Após fechar um acordo de delação com a Polícia Federal (PF), validado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e detalhar em seus depoimentos tramas golpistas que circundaram os momentos finais do governo de Jair Bolsonaro (PL), o tenente-coronel Mauro Cid , ex-ajudante de ordens do então presidente, teve áudios revelados pela revista “Veja”, nos quais critica o trabalho dos investigadores e o ministro Alexandre de Moraes, responsável por ratificar o acordo na Corte.
Em uma das gravações divulgadas nesta quinta-feira (21), Cid afirma: “Eles queriam que eu falasse coisa que eu não sei, que não aconteceu”. Essas revelações presentes nos áudios levantam a possibilidade de a PF rescindir o acordo de delação, conforme relatou a colunista do GLOBO, Bela Megale. Cid será ouvido nesta sexta-feira (22) na sede da PF para explicar os áudios.
De acordo com a revista, os áudios correspondem a uma conversa entre o oficial e um amigo, com cerca de uma hora de duração. O diálogo teria sido registrado na semana anterior, após mais um depoimento de Cid à PF — o sétimo, totalizando aproximadamente 33 horas de relatos —, realizado em 11 de março.
“Você pode falar o que quiser. Eles não aceitavam e discutiam. E discutiam que a minha versão não era a verdadeira, que não podia ter sido assim, que eu estava mentindo”, diz o tenente-coronel em um dos trechos.
Cid também critica o que descreve como uma “narrativa pronta” adotada pelos policiais federais. Ele menciona especificamente a investigação relacionada à falsificação de cartões de vacina contra a Covid-19, na qual ele próprio, Bolsonaro e outras 15 pessoas foram indiciados na última terça-feira.
“Eles estão com a narrativa pronta. Eles não queriam saber a verdade, eles queriam só que eu confirmasse a narrativa deles. Entendeu? É isso que eles queriam. E todas às vezes eles falavam: ‘Ó, mas a sua colaboração. Ó, a sua colaboração está muito boa’. Ele (o delegado) até falou: ‘Vacina, por exemplo, você vai ser indiciado por nove negócios de vacina, nove tentativas de falsificação de vacina. Vai ser indiciado por associação criminosa e mais um termo lá’. Ele falou assim: ‘Só essa brincadeira são trinta anos para você’”, descreve.
Cid ataca diretamente Moraes em outro áudio: “O Alexandre de Moraes é a lei. Ele prende, ele solta, quando ele quiser, como ele quiser. Com Ministério Público, sem Ministério Público, com acusação, sem acusação.”
A revista também relata as ameaças que Cid tem enfrentado nas redes sociais desde que começou a divulgar informações que envolvem Bolsonaro e seus aliados. Durante a conversa com seu interlocutor, o tenente-coronel expressa sua frustração com sua própria situação e até mesmo critica o ex-presidente.
“Quem mais se f. fui eu. Quem mais perdeu coisa fui eu. O único que teve pai, filha, esposa envolvido, o único que perdeu a carreira, o único que perdeu a vida financeira fui eu”, lamenta o militar. “Ninguém perdeu carreira, ninguém perdeu vida financeira como eu perdi. Todo mundo já era quatro estrelas, já tinha atingido o topo, né? O presidente teve Pix de milhões, ficou milionário, né?”, continua.
Parte dos relatos fornecidos por Cid à PF foi corroborada por depoimentos do general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, e do brigadeiro Carlos Baptista Junior, ex-chefe da Aeronáutica. Ambos os militares de alta patente confirmaram a realização de reuniões com teor golpista, durante as quais Bolsonaro teria apresentado documentos que sugeriam uma ruptura institucional para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Conforme divulgado pela colunista do GLOBO Bela Megale, a Polícia Federal está considerando revogar o acordo de delação de Cid após a publicação dos áudios pela Veja. A corporação pretende convocar o oficial para um novo depoimento e, dependendo do conteúdo fornecido, decidir sobre os próximos passos a serem tomados.
Em nota enviada ao GLOBO, a defesa de Cid afirma que os áudios foram “meros desabafos”. Veja a íntegra:
“A defesa de Mauro César Barbosa Cid, em razão da matéria veiculada pela revista Veja, nesta data, vem a público afirmar que:
Mauro César Babosa Cid em nenhum momento coloca em xeque a independência, funcionalidade e honestidade da Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República ou do Supremo Tribunal Federal na condução dos inquéritos em que é investigado e colaborador, aliás, seus defensores não subscrevem o conteúdo de seus áudios.
Referidos áudios divulgados pela revista Veja, ao que parecem clandestinos, não passam de um desabafo em que relata o difícil momento e a angústia pessoal, familiar e profissional pelos quais está passando, advindos da investigação e dos efeitos que ela produz perante a sociedade, familiares e colegas de farda, mas que, de forma alguma, comprometem a lisura, seriedade e correção dos termos de sua colaboração premiada firmada perante a autoridade policial, na presença de seus defensores constituídos e devidamente homologada pelo Supremo Tribunal Federal nos estritos termos da legalidade.”
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