Com aproximadamente apenas metade das vagas de especialista em meio ambiente ocupada, o Brasil tem hoje um fiscal para cada mil quilômetros quadrados de Unidades de Conservação. São 1.698 fiscais, entre os do Ibama e do ICMBio, que precisam cuidar não só da área de 1,7 milhão de quilômetros quadrados de florestas protegidas, mas combater crimes em todos os biomas e inspecionar cargas em aeroportos, portos e indústrias poluidoras.
O déficit de servidores, que prejudica também o licenciamento de obras, é um dos motivos de queixa da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema), que entrou em greve — no momento suspensa por decisão judicial — em meio a negociações por reajuste salarial com o governo federal.
Procurado, o Ministério do Meio Ambiente disse que a reestruturação da carreira ambiental “é um compromisso do governo federal após retrocessos de 2019 a 2022”. Em janeiro, foram empossados 98 analistas, no primeiro concurso em 13 anos, segundo a pasta. No dia 5, o governo anunciou a a autorização de um concurso para preencher 460 vagas do Ibama, do ICMBio e Jardim Botânico do Rio.
Mas o fiscal do Ibama Roberto Cabral, um dos servidores que teriam sido monitorados pela “Abin paralela” do governo Bolsonaro investigada pela Polícia Federal, por conta de sua atuação em campo, calcula que são precisos 5,7 mil fiscais somente no instituto. O número é sete vezes maior do que os 800 que tem hoje a autarquia. Há ainda outros 898 do ICMBio. Para Cabral, a proposta de contratação destes agentes foi entregue à chefia do Ibama na gestão Jair Bolsonaro, em 2022, mas nunca foi levada à frente.
“Tem menos fiscal no Brasil que arara-azul-de-lear (1,7 mil) e mico-leão-dourado (4,8 mil), para se comparar com duas espécies muito ameaçadas — afirma o fiscal, que diz ter estimado o número de 5,7 mil considerando todas as atribuições que cabem à categoria. — Isso não inclui os outros servidores. Deveria haver uns 10 mil funcionários só no Ibama. O discurso brasileiro de importância do meio ambiente não se traduz no seu principal órgão ambiental”, afirma Cabral.
Atualmente, segundo o painel estatístico de pessoal do governo federal, há 9.044 servidores no Ministério do Meio Ambiente, no Ibama, no ICMBio e no Instituto Jardim Botânico. Destes, 5.572 são concursados, e outros 3.472 trabalham sob contratos temporários, como brigadistas, porteiros e vigilantes. Dos 8.903 cargos previstos para a carreira de Especialista em Meio Ambiente, apenas 55% estão ocupados. Nesses institutos, ainda há funcionários de outras carreiras e pesquisadores de outros ministérios.
A maioria dos contratos temporários está no ICMbio, que faz a gestão das unidades de conservação. O instituto tem 5.118 funcionários, mas 3.360 são temporários. Com isso, o ICMBio é o único dos institutos ambientais com um quadro maior do que existia em 2014. O Ibama, no mesmo período, teve uma redução de 38% no seu quadro.
O maior número de fiscais que o Ibama teve, de 1.800, foi há cerca de 15 anos. A quantidade vem diminuindo com as aposentadorias, evasões mirando outras carreiras e a falta de concursos. Os servidores da Ascema ainda dizem que os 1.698 são um número muito maior que a realidade das operações de campo, porque mais da metade dos agentes está deslocada para outros setores, incluindo cargos de chefia, ou de licença, fora a falta de estrutura e material, como armas.
“No ano passado, apenas 307 fiscais não tinham nenhum empecilho para participar de operações. A gente tem que se dividir em várias atividades. Eu mesmo já atuei na fiscalização e como coordenador do Núcleo de Licenciamento Ambiental de maneira concomitante”, revela Wallace Lopes, dirigente da Ascema.
Atualmente, não existe um cargo específico para fiscal, que são definidos como analistas ambientais no organograma do Ibama, assim como funcionários de outros setores, como licenciamento. Para Cabral, há um “limbo jurídico” que não acompanha, por exemplo, a carga horária diferenciada de um trabalho de campo. Os fiscais muitas vezes trabalham em operações especiais, sem rotina fixa.
Ex-presidente do Ibama e coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo destaca que as carências abrangem todas as áreas dos órgãos ambientais, não só a fiscalização. Araújo diz que o número de empreendimentos licenciados pelo Ibama, que exigem acompanhamento, não para de crescer. “Na minha época eram 2,8 mil e hoje são 3,6 mil. O Ibama precisava ter pelo menos o dobro de analistas no licenciamento, que hoje são cerca de 250”, lamenta.
O número de agentes em parques no Brasil é proporcionalmente menor do que no Chile e na Argentina, diz Angela Kuczach, diretora-executiva da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação. Por causa do déficit histórico, ela lembra que há cerca de 10 anos o governo criou o Núcleo de Gestão Integrada, em que gestores cuidavam de mais de um parque.
“Quando tem que se dividir por várias unidades, a fiscalização fica descoberta, não tem equipe suficiente para identificar rapidamente as ilicitudes. Às vezes a equipe fica a centenas de quilômetros de distância do parque, principalmente na Amazônia. Temos o maior sistema de unidades de conservação do mundo, em território, com equipes extremamente desfalcadas, que não correspondem à necessidade”, explica Kuczach.
R$ 0,63 por hectare
A Lei Orçamentária Anual de 2024 previu R$ 109 milhões para as ações de fiscalização e normatização do ICMBio. O valor representa R$ 0,63 para cada hectare a ser monitorado de Unidades de Conservação.
Outro problema no número reduzido é que a gestão de um parque se torna muito personificada na figura de um agente. Assim, eles se tornam alvos de retaliações e intimidações, aponta Roberto Cabral. O aumento do quadro de concursados seria uma forma de blindar as equipes, afirma o fiscal.
“Deputados inserem apadrinhados em cargos de chefia. São pessoas que podem impedir ações ou direcionar fiscalizações”, afirma Cabral, que defende mandatos para superintendentes.
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