O CO2 emitido pela queima de combustível de aviação geralmente é tomado como o principal responsável pelo impacto ambiental causado pelos aviões. Mas há outro culpado, menos lembrado, que fica oculto: os chamados rastros de condensação —as nuvens finas e lineares deixadas pelos aviões ao atravessarem os céus. Elas podem parecer inofensivas, mas seu impacto climático é semelhante ao da emissão de gás carbônico pelo setor.
“Estou mais preocupado com os rastros de condensação neste momento do que com as emissões de CO2, porque é um impacto que a indústria não internalizou de nenhuma forma”, disse Jayant Mukhopadhaya, pesquisador líder de aviação do Conselho Internacional para o Transporte Limpo (ICCT), um think tank ambiental dos EUA.
Um estudo de 2021 sugere que as emissões não relacionadas ao CO2 podem representar até dois terços do impacto climático da aviação. Os rastros deixados pelos aviões representam 57% desse recorte —aproximadamente o mesmo que as emissões de CO2 decorrentes da queima de combustível.
Atualmente, a indústria da aviação é responsável por 2% a 3,5% das emissões anuais de CO2 em todo o mundo. “Mas, se começarmos a levar em conta esses outros poluentes pelos quais a aviação é responsável, o setor pode estar contribuindo para um aquecimento [global] muito maior”, disse Mukhopadhaya, acrescentando que isso poderia ser três vezes maior do que se calculava anteriormente.
O que são, como se formam?
Os rastros se formam quando aviões voam através de bolsões de ar muito frios e úmidos na atmosfera. Quando os motores dos aviões queimam combustível, emitem dióxido de carbono, fuligem e vapor d’água. Essas moléculas de água aderem às partículas finas de fuligem e congelam, formando os cristais de gelo que criam as formações lineares vistas no céu.
Se o número de cristais de gelo for muito grande, eles formam nuvens alongadas chamadas de cirrus.
“Algumas persistem por apenas alguns segundos ou minutos; outras, por horas ou até dias, dependendo da quantidade de umidade e da temperatura”, disse Patrick Minnis, cientista sênior da Nasa, que pesquisa o impacto climático dos rastros de condensação e o comportamento das nuvens cirrus.
As nuvens cirrus formadas pelo rastro dos aviões filtram a luz solar, mas, por outro lado, não deixam a radiação da Terra voltar para o espaço, o que retém o calor na atmosfera. Seus efeitos são piores à noite, quando não estão refletindo a luz solar de volta para o espaço. “Produzir rastros de condensação é basicamente como colocar um cobertor em volta da Terra, que retém calor e aquece o planeta”, disse Mukhopadhaya.
Quanto aquecimento causam?
Embora os cientistas afirmem que estes rastros de partículas aumentam a temperatura da Terra, há menos consenso sobre o grau e o prazo, assim como no que diz respeito ao que isso significa para as mudanças climáticas.
“A magnitude exata do impacto dos rastros de condensação é incerta. As estimativas variam de 30% do impacto do CO2 até quatro vezes mais, então é uma faixa bem ampla.” afirmou Jayant Mukhopadhaya
Isso ocorre porque há um nível de incerteza na maioria dos estudos, devido à falta de dados. Segundo Mukhopadhaya, ao contrário do CO2, que persiste por muito tempo, não faz sentido analisar o impacto dos rastros de condensação ao longo de 100 anos, pois eles se dissipam rapidamente.
“O que nos interessa é quanto a temperatura média global da superfície muda por causa desses poluentes”, disse Mukhopadhaya.
Como reduzir o impacto climático?
Como as trilhas de condensação têm vida curta quando comparadas com as emissões de CO2, seu impacto desapareceria rapidamente se fossem feitos esforços para minimizar sua formação, segundo especialistas.
Uma solução seria o uso de combustíveis “mais limpos” com menos enxofre, como o hidrogênio. Isso reduziria a quantidade de poluentes liberados pelos jatos e diminuiria a vida útil dos rastros de condensação, de acordo com Patrick Minnis, da Nasa.
No ano passado, a União Europeia aprovou uma legislação que estabelece metas para combustíveis de aviação sustentáveis. Até 2050, todos os combustíveis de jato vendidos nos países europeus terão que conter 70% de “combustíveis de aviação sustentáveis”.
Os cientistas também descobriram que nem todos os voos criam rastros, que dependem das condições meteorológicas e da trajetória da aeronave. Redirecionar menos de 2% dos voos no Japão, por exemplo, poderia ter reduzido o efeito de aquecimento em quase 60%, segundo um estudo de 2020.
Mas prever antecipadamente quais rotas causarão mais rastros é uma tarefa difícil.
“Você tem que considerar a atmosfera como um bolo. A camada superior do bolo é a alta atmosfera e dentro dela há todos os tipos de estratificações de umidade. Então, saber exatamente onde estão essas camadas com muita umidade tem sido algo relativamente difícil de prever”, disse Minnis.
Uma previsão adequada exigiria melhorias no trabalho com satélites e muito mais armazenamento de dados, que são caros, acrescentou o pesquisador da Nasa.
Voar em altitudes mais baixas seria uma alternativa, já que o congelamento do vapor da água acontece em altitudes mais altas, mas “o problema é que, se você voar mais baixo, terá mais turbulência e usará mais combustível”, disse Minnis. E isso significa maiores emissões de CO2.
“Mas estimamos que o impacto dessas emissões adicionais de CO2 é significativamente menor do que o impacto da produção de rastros de condensação”, disse Mukhopadhaya, do ICCT.
Mais dados são necessários
Um estudo de 2024 da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), uma entidade comercial da indústria, sugere que mais dados precisam ser coletados para entender os impactos da aviação não relacionados ao CO2.
Companhias aéreas como Lufthansa, Air France, KLM e American Airlines já começaram voos de teste para evitar a criação de rastros de condensação, voando acima ou abaixo das áreas de risco, com a ajuda de imagens de satélite, dados meteorológicos, modelos de software e ferramentas de previsão com IA.
“Esse é um ótimo primeiro passo, já que cerca de 50% do aquecimento causado pelos rastros de condensação ocorrem sobre os EUA, a União Europeia e o Atlântico Norte —três regiões com alta atividade de aviação”, disse Mukhopadhaya.
Um relatório da Universidade de Cambridge de 2024 sugere que acelerar a implementação de um sistema global de prevenção pode reduzir o impacto climático da aviação em 40%.
A União Europeia também concordou que as companhias aéreas terão que monitorar e relatar o impacto climático dos rastros de condensação, uma medida que é contestada pela indústria.
“A indústria da aviação tem atrasado a ação há cerca de 20 anos, motivada pela falta de certeza em relação à ciência”, disse Mukhopadhaya, acrescentando que, apesar disso, o fato de que agora a pesquisa está sendo feita na vida real, em vez de simulações por computador, é “muito promissor para as medidas de prevenção no futuro”.