falarem sobre si e suas virtudes enquanto se despedem de alguém.
A candidata Simone Tebet (MDB) destacou que a rainha foi um exemplo de “liderança feminina” e serviu como “ponto de equilíbrio” de uma nação poderosa, um “modelo de estabilidade, de convivência respeitosa entre instituições de Estado”.
“Sua vida, seus atos e sua trajetória servem como modelo num mundo em que valores como estes têm sido cada vez mais aviltados, como vem acontecendo, infelizmente, em nosso país”, analisou.
As palavras-chave da postagem estão todas alinhadas com o discurso eleitoral da presidenciável, que tenta se colocar como um “ponto de equilíbrio” entre os dois candidatos favoritos, quase sempre acusados por ela de representarem risco de “instabilidade” e conflitos institucionais.
Ciro Gomes (PDT), que se apresenta como candidato sem amarras com qualquer grupo político, a não ser o povo brasileiro, do qual se diz um súdito, espelhou na rainha seu slogan de campanha ao classificá-la como “um símbolo de superação, sacrifício pessoal e devotamento à causa de uma nação”.
Poderia dizer que ela não se deixou levar pela “polarização odiosa” nem por “encantadores de serpentes” durante seu reinado, mas parou por ali.
Único dos postulantes que já apertou a mão da rainha, o ex-presidente Lula (PT) replicou em sua postagem a estratégia-chave de toda a sua comunicação: dizer o que fez como presidente e forçar comparações entre sua gestão e a atual. “Em nosso governo, o Reino Unido e o Brasil tiveram excelentes relações diplomáticas, políticas e comerciais, marcadas pela visita de Estado em que ela nos recebeu, em 2006. Gravo na memória nosso encontro na reunião do G-20 em Londres, em 2009”, escreveu o petista, com imagens dos encontros.
Jair Bolsonaro (PL), por sua vez, aproveitou a deixa para liberar o espírito monárquico escondido debaixo da faixa presidencial.
Com uma frase atribuída a Elizabeth 2ª sobre não aceitar a derrota, o segundo colocado nas pesquisas disse que ela mostrou não ser apenas “a rainha dos britânicos, mas uma rainha para todos nós”.
O presidente, que tem em seu slogan as tags “Deus, pátria e família” e andava de jet-ski enquanto o país empilhava mortos por covid, emendou um “Deus salve a rainha” ao decretar três dias de luto oficial.
Sim, três dias
Nada que soasse estranho para quem mandou trazer o coração de D. Pedro 1º para as celebrações do bicentenário da Independência e que, durante o comício de 7 de Setembro, conclamou uma multidão a fazer como ele e buscar uma “princesa” para se casar.
Os fãs que levavam aos atos símbolos monarquistas em cartazes e bandeiras vibraram diante do presidente “imbrochável”. Não à toa. A relação entre o ideário bolsonarista e a leitura explicitamente positiva da finada monarquia, em contraponto aos ataques sistemáticos ao sistema democrático, foi destrinchada pelo historiador Paulo Pachá em artigo publicado na coluna nesta semana.
Puxados pelos presidenciáveis, não faltou pelas redes, como quase sempre acontece quando se ouve o estouro da manada, políticos brasileiros mandando aquela solidariedade à família real com a hashtag #luto ao longo do dia.
A manada colocou em cena o velho e bom vira-latismo, enrustido dessa vez de servidão voluntária e desejo de deixar a sua contribuição a conta-gotas no memorial da História.
A morte da rainha foi lamentada por candidatos a governos estaduais, entre eles Rodrigo Garcia (PSDB) e Tarcísio de Freitas (Republicanos), em São Paulo, e também postulantes à Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas.
Charles, o novo rei, terá dificuldades para responder um a um.
Se o fizer, não pode faltar gratidão às condolências de um candidato a deputado estadual do Rio Grande do Norte que, diante da dor, preferiu cancelar a agenda de campanha do dia. Como bom súdito, colocou o sucesso da empreitada eleitoral em segundo plano para mostrar sua pontualidade britânica em termos de solidariedade à antiga potência colonial.
A atividade estava marcada para acontecer no bairro da Abolição, em Mossoró. A cidade fica a 7.619,95 quilômetros do palácio na Escócia onde a Elizabeth 2ª viu a luz do sol pela última vez. Tinha 96 anos.
Com informações da coluna de Matheus Pichonelli no Uol