Representados por David Cameron, os Conservadores voltaram ao poder no Reino Unido em 2010, após a renúncia do então primeiro-ministro Gordon Brown. Catorze anos e cinco premiês depois, o partido corre grande risco de perder as eleições e o comando do governo britânico para os Trabalhistas, amaldiçoado por aquilo que lhe rendeu mais apoio no passado recente: o Brexit — e, mais especificamente, a crise econômica causada pela saída da União Europeia.
Cenário é desfavorável
Pesquisas mostram ampla vantagem dos Trabalhistas. Um levantamento feito pela emissora britânica BBC coloca o Partido Trabalhista com 45% das intenções de voto, contra 23% do Partido Conservador, segundo dados compilados até 24 de maio. Hoje, a maior parte dos analistas vê como muito improvável uma vitória do atual primeiro-ministro Rishi Sunak sobre Keir Starmer nas eleições de 4 de julho. “Se tivesse uma virada, seria histórica, mesmo”, diz ao UOL Kai Enno Lehmann, professor do IRI-USP (Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo).
Economia melhorou, mas perspectivas são pessimistas. A convocação das eleições gerais veio horas após o anúncio de que a inflação em 12 meses desacelerou para 2,3% em abril, o nível mais baixo em quase três anos. Lehmann reforça, porém, que “o pior ainda está por vir” — principalmente a partir de outubro, com a implementação de novas regras do Brexit para importação. “Imagino que a gente vá ter falta de produtos, então há um interesse político em deixar esse problema para o Partido Trabalhista resolver”, analisa.
Convocar eleições foi medida de ‘desespero’, diz professor. Klaus Guimarães Dalgaard, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), lembra que os próprios Conservadores tinham como certa a realização das eleições no outono no Hemisfério Norte — isto é, entre setembro e novembro —, na expectativa de que Sunak teria números melhores para apresentar à população. Como o prognóstico é ruim, o anúncio foi antecipado. “Foi uma medida de desespero. É a única chance de ele sobreviver”, avalia.
“Não consigo imaginar um cenário onde o Partido Conservador vai sair com uma maioria desta eleição. (…) Alguns deputados anunciaram que não vão se candidatar novamente. E, até o dia da eleição, vários outros vão fazer a mesma coisa. Isso, na prática, significa que muitos não acreditam que o partido pode ganhar.” disse Kai Enno Lehmann, do IRI-USP
“Eu diria que as chances de reviravolta são zero. Literalmente zero. Já que a vitória dos Trabalhistas é tida como certa, a questão é por quanto ele [Starmer] vai ganhar, se vai ser uma vitória avassaladora ou mais ou menos. Muita gente tem dito que seria um referendo sobre o Partido Conservador, mas eu acho que é um referendo sobre o Partido Trabalhista.” disse Klaus Guimarães Dalgaard, da UFSC
Brexit: de trunfo a ‘desastre’
Saída da UE foi aprovada em plebiscito em 2016. Na ocasião, 52% dos eleitores — cerca de 17,4 milhões de pessoas — de Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte votaram a favor do Brexit, acreditando no argumento de que a União Europeia prejudicava a soberania dos países do Reino Unido. A vitória levou à renúncia de David Cameron, que era contra a saída. O então primeiro-ministro foi substituído por Theresa May.
Brexit demorou mais de três anos para sair do papel. Embora tivesse defendido a permanência do Reino Unido na UE, May liderou o acordo de saída, tendo falhado três vezes em aprovar o Brexit no Parlamento britânico. Em 2019, após os sucessivos fracassos e pressões dentro do próprio Partido Conservador, a primeira-ministra deixou o cargo e deu lugar a Boris Johnson. Ele foi alçado à posição sob a promessa de concretizar o Brexit o mais rápido possível, o que aconteceu em janeiro de 2020.
Desde então, economia do Reino Unido patinou. O principal argumento dos Conservadores era de que, com o Brexit, o Reino Unido estaria livre das amarras da UE e poderia fechar acordos comerciais com outros países. Na prática, aconteceu o contrário: os custos de vida e dos negócios subiram, a burocracia aumentou e a parte da mão de obra estrangeira deixou o país. Em 2019, o PIB (Produto Interno Bruto) britânico cresceu 1,6%, de acordo com dados oficiais; em 2023, a expansão foi de 0,1%.
Convencer eleitores de que o Brexit falhou é ‘desafio’… Klaus Guimarães Dalgaard, da UFSC, explica que muitos dos votos conquistados pelos Conservadores em 2019 foram de eleitores tradicionalmente Trabalhistas que “viraram a casaca” justamente por causa do Brexit. Colocar a saída da UE em xeque agora, portanto, seria arriscado demais para Starmer, caso seja eleito primeiro-ministro. “Eles [favoráveis ao Brexit] fazem parte da base que vai elegê-lo. Ele só teria capital político para tentar algo do tipo em um eventual segundo mandato”, diz.
… Mas tema não é tratado por Conservadores ou Trabalhistas. A campanha eleitoral começa oficialmente em 30 de maio e, ao menos até o momento, nem Sunak e nem Starmer levantaram discussões sobre o Brexit. O primeiro foca em tentar convencer a população de que a economia está próxima a uma reviravolta; o segundo, em contrapartida, aposta principalmente nas promessas de trazer maior estabilidade e reduzir com as filas de espera no NHS, o sistema público de saúde do Reino Unido.
“O Estado está falido, com queda na arrecadação todo ano. Não tem dinheiro para nada, e até por isso tem cortado gastos sociais, como o NHS [National Health Service, equivalente ao SUS brasileiro]. A economia está absolutamente um desastre. (…) Vários países europeus estão crescendo bastante, só o Reino Unido continua em queda livre.” afirmou Klaus Guimarães Dalgaard, da UFSC
“Nada no país está melhor do que há cinco anos. A guerra [entre Rússia e Ucrânia] e a pandemia tiveram um impacto negativo no Reino Unido, assim como em todos os outros países. Mas a economia está patinando há anos, quase não cresce. (…) Estamos no quinto primeiro-ministro, o quarto em cinco anos. A sensação é de que o partido está um caos.” disse Kai Enno Lehmann, do IRI-USP
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