O presidente Lula (PT) e o agora presidente eleito do Uruguai, Yamandú Orsi, durante encontro em janeiro de 2023, quando Lula foi à casa de José 'Pepe' Mujica - Foto: OrsiYamandu no X / Reprodução

É preciso separar o joio do trigo e entender em que medida a aproximação ideológica vai se desdobrar em ações práticas, mas em Brasília a vitória de Yamandú Orsi no Uruguai foi altamente celebrada.

Nos termos de um interlocutor do governo Lula, a situação muda totalmente e haverá um diálogo político muito mais íntimo; nos de outro, haverá uma aproximação grande e uma pitada de ânimo na América do Sul. Todos se referem a Orsi como o herdeiro de José “Pepe” Mujica.

De fato, ele o é. Orsi pertence à mesma corrente política que Mujica fundou ao lado de outros ex-guerrilheiros tupamaros nos anos 1980 para compor a história coalizão Frente Ampla. Em janeiro de 2023, esteve com Lula (PT) quando o presidente visitou a chácara de Mujica em Rincón del Cerro, zona rural de Montevidéu.

Na legenda de uma foto sorridente com o brasileiro, o agora eleito escreveu: “Uma honra; sua presença e a de seus ministros no Uruguai é sinal de esperança para o posicionamento da região em um mundo que vai se fechando”. Era o início de Lula 3, e o presidente havia passado pelo Uruguai após uma agenda na Argentina.

Na ocasião, Lula também cumpriu agenda oficial com o presidente do país, o centro-direitista Luis Lacalle Pou, com quem manteve boa relação e avançou em temas bilaterais importantes para Montevidéu. Quando falou com a reportagem há um mês, Lacalle Pou disse que Lula foi um bom parceiro para o Uruguai no período em que coincidiram nas Presidências.

Mas a principal relação de Lula no país vizinho é com Mujica, que o visitou na prisão em Curitiba em 2018, esteve com ele na campanha de 2022 e recebe ligações frequentes de diplomatas brasileiros para que saibam como está sua frágil saúde após um tratamento de radioterapia para um câncer no esôfago.

Assim, interlocutores do governo dizem esperar que Orsi tenha Mujica, que governou de 2010 a 2015 e a quem chama de maestro (professor), como um oráculo. Mais especificamente, mencionam a atuação conjunta no Mercosul.

Lula foi um dos primeiros líderes a parabenizar a vitória de Orsi, assim como um dos primeiros a ligar para ele após a eleição.

Javier Milei, presidente eleito da Argentina, e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante encontro em Buenos Aires, na Argentina, nesta sexta-feira (8) – Foto: @carmeloneto / Instagram

Em reserva, um diplomata diz que agora há apoio de três de cinco países do bloco. É uma menção ao fato de que os governos do Brasil, do Uruguai e da Bolívia (Luis Arce) estarão mais alinhados contra o avanço da ideologia argentina de Javier Milei e a atuação tímida do Paraguai de Santiago Peña para confrontar Buenos Aires. Seja como for, a Bolívia ainda não tem poderes de decisão no bloco.

Mais do que isso, Brasília vê atuação mais próxima em órgãos como Celac (Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos) e Consenso de Brasília, ideia lançada pelo presidente Lula em seu terceiro mandato e que foi rascunhada em conversas com Mujica.

Com Lacalle Pou, o Uruguai insistiu em estabelecer um acordo de livre-comércio com a China por fora do Mercosul, ideia freada por Brasília, a quem Montevidéu chama de protecionista. A campanha de Orsi disse que freará a ideia de um acordo por fora do bloco, mas que vê o Mercosul aquém de suas capacidades e pouco dinâmico, insistindo que os agora cinco países-membros debatam maior abertura comercial.

A Argentina de Milei caminha no mesmo sentido. O Brasil espera que com Orsi o debate siga vivo, mas dentro das portas do Mercosul.

Em breve de volta ao poder —a posse é em março—, a esquerda governou por 15 anos consecutivos no Uruguai. A maior proximidade com os governos petistas se deu quando Mujica chefiava o Estado.

Com o médico socialista Tabaré Vázquez (1940-2020), interlocutores dizem que Lula tinha relação pessoal próxima, mas que a nível político o cenário azedou já que foi Tabaré quem começou a insistir na ideia de acordos por fora do Mercosul, àquela época com os EUA.

Na arena de política externa, Orsi foi questionado sobre o que fará no tema Venezuela, e deu respostas pouco práticas. A Frente pediu a divulgação das atas eleitorais que poderiam comprovar o resultado, e Mujica tem subido o tom —”Sabe por que Maduro perdura? Porque não há democracia”, disse ele à reportagem em maio.

Alguns dos formuladores da agenda externa da Frente próximos à dupla Mujica-Orsi discordaram de ideias defendidas por Lula de haver novas eleições em Caracas. Dizem que querem apresentar novas propostas para o tema. Até aqui, isso está nebuloso.

Daqui a cerca de dez dias, Montevidéu sedia a cúpula de chanceleres e chefes de Estado do Mercosul. O Uruguai passará a presidência rotativa do bloco para a Argentina, atual ponto de tensão. O presidente Lula (PT) participará, e espera-se que reserve um tempo para Mujica e aquele que para Brasília é seu herdeiro (Orsi).

*Com informações de Folha de São Paulo