Aratu é moeda local usada em Indiaroba (SE); moedas sociais que valem apenas em municípios começam a se espalhar pelo Brasil - Foto: Reprodução / Sebrae / Jouis Fotografia

É uma moeda, mas não é o real. Tem o mesmo valor do real, mas não tem uma onça-pintada ou um peixe estampados na célula. Só que ela faz a diferença em comunidades e até cidades inteiras, e um fenômeno que tem crescido na última década.

O Brasil tem hoje 182 moedas sociais em circulação, segundo dados da Senaes (Secretaria Nacional de Economia Solidária), do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). Pelo menos 250 mil pessoas são diretamente impactadas por essa forma de inclusão e de estímulo à economia local, que já movimentou R$ 1 bilhão só no ano passado.

A moeda social é um meio de troca alternativo à moeda oficial, criado por uma comunidade. É um instrumento de políticas públicas que pode ajudar a combater a escassez de dinheiro. Não é um programa de transferência de riqueza, mas promove a integração das pessoas ao mercado de trabalho e ao consumo de produtos daquela região.

Característica fundamental: uma unidade da moeda não deve ter valor diferente de R$ 1.

A primeira moeda social foi a Palma. Foi criada em 1998, junto com o Banco Palmas, no bairro Conjunto Palmeira, periferia de Fortaleza (CE).

Comunidades identificaram as limitações do sistema financeiro tradicional em atender regiões periféricas. “As comunidades, cada vez mais, começam a se dar conta que o sistema financeiro tradicional não as atende e, portanto, criam mecanismos próprios. As moedas sociais são, neste contexto, importante instrumento de apropriação dessas comunidades sobre o sistema financeiro e manutenção das riquezas nos territórios”, afirma Fernando Zamban, diretor de Parcerias e Fomento da Senaes.

No ano passado, essas moedas foram responsáveis por R$ 1 bilhão em movimentação nas economias locais. Conforme balanço da Senaes, mais de 12 milhões de transações foram feitas nesse período, considerando apenas nas cidades de circulação das moedas. Uma estimativa aponta que 250 mil pessoas tiveram nas mãos – ou nos celulares – uma moeda social.

Contas são geridas por Bancos Comunitários. Funcionam como um arranjo de pagamento pré-pago ou uma conta digital pré-paga com base em uma lei de 2013. Mas também há os Bancos Municipais, criados por leis das administrações.

Moeda como função social

“O objetivo principal do banco comunitário é fazer com que a economia circule dentro da comunidade para promover o desenvolvimento dentro dela”, afirma Nelsa Fabian Néspolo. Ela é coordenadora da Unisol Brasil (Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários), que administra três bancos comunitários no Rio Grande do Sul: o Justa Troca, o Asa Branca, o Colina. Há também um quarto banco em implementação em Alvorada (RS), considerado o município mais pobre da Região Metropolitana de Porto Alegre.

Santiago (RS) tem duas moedas sociais para chamar de comunitárias. A cidade tem 45 mil habitantes, e criou o pila verde em em 2020, com intenção de estimular a troca de “lixo por dinheiro”. A moeda pode ser usada no comércio local, onde a população compra alimentos produzidos pelas famílias rurais. O pila é adquirido por meio da troca de resíduos orgânicos em pontos de troca, em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente, onde cada cinco quilos de lixo orgânico valem 1 pila verde, que vale, por sua vez, por R$ 1.

Já o Pila Azul estimula a reciclagem. Você troca um determinado produto reciclável e ganha Pilas Azuis —18 latinhas dá 1 pila azul, por exemplo. O ‘dinheiro’, neste caso, é usado para compra de tempo em estacionamento rotativo, ingressos para o cinema, uso de ginásios de esporte ou inscrições em campeonatos esportivos. Há a versão digital das duas. Andriele Martins Peruffo, secretária de Meio Ambiente, afirma que a criação das duas moedas ajudou a melhorar a circulação de recursos dentro do município e mais. “No caso da Pila Azul, estimulou até a população a fazer exercícios, sem contar o acesso à cultura”, afirma.

Economia é em duas pontas. Segundo a secretária de Meio Ambiente de Santiago, a prefeitura economiza dinheiro. O lixo orgânico, que seria levado para Santa Maria (RS), a 155 km de distância, acaba virando adubo, que é “vendido” para os produtores rurais do município.

Primeiro feirante a receber um pila verde em Santiago, Mauro Batista Romio foi pego de surpresa. Ele tinha ouvido falar do lançamento da moeda, em 2020, quando, um dia, recebeu um pila verde de uma cliente na feira. “Ela queria fazer compras. Me senti na obrigação de não deixá-la ir embora sem os produtos, aceitei. Mas nem sabia quanto valia. Depois, liguei para a secretária de Meio Ambiente [a Andriele, que voltou na atual gestão], e ela me explicou. A partir daí não deixei mais de aceitar”, contou.

Principal benefício da pila verde para os feirantes e produtores rurais é poder comprar adubo orgânico. Mas não é só isso. Também é possível comprar mudas de hortaliças, frutíferas e até alevinos (peixes que acabaram de sair dos ovos) com um preço abaixo do valor de mercado, se fosse pago em Reais. A movimentação de pilas foi tão grande que foi possível até pagar máquinas que realizam patrulhas agrícolas na zona rural do município.

Lucimar Buzatta Dalenogare, outra feirante, conta que viu o movimento crescer desde a adoção do pila verde. Ela não conseguiu mensurar em porcentagem, mas disse que ganhou vários clientes fieis que retornam, semana pós semana (a feira acontece às segundas-feiras). “Acredito que o pila foi muito importante para a nossa cidade. Não apenas no ponto de vista econômico, mas pelo lixo que não é despejado no meio ambiente”, afirma.

“As pessoas tomaram consciência separando o lixo orgânico do reciclável, e vendem sabendo que não só estão recebendo pila, como estão ajudando toda a comunidade” afirmou Mauro Batista Romio, feirante de Santiago (RS)

Mumbuca, Vereda, Palma…

Aratu, que ilustra a capa desta reportagem, é a moeda social de Indiaroba (SE). O município, que tem 17 mil habitantes, viu na moeda social a oportunidade de fomentar o comércio local. Em 2022, quando o Aratu foi criado, em homenagem a um marisco comum na região, apenas 32 empreendedores adotaram de imediato. Hoje, já são 350. Iniciativa deu tão certo que a prefeitura de São Cristóvão (SE), a 100 km de distância, anunciou este mês a criação do Bricelet. A moeda digital leva o nome de um biscoito produzido no município, e que é considerado patrimônio Cultural Imaterial de Sergipe.

Como criar uma moeda social

Criação de uma moeda social municipal começa com a decisão política da gestão local, seguida pela reserva de um fundo que garante o lastro, e pela autorização do Banco Central. A moeda pode ser emitida em formato físico ou digital, por meio da plataforma E-dinheiro.

Para garantir a circulação, é fundamental estimular a conversão de recursos e uso no comércio local. Em estágios mais avançados, o banco municipal pode captar crédito de outras instituições e oferecer financiamentos com taxas mais acessíveis.

Mecanismos estão sendo integrados para estruturar o Sistema Nacional de Finanças Solidárias. Um dos avanços destacados foi a articulação com o governo federal para permitir que benefícios sociais sejam operados por bancos comunitários.

*Com informações de Uol