Há previsões e prognósticos para o futuro de todos os tipos, indo de coisas super básicas às mais bizarras, dignas de ficção científica. Outras, entretanto, estão bem no meio termo. Não seria improvável dizer, por exemplo, que ainda neste século será possível ter projetos agrícolas bem estabelecidos na Lua.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) está participando do Programa Artemis, da Nasa, em colaboração com a Agência Espacial Brasileira (AEB) desde novembro de 2023 para realizar este feito.
A missão Artemis visa levar humanos de volta à Lua ainda nesta década, incluindo a primeira mulher e afrodescendentes. Mas o papel da instituição brasileira é mais peculiar: ela vai atuar no projeto como uma fornecedora de dados, tecnologias, além de produtos que serão úteis às possíveis explorações espaciais planejadas com os Acordos Artemis.
Nesse contexto, o Brasil pode se tornar uma peça chave no desenvolvimento de tecnologias e métodos agrícolas para sustentar futuras colônias lunares, além de ser fundamental para aplicações terrestres quando se trata de produção alimentícia.
É verdade, no entanto, que a ideia de cultivar plantas na Lua não é nova. Em 2022, pesquisadores utilizaram o solo lunar pela primeira vez para plantar um tipo de agrião. Eles usaram pequenas amostras de terra lunar coletadas durante as missões Apollo entre 1969 e 1972.
O papel do Brasil
Como explicou a especialista em geopolítica e e pesquisadora de estudos estratégicos internacionais, Tatiana Garcia Delgado, em entrevista ao Byte, a ideia é que essas pesquisas possam contribuir tanto para missões espaciais quanto para a agricultura sustentável na Terra, enfrentando desafios como as mudanças climáticas.
Segundo Alessandra Pereira Favero, pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste que está envolvida no projeto, as tecnologias agrícolas já existentes aqui na Terra podem ser adaptadas para uso em missões lunares.
“Por exemplo, o melhoramento genético de plantas. Atualmente, nós já temos equipes que estão nesses programas de melhoramento das culturas que podem ser adaptadas em ambientes fechados em fazendas verticais”, disse a Alessandra.
Ela cita que a construção de fazendas verticais, combinadas com o avanço genético, podem ser utilizadas em missões espaciais lunares ou para o espaço profundo.
Outras pesquisas a respeito disso estão sendo feitas em parceria com empresas privadas, segundo a especialista, já que essas tecnologias existem em situações normais na Terra.
O assessor técnico da diretoria de Gestão de Portfólio da Agência Espacial Brasileira, Leandro Ribeiro Reis disse, em entrevista ao Byte, que além do melhoramento genético, a parceria com a Embrapa também envolve áreas como tecnologias espaciais, inovação, desenvolvimento tecnológico, microrganismos, cultivo indoor (otimiza etapas de produção de alimentos, plantas e ervas), entre outras especialidades.
Pesquisas sobre a agricultura
Várias pesquisas e tecnologias vêm sendo desenvolvidas, como o melhoramento genético, tendo como plantas modelos a batata-doce e o grão-de-bico, como explicou Reis.
Segundo Alessandra, essas duas não foram escolhidas por acaso: uma por ser rica em carboidratos e a outra, em proteínas.
“Claro que têm muitas outras características interessantes tanto do ponto de vista nutricional quanto de cultivo. Por exemplo, com a batata-doce você consegue consumir as folhas na salada, que são ricas em proteína e fibra”, pontuou.
Ela ressalta que a pesquisa para entender como realizar esse plantio na Lua também envolve entender como a água e energia das plantas podem ser utilizadas com maior eficiência. De acordo com a representante da Embrapa, essa tecnologias seriam essenciais no Programa Artemis.
As pesquisas vão ser base para identificar outras plantas que poderiam ser cultivadas no espaço no futuro, após a fase de avaliação em estações espaciais, como na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês)
“Tudo isso vai precisar ser adaptado para condições fora do planeta, já que tudo muda em situação de microgravidade”, afirmou Alessandra.
E para isso, é necessário uma combinação entre teoria e a prática, uma vez que não sabe especificamente como as plantas vão se comportar no espaço sideral, continuou a especialista.
Um estudo publicado em novembro do ano passado mostrou que plantas podem crescer na Lua e até se beneficiam da gravidade reduzida.
A pesquisa foi realizada com a missão chinesa Chang’e 4 e sementes de algodão, que apresentaram crescimento promissor no ambiente lunar.
A AEB também destaca que, em colaboração com outros membros do Sistema Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (SINDAE), fornece o suporte necessário para o desenvolvimento de culturas resistentes às condições extremas do ambiente espacial.
Isso inclui a alta exposição à radiação ionizante, a limitação de água e a utilização de regolito, um tipo de solo lunar que difere significativamente do solo terrestre.
Até o momento, não há um prazo específico dentro do programa Artemis para o desenvolvimento dessas tecnologias.
Acordos internacionais
De acordo com comunicado da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, os Acordos Artemis são baseados no Tratado do Espaço Exterior, criado em 1967, “para criar um ambiente seguro e transparente, o qual facilita a exploração, a ciência e as atividades comerciais para toda a humanidade usufruir”.
A missão não visa somente levar humanos de volta à Lua, mas explorar outros corpos celestes ao longo do tempo. Mesmo com suas próprias pretensões na exploração espacial, assim como outros países signatários, ”o Brasil é um país que mantém uma postura pacífica que pende à cooperação, ao passo que outros tendem à competição”, segundo Tatiana.
Apesar das colaborações atuais, o Brasil já enfrentou vários desafios para se posicionar de maneira competitiva na corrida espacial global.
Corrida espacial
Um dos principais fatores que contribuíram para essa inserção mais firme foi a inconsistência nas verbas nos programas espaciais do país, enquanto Estados Unidos, Rússia e China têm orçamentos mais dedicados às suas agências espaciais.
Um exemplo disso é o recém retorno da Chang’e 6, missão espacial chinesa que foi até o lado escuro da Lua para coletar amostras, algo inédito na história até então.
Entretanto, Reis afirma que o Brasil quer se engajar nas oportunidades associadas ao programa Artemis.
“Um empreendimento como o Programa Artemis demanda colaborações de todos os campos de conhecimento, além das tecnologias estritamente espaciais”, disse.
Um exemplo citado é o projeto SelenITA, presente no Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) e liderado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
O objetivo, de acordo com a Agência Espacial Brasileira, é desenvolver um pequeno satélite para uma missão científica ao redor da Lua, com o objetivo de estudar os campos magnéticos e as interações na crosta lunar.
Além disso, o SelenITA vai investigar o transporte de poeira pela superfície da Lua, que é ocasionado por fenômenos elétricos e impactos de asteroides.
“Com o foco no polo sul lunar, o Brasil pretende contribuir com informações importantes para a exploração humana planejada pela Nasa”, destacou Reis.
Ele ainda destaca que toda a expertise adquirida pela AEB com os avanços do programa Artemis vai trazer mais oportunidades para o país desenvolver e aprimorar tecnologias para futuras missões espaciais, tanto nacionais quanto internacionais.
O único entrave, talvez, seja que o Centro Espacial de Alcântara (CEA), por ora, não tem nenhuma relação com o programa.
“O CEA apresenta-se como um complexo de infraestruturas, bens e serviços necessários para as atividades de lançamento de veículos espaciais suborbitais e orbitais a partir do território brasileiro”, explicou Reis.
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