Os últimos dados da economia argentina permitem afirmar que o país entrou em recessão como efeito dos ajustes promovidos por Javier Milei nos primeiros meses de seu mandato. A dúvida, segundo especialistas ouvidos pela Folha, é quanto tempo pode durar a depressão.
O PIB (Produto Interno Bruto) do país caiu 2,6% no primeiro trimestre, em relação ao quarto trimestre de 2023, e acumulou dois trimestres seguidos de baixa (em valores ajustados sazonalmente). Nos últimos três meses de 2023, a retração tinha sido de 2,5%, segundo o Indec (Instituto Nacional de Estatística e Censos),
Em relação ao mesmo trimestre do ano passado, o PIB de janeiro a março caiu 5,1%, vindo de uma contração de 1,2% no trimestre anterior.
Pela variação interanual, o consumo privado caiu 6,7% e o público, 5%. As importações recuaram 20,1%, enquanto as exportações subiram 26,1%, ainda de acordo com o Indec.
“O ano passado foi de uma queda do PIB da ordem de 1,6% e 2024 vai ter, provavelmente, queda de cerca de 3,5%. Se isso não é uma recessão, eu não sei o que é”, afirma Fábio Giambiagi, pesquisador associado do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas).
O governo Milei recebeu do peronismo um país em crise e começou com a liberação de preços (que levou a inflação a 25,5% em dezembro), cortes de obras públicas e uma forte desvalorização do peso argentino.
Além da disparada da inflação, no fim de 2023 e no primeiro trimestre, o ajuste também afundou os rendimentos dos argentinos e fez a pobreza aumentar.
Para Diego Bastourre, ex-diretor do banco central e ex-secretário de Finanças da Argentina, é nítido que o país está em recessão. A discussão agora é se a economia já atingiu o fundo do poço (alguns indicadores mostram que sim) e qual deve ser a forma da recuperação.
O governo fala da retomada em “V” —que seria uma recuperação forte, algo que hoje parece muito difícil —, mas pode ser um “L”, diz.
“A discussão sobre o ponto mais baixo da recessão será resolvida em algum momento (todas as variáveis econômicas eventualmente atingem um fundo), o relevante é entender quais fatores podem ajudar ou não a que a recuperação seja sustentada e duradoura”, diz análise do IEA (Instituto de Economia Aplicada), onde Bastourre é diretor.
Segundo a instituição, um comparativo com crises anteriores aponta que o salário e, principalmente, o gasto público foram os motores mais usados na recuperação. “O crédito aparece em dois episódios em que a recessão foi acompanhada por um processo de desinflação (que não se consolidou).”
Do lado da demanda, a maior queda do PIB se deu na formação bruta de capital fixo (-23,4%, na comparação com o mesmo trimestre de 2023). Entre os setores, destacam-se as quedas na construção (-19,7%), na indústria manufatureira (-13,7%) e nas atividades financeiras (-13%).
Por outro lado, o setor de agricultura, pecuária e silvicultura cresceu 10,2%.
“A construção é o setor que mais cai, por causa de uma retração forte das obras públicas. Há também uma queda nos salários, em termos reais, devido ao aumento da inflação nos primeiros meses de Milei: dezembro, janeiro e fevereiro”, diz o economista argentino Santiago Bulat, diretor da Invecq Consulting..
Segundo ele, isso impacta em tudo o que corresponde a consumo, e o setor externo é o que mais está se destacando positivamente até o momento. “É o que consegue sobreviver.”
“Há um ajuste de preços relativos —que afeta a energia elétrica, o gás— e isso pesa diretamente nas atividades locais, que dependem muito do consumo”, complementa.
Paralelamente, o Indec também informou que a desocupação no país subiu 0,8 ponto percentual, chegando a 7,7% no primeiro trimestre. A taxa de desocupação foi de 8,4% para as mulheres e de 7% para os homens. O desemprego é maior na Grande Buenos Aires (9%) e menor no centro-oeste do país (4,5%).
O presidente da Camarco (câmara do setor de construção), Gustavo Weiss, disse na terça-feira que o panorama é “sombrio”, com um “duro e contundente golpe” no setor, perda de mais de 100 mil postos de trabalho, obras paralisadas em todo o país e “empresas em risco de desaparecer”.
“Como isso pode se reverter? Com vocês também apostando, apoiando o modelo”, disse o ministro da Economia, Luis Caputo, no mesmo evento organizado pela entidade. “Se continuarmos neste processo, se consolidarmos este círculo virtuoso, acreditem, no final do nosso mandato teremos reduzido 90% dos impostos existentes hoje na Argentina.”
O governo tem acenado com uma recuperação no segundo semestre, e uma estabilização da inflação para os próximos meses. Após os primeiros meses de alta, a inflação mensal desacelerou para 4,2% em maio, ante 8,8% do mês anterior, um resultado bastante comemorado pela Casa Rosada. Porém, ela deve parar de cair em junho —pode até ter uma leve alta.
Em março, o governo argentino também registrou seu primeiro superávit trimestral desde 2008.
Na visão dos economistas, Milei tem uma difícil decisão pela frente: ou desvaloriza o peso, conforme pede o FMI (Fundo Monetário Internacional) e, dessa forma provoca um novo aumento da inflação, ou mantém a correção mensal de 2% do câmbio oficial, dificultando um novo acordo com o fundo e ainda correndo o risco de contratar uma crise mais grave nos próximos meses.
O mercado aponta que a correção do câmbio está atrasada. Na terça-feira (25), o dólar paralelo (blue) quebrou um novo recorde, chegando a 1.335 pesos argentinos para compra e 1.365 pesos para venda. Com isso, a diferença entre a cotação oficial e a paralela passa de 50%.
Para o dólar financeiro, essa brecha é de mais de 40%, o que também marca a tensão crescente com o mercado, após um período de relativa calmaria.
Giambiagi diz que, se o país continuar na atual trajetória, o problema do atraso da taxa de câmbio vai ser acentuado, pois a desvalorização nominal de 2% ao mês, mesmo em um contexto de inflação mensal estabilizada entre 4% e 5%, será insuficiente.
“Ao mesmo tempo, se houver liberalização do câmbio ou nova desvalorização e ocorrer algo vagamente parecido com o aumento de preços de dezembro, o governo estará politicamente acabado. A hesitação é compreensível, mas uma solução tem de ser alcançada.”
Ao veículo argentino Ámbito, o ex-ministro da Fazenda Domingo Cavallo, elogiado publicamente por Milei, disse que a equipe econômica não demonstra ter pressa em remover as restrições cambiais.
“Ela receia que, ao fazer isso, possa ocorrer um salto cambial capaz de desestabilizar novamente a economia”, algo que, segundo ele, poderia acontecer já no próximo ano.
Em viagem pela Europa, Milei não se abateu com os dados do PIB, pelo contrário. Na República Tcheca, o ultraliberal disse que seu governo está “reescrevendo grande parte da teoria econômica” e que merecia um prêmio Nobel por isso.
“Poderiam dar um prêmio Nobel para a recessão mais rápida já gerada em um contexto de paz”, disse o economista Alejandro Bercovich em seu programa na emissora de rádio Con Vos.
O plano de Milei para sair da recessão é pulverizar a inflação, garantir que os salários comecem a se recuperar a partir disso e que os investimentos venham principalmente com a aprovação da Lei de Bases na Câmara, por meio do Rigi (Regime de Incentivos a Grandes Investimentos), diz Bulat.
“Acredito que o consumo, de qualquer forma, continuará fraco por mais algum tempo, pois os salários ainda não estão se recuperando tão rapidamente.”
Giambiagi lembra que uma diferença do Plano Real, no Brasil, para o que está sendo feito na Argentina é que desde o começo foi dito para os brasileiros quais seriam os próximos passos.
Milei, por sua vez, afirma que suas ações hoje vão levar a um regime de câmbio flutuante, mas sem dizer como ou quando isso ocorrerá.
“Para dar certo, todas as restrições financeiras ao uso do dólar têm de ser retiradas, mas, ao mesmo tempo, sem deixar que haja uma explosão do câmbio. Então, há uma falta de clareza acerca dos passos futuros e isso gera uma tensão crescente”, diz.
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