A acareação, conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, atendeu ao pedido da defesa de Braga Netto, para contestar supostas divergências nos depoimentos de Cid - Foto: Rosinei Coutinho / STF
Após a acareação realizada nesta terça-feira (24), no Supremo Tribunal Federal (STF), as defesas dos réus na ação penal que apura a tentativa de golpe de Estado disseram que o tenente-coronel Mauro Cid mentiu na delação premiada e nos depoimentos prestados ao longo das investigações. Durante a audiência, o ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a ser chamado de mentiroso pelo general Walter Braga Netto.
Segundo o advogado do ex-ministro da Defesa, a afirmação foi feita duas vezes ao longo das mais de 1h30min em que o réu esteve frente a frente com Cid. O confronto ocorreu no âmbito da ação que apura a susposta trama golpista que resultou nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.
“O general Braga Netto, em duas oportunidades, afirmou que o senhor Mauro Cid, que permaneceu durante todo o ato com a cabeça baixa, era mentiroso. E ele [Cid] não retrucou quando teve oportunidade de falar”, relatou José Luis Oliveira Lima, advogado de Braga Netto.
A acareação, conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, atendeu ao pedido da defesa de Braga Netto, para contestar supostas divergências nos depoimentos do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que também é delator da tentativa de golpe em apuração. O ex-ministro acusa Cid de mentir em suas declarações.
Os dois são réus na ação penal que apura a tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Os militares integram o chamado Núcleo 1, ou Núcleo Crucial, da trama golpista que resultou nos atos violentos nas sedes dos Três Poderes, em Brasília, após o resultado das eleições de 2022, que registrou a vitória do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“O Mauro Cid se contradisse mais ainda. Ele mente o tempo inteiro. Uma pessoa que presta dez depoimentos, ele mente aqui, mente ali. Ele estava constrangido, estava de cabeça baixa”, declarou o advogado de Braga Netto a jornalistas após a acareação. Segundo a defesa do general, as contradições de Cid estão em detalhes como o local em que teria sido realizada a entrega de um dinheiro para financiar os acampamentos em frente aos quartéis e a ida de manifestantes a Brasília.
“Ele mente demais. É assustador que uma pessoa que mente tanto, que essas afirmações, que esses depoimentos que esse senhor [Cid] trouxe possa dar base para qualquer decreto condenatório”, concluiu José Luis Oliveira Lima.
A acareação é uma técnica jurídica que consiste em apurar a verdade no depoimento ou declaração das testemunhas e das partes de um processo, confrontando-as frente a frente e levantando os pontos divergentes, até que se chegue às alegações e afirmações verdadeiras. Segundo a legislação penal brasileira, é direito do réu pedir a acareação.
O advogado do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, acompanhou a acareação e afirmou que tudo ocorreu de forma tranquila, com um único momento constrangedor que foi quando Braga Netto disse que Cid é mentiroso. Demóstenes Lázaro disse que o ex-ajudante de ordens ficou calado e, por isso, teria concordado com a acusação.
“Deveria ter uma autoacareação entre o que ele mesmo diz. São 12 ou 13 depoimentos, 12 ou 13 versões”, declarou o advogado. Nesta terça-feira (24) também foi realizada a acareação entre o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o general Freire Gomes, ex-comandante do Exército.
Audiência privada
A audiência de acareação ocorreu em sala fechada e somente o ministro relator, Alexandre de Moraes, os réus com seus advogados, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, autor da denúncia sobre a tentativa de golpe, e os advogados dos outros seis réus na ação penal puderam estar presentes.
Moraes também indeferiu o pedido da defesa de Braga Netto para que a acareação fosse gravada. Segundo ele, trata-se de um ato de instrução do juízo, não da defesa, e a gravação poderia gerar pressões indevidas ou vazamentos que comprometessem a apuração.
O advogado de Braga Netto lamentou essa decisão. “A defesa teve sua prerrogativa violada. Todos os atos desse processo foram gravados e a opinião pública teve acesso. Neste caso, que é um ato processual fundamental, pegar os detalhes da fala de cada um dos acareados, infelizmente, esta defesa pediu que o ato fosse gravado, foi negado”, disse Juca, como é conhecido.
Celso Vilardi, advogado de Bolsonaro, assistiu à acareação e disse que a decisão de não permitir a gravação da audiência causou espanto. “Me causou uma certa surpresa o fato de ela não ter sido transmitida. Todos os demais atos do processo foram transmitidos. Eu achei lamentável não ter sido transmitido hoje porque o delator fez o que ele tem feito reiteradamente, ele mentiu e, no meu modo de ver, foi desmoralizado”, afirmou.
Versões contraditórias
Em acareação conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal, o general Braga Netto e o tenente-coronel Mauro Cid mantiveram versões divergentes sobre episódios centrais da investigação que apura a tentativa de subversão do resultado das eleições de 2022. Ambos confirmaram os depoimentos anteriores, mas reforçaram contradições sobre a reunião realizada no dia 12 de novembro de 2022 e sobre o suposto repasse de recursos financeiros no Palácio da Alvorada.
A principal divergência gira em torno da reunião realizada no apartamento de Braga Netto em Brasília. De acordo com Cid, a ida dos coronéis Rafael Martins Oliveira e Hélio Ferreira Lima ao local foi motivada por insatisfação com o resultado eleitoral. Ele afirmou ter encaminhado os dois para conversar com o general. O general, por outro lado, negou qualquer teor político no encontro, alegando que os coronéis apenas foram ao local para cumprimentá-lo.
Cid e Braga Netto também relataram versões diferentes sobre a dinâmica da visita. O general afirmou que todos os presentes chegaram e saíram juntos. Já o ex-ajudante de ordens disse ter deixado o apartamento antes dos demais, com a justificativa de que precisava organizar uma reunião com o então presidente Jair Bolsonaro.
Questionado sobre a mudança em sua versão inicial, Cid explicou que, à época, acreditava se tratar de mais uma bravata. No entanto, após tomar conhecimento da operação “Punhal Verde e Amarelo”, passou a considerar que o encontro poderia ter tido um caráter mais grave. Por isso, foi convocado novamente e retificou o depoimento prestado.
Outro ponto de conflito abordado durante a acareação foi o suposto pedido de recursos ao PL, partido de Bolsonaro, que teria sido feito por Mauro Cid ao general Braga Netto. Ambos confirmaram a abordagem inicial, mas divergem quanto aos desdobramentos. Segundo Cid, após a negativa do tesoureiro do partido, coronel Azevedo, Braga Netto entregou a ele uma sacola de vinho contendo dinheiro.
A entrega teria ocorrido em um dos locais do Alvorada em que Cid costumava circular, a garagem privativa, a sala da ajudância de ordens ou o estacionamento ao lado da piscina. O valor teria sido destinado ao coronel de Oliveira, e o repasse, segundo Cid, foi articulado após ele fazer contato com o militar.
Braga Netto negou completamente a versão apresentada pelo ex-ajudante de ordens. Disse que, após a negativa do PL, não tratou mais do assunto e garantiu jamais ter entregue qualquer quantia em dinheiro a Cid. O general também afirmou que, quando pedidos de recursos lhe eram feitos, ele apenas os encaminhava ao tesoureiro do partido.
Durante a acareação, Cid declarou que a sacola de vinho estava lacrada e que presumiu a existência de dinheiro pelo peso, embora não a tenha aberto. Segundo ele, não havia testemunhas no momento da entrega e não há provas materiais que sustentem a versão. O colaborador justificou a omissão desse episódio em depoimento anterior alegando estar em estado de choque pela prisão de colegas. Disse que os demais depoimentos, dados em contexto de colaboração premiada, foram prestados em ambiente mais estável.
Outro ponto de divergência envolve a relação entre Braga Netto e o coronel de Oliveira. Cid afirmou que o coronel havia dito ter servido com o general durante a intervenção federal no Rio de Janeiro. No entanto, Braga Netto negou qualquer vínculo próximo com o militar, explicando que, à época, sua interlocução era direta com comandantes de batalhões, e não com subordinados de escalões inferiores.
Questionado pela defesa de Cid sobre um trecho em que o colaborador teria dito que Oliveira mantinha “relação próxima” com Braga Netto, o general rebateu, dizendo que se tratava apenas de uma ligação funcional. Ele também informou que o prédio onde ocorreu a reunião de 12 de novembro possuía câmeras apenas na garagem e que a entrada de visitantes era controlada pelo porteiro no térreo.
Anderson Torres x Freire Gomes
Durante acareação, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o ex-comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, reafirmaram suas versões anteriores, mas mantiveram pontos de contradição sobre temas centrais da apuração, especialmente quanto à minuta golpista apresentada ao então presidente Jair Bolsonaro e o papel desempenhado por Torres em reuniões ministeriais após o pleito.
Entre os pontos de divergência destacados, dois se mostraram centrais: a atuação de Anderson Torres como assessor jurídico do presidente em temas relacionados a medidas de exceção; e a semelhança entre a minuta apresentada na reunião de 7 de dezembro de 2022 e o documento encontrado na casa do ex-ministro.
Segundo o general Freire Gomes, Anderson Torres não participou das reuniões realizadas nos dias 7 e 14 de dezembro, e ele não se recorda de encontros posteriores com o ex-ministro. Ainda assim, confirmou que, antes dessas datas, participou de reuniões ministeriais com a presença de Torres, onde se discutiam temas como a possível decretação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em razão da instabilidade no país. Nessas ocasiões, conforme relatou o general, o ex-ministro chegou a se manifestar, mas jamais incentivou medidas fora da legalidade.
Questionado sobre o papel jurídico de Torres, o general negou que tenha se referido ao ex-ministro como “assessor jurídico” de Bolsonaro. Explicou que, nas reuniões, Torres chegou a esclarecer pontos legais pontuais, mas sem jamais sugerir qualquer ruptura da ordem constitucional.
Outro ponto discutido foi a minuta de decreto, que teria sido apresentada na reunião de 7 de dezembro, e o documento encontrado na residência de Torres. O General Freire Gomes destacou que os textos tratavam do mesmo tema — a possibilidade de decretação de estado de sítio e GLO —, mas deixou claro que não eram idênticos. O conteúdo foi classificado por ele como “semelhante”.
Segundo o general, na reunião do dia 7, Bolsonaro apresentou o documento como um “estudo” que seria revisado. A partir dessa data, reuniões subsequentes discutiram medidas mais concretas, mas na reunião do dia 14, por exemplo, nenhuma minuta chegou a ser lida, pois o encontro foi encerrado antes disso.
Ainda de acordo com Freire Gomes, quando teve acesso ao documento apreendido na casa de Torres, percebeu que o conteúdo guardava semelhança temática com o texto debatido anteriormente, mas reiterou que nunca afirmou tratar-se do mesmo documento.
Indagado sobre os atos de 8 de janeiro, Freire Gomes afirmou que já havia deixado o Comando do Exército em 30 de dezembro, portanto, não poderia afirmar se houve incentivo ou manipulação por parte de autoridades. Disse ainda que, ao deixar o cargo, observava uma redução no número de acampados em frente aos quartéis.
O general também negou que Bolsonaro tenha pedido que as pessoas permanecessem nos acampamentos. Destacou que, a partir das reuniões de 7 de dezembro, foi explicado ao então presidente que, sem indícios de fraude nas eleições, a adoção de medidas de exceção poderia levá-lo à responsabilização penal, inclusive à prisão. Segundo ele, Bolsonaro foi advertido sobre os riscos e teria concordado, não voltando a abordar o tema posteriormente.
Já Anderson Torres, em sua fala, esclareceu que não estava em território nacional no dia 8 de janeiro e que retornou ao Brasil apenas após a decretação de sua prisão pelo próprio relator. Ele também afirmou que foi exonerado do cargo de Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal ainda no dia 8/01. Justificou a viagem alegando que não havia nenhum alerta de inteligência indicando riscos para aquela data. Por fim, afirmou que a Secretaria não ficou acéfala, uma vez que o secretário-executivo assumiu interinamente a gestão durante sua ausência.
Sob a condução do presidente da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), deputado estadual Roberto Cidade (UB), os parlamentares aprovaram, nesta terça-feira (24/6), a Lei...