Num discurso nesta quarta-feira no Conselho de Segurança da ONU, o governo brasileiro fez um apelo para que a Corte Internacional de Justiça, em Haia, atenda ao recurso apresentado pela África do Sul e que acusa Israel de genocídio em Gaza.
Nesta sexta-feira, a corte vai se pronunciar sobre o caso. Mas provavelmente vai deixar a consideração sobre o genocídio para um segundo momento. De forma imediata, os juízes vão avaliar se irão atender ao pedido sul-africano para impor medidas cautelares e, assim, exigir um cessar-fogo na guerra que já matou mais de 25 mil pessoas.
O governo brasileiro, que já havia endossado a iniciativa sul-africana em uma declaração do Itamaraty, agora da um passo além e usa a tribuna do Conselho de Segurança para defender a medida.
“As medidas provisórias solicitadas pela África do Sul à Corte Internacional de Justiça, com o objetivo de evitar o risco de genocídio, exigindo “a suspensão imediata das operações militares em Gaza e contra Gaza”, são muito urgentes e necessárias”, afirmou o embaixador do Brasil na ONU, Sérgio Danese.
“O pronunciamento solicitado pelo principal órgão judicial da ONU não só pode possibilitar a ajuda humanitária necessária e salvar vidas civis, mas também pode contribuir para a criação de um ambiente propício para a restauração do diálogo político e para a retomada das negociações visando à solução de dois Estados”, defendeu.
Para ele, o pedido de cessar-fogo em Gaza não aborda as causas fundamentais do conflito, o que é necessário para uma paz duradoura na região. “No entanto, um cessar-fogo agora é possivelmente a única alternativa que pode preservar a capacidade da comunidade internacional de fazer isso depois”, explicou.
“Não pode haver solução militar para as causas profundamente enraizadas de tensão e hostilidade. Outras ações militares apenas aprofundarão os ressentimentos e o ódio e, em última análise, perpetuarão o ciclo de violência, com efeitos prejudiciais para toda a região e para o mundo”, alertou.
“Além de Gaza, na Cisjordânia, no Mar Vermelho, no Iêmen, ao longo da Linha Azul entre Israel e Líbano, no Iraque, na Síria e, é claro, também em Israel, a escalada das hostilidades e os novos incidentes de segurança parecem estar diretamente relacionados a esse sentimento crescente de desconfiança e de total desrespeito ao direito internacional, motivado por nossa incapacidade coletiva de evitar a tragédia em Gaza, garantir a responsabilização e preparar o caminho para um processo de paz verdadeiro e eficaz”, disse.
Na avaliação do governo, não há outra alternativa a não ser avançar de forma decisiva em direção à solução de dois Estados, “com um Estado palestino vivendo lado a lado com Israel em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e reconhecidas internacionalmente”.
Para Danese, é preciso ir “além das declarações de desejo e se engajar em diálogos e compromissos que se traduzam em ação”.
“Como nunca antes, há necessidade de diplomacia real e vontade política verdadeira que possibilitem uma ação multilateral eficaz”, disse.
Segundo ele, o processo de paz no Oriente Médio está paralisado há muito tempo, não por si só, mas por ações deliberadas de diferentes lados. “Agora estamos presenciando a mais cruel das guerras, que ameaça seriamente a perspectiva de uma convivência pacífica entre israelenses e palestinos”, disse.
O embaixador reiterou a posição do Itamaraty aos demais governos. “Permitam-me repetir o que o Brasil vem pedindo a este Conselho há muito tempo: um cessar-fogo imediato em Gaza, antes que não haja mais nada a ser salvo”, disse.
“Esse é o apelo urgente da comunidade internacional, traduzido em poderosas resoluções da Assembleia Geral, aprovadas em face da inação do Conselho de Segurança. Sua implementação já deveria ter sido feita há muito tempo”, disse.
Segundo ele, um cessar-fogo é necessário para proteger os civis não apenas de ataques militares indiscriminados ou desproporcionais, mas também da morte por fome e doenças. Para ele, há um “flagrante desrespeito ao direito internacional humanitário”.
O que diz a denúncia em Haia
No final de 2023, o principal órgão judicial das Nações Unidas foi acionado diante das “supostas violações por parte de Israel de suas obrigações segundo a Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio em relação aos palestinos na Faixa de Gaza”.
Há um mal-estar entre uma parcela da comunidade internacional que lembra que, semanas depois a invasão russa sobre a Ucrânia, o mesmo tribunal agiu, abriu um processo e determinou medidas provisórias contra Moscou.
O Tribunal Penal Internacional, que também fica em Haia, já está investigando possíveis crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos tanto pelo Hamas quanto por Israel. Mas sem qualquer ação, até o momento. O silêncio das cortes internacionais diante da morte de milhares de pessoas em Gaza, portanto, tem sido alvo de críticas.
Agora, de acordo com o requerimento sul-africano, “os atos e omissões de Israel têm caráter genocida, pois foram cometidos com a intenção específica necessária para destruir os palestinos em Gaza como parte do grupo nacional, racial e étnico palestino mais amplo”.
O documento ainda afirma que “a conduta de Israel – por meio de seus órgãos estatais, agentes estatais e outras pessoas e entidades que agem sob suas instruções ou sob sua direção, controle ou influência – em relação aos palestinos em Gaza, viola suas obrigações nos termos da Convenção sobre Genocídio”.
Os sul-africanos ainda afirmam que “Israel, desde 7 de outubro de 2023 em particular, não conseguiu evitar o genocídio e não processou o incitamento direto e público ao genocídio” e que “Israel se envolveu, está se envolvendo e corre o risco de se envolver ainda mais em atos genocidas contra o povo palestino em Gaza”.
A África do Sul busca fundamentar a jurisdição da Corte no Artigo 36, parágrafo 1, do Estatuto da Corte e no Artigo IX da Convenção sobre Genocídio, da qual tanto a África do Sul quanto Israel são partes.
Se um processo pode levar anos para ser concluído, o governo da África do Sul quer ainda que Haia estabeleça medidas provisórias para frear a guerra.
Essas medidas iriam “proteger contra danos adicionais, graves e irreparáveis aos direitos do povo palestino nos termos da Convenção sobre Genocídio” e “para garantir o cumprimento por Israel de suas obrigações nos termos da Convenção sobre Genocídio de não se envolver em genocídio e de prevenir e punir o genocídio”.
Israel rejeita acusação
Parte do tribunal de Haia, o governo de Israel criticou a decisão do presidente Cyril Ramaphosa e pediu que a corte rejeite o pedido. “Israel rejeita com repulsa a libelo de sangue espalhada pela África do Sul em seu pedido à corte internacional de justiça”, disse Lior Haiat, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel.
“A alegação da África do Sul carece de base factual e legal e constitui uma exploração desprezível e desdenhosa do tribunal”, denunciou. Para ele, “a África do Sul está cooperando com uma organização terrorista que pede a destruição do Estado de Israel”.
A Convenção sobre Genocídio permite que qualquer governo que faça parte do pacto acione a corte em Haia contra outro governo, mesmo que não tenha nenhuma ligação direta com o conflito em questão.
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