Sertão pernambucano sofre com a seca (Foto: Leandro de Santana / Agência Pixel Press / Estadão Conteúdo)

Um estudo publicado no Jornal de Ambientes Áridos aponta que o clima árido já está presente em áreas de quatro estados do Nordeste. A pesquisa é assinada por Humberto Barbosa, meteorologista coordenador do Lapis (Laboratório de Processamento de Imagens de Satélite) da Ufal (Universidade Federal de Alagoas).

Segundo o estudo, em termos climáticos, as terras áridas do Brasil ocupam hoje 282 mil km² – na Bahia, em Pernambuco, na Paraíba e em Piauí – o que é superior a área do estado de São Paulo (248 mil km²).

Isso corresponde a mais de 8% das terras do mapa do semiárido e, que já enfrenta, em condições normais, pelo menos 10 meses de estiagem.

No final do ano passado, uma nota técnica já trouxe um novo mapa, que apontou a existência, pela primeira vez, de uma área árida localizada no sertão norte da Bahia. O documento foi elaborado pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), órgãos do governo federal.

O clima árido é caracterizado pela baixa umidade do ar e com raros registros de chuva. Já o semiárido tem volume um pouco maior de precipitações e longos períodos de estiagem.

A pesquisa de Barbosa, porém, usou dados além daqueles utilizados pela Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação —que são o parâmetro usado pelo governo brasileiro.

“As terras secas do semiárido brasileiro foram reclassificadas no estudo considerando uma dinâmica muito mais complexa do que está acontecendo em termos de degradação. Também consideramos o aumento dos eventos climáticos extremos, como secas rápidas, em razão da mudança climática”, explica Humberto Barbosa.

Para chegar à conclusão, o estudo analisou os dados do semiárido brasileira entre 1990 e 2022 com base em dois índices: de evapotranspiração (processo de a evaporação da água do solo mais a transpiração das plantas) e de déficit hídrico no solo. Esses dados foram combinados com imagens de satélite que mostram a vegetação verde e sua distribuição espacial.

“Do ponto de vista climático, não há elementos para afirmar que só a Bahia e Pernambuco possuem áreas áridas. O índice de seca já mostra a semelhança entre as áreas áridas da Paraíba e da Bahia”, relata Barbosa.

Segundo Barbosa, essas áreas se tornaram áridas pela intensidade da degradação das terras. “Isso levou à redução das chuvas. Com isso, houve uma mudança na classificação climática dessas áreas.”

Secas-relâmpago

A pesquisa aponta que há um processo ainda pouco estudado na região que tem acelerado o problema: as secas-relâmpago, eventos que costumam durar cerca de 30 dias. O estudo analisou como eles impactaram o ecossistema vegetal e a umidade do solo entre 2004 a 2022.

Segundo Barbosa, essas secas trouxeram quedas repentinas nos volumes de chuva e aumento das temperaturas, que por sua vez geraram rápida perda da umidade do solo e da cobertura vegetal.

A pesquisa também identificou uma conexão entre o aumento da degradação das terras à piora na situação das secas, com aumento do índice de aridez.

Isso faz com que uma área de 725 mil km² do semiárido esteja hoje em transição, passando da condição de subúmida seca (hoje chamada de agreste) para clima semiárido (que seria o sertão).

Ao longo dos últimos anos, a abrangência do semiárido brasileiro vem apresentando uma expansão. Quem define a delimitação oficial da região é a Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste).

Em 2022, o governo federal expandiu de 1.262 para 1.427 municípios, incluindo Maranhão e Espírito Santo na lista pela primeira vez. Em janeiro deste ano, 50 municípios que foram retirados da lista há dois anos foram reinseridos, e o número atual hoje é de 1.477.

MMA tem ações

Sobre o tema, o Departamento de Combate à Desertificação do MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima) afirma que está tomando ações “para atuar no contexto de ampliação das áreas semiáridas e do surgimento de áreas áridas no Brasil.”

São cinco pontos citados:

– Elaboração do segundo Plano de Ação Brasileiro de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, depois de 20 anos da primeira versão, que está sendo elaborado em um processo de escuta às organizações, movimentos, pesquisadores e governos dos estados e municipais

– Está sendo modulado um Programa Nacional de Combate à Desertificação para atuar de forma prática com ações de recuperação de solos degradados e reflorestamento

– Articulação de uma agenda de ação conjunta com os governos do semiárido, em parceria com outros órgãos do governo federal, para que se crie condições para implementação dos planos e políticas estaduais de combate à desertificação.

– Lançamento, nos próximos meses, de uma campanha nacional com o objetivo de informar à sociedade as causas e consequências dos processos de desertificação e das secas.

– Início ainda em abril a elaboração do Plano de Prevenção e Controle ao Desmatamento da Caatinga.

“Nós sabemos que o uso de combustíveis fósseis tem agravado as mudanças climáticas em todo o planeta e essa situação associada ao desmatamento de nossas florestas contribuem de forma decisiva para o aumento da temperatura da terra. Ou mudamos nossa relação com o semiárido levando em consideração que manter a Caatinga e o Cerrado preservados valem mais que qualquer PIB, ou não teremos um futuro muito tranquilo”, alerta Alexandre Pires, diretor do Departamento de Combate à Desertificação do MMA.

Com informações da coluna de Carlos Madeiro / Uol