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Por gerações, o conhecimento indígena foi passado de forma oral. Mas hoje, esse saber ancestral ganha novas formas e linguagens ao ser transformado em negócios sustentáveis, gerando renda, fortalecendo a cultura e seus territórios. Com o apoio de programas como o PPBio (Programa Prioritário de Bioeconomia) e a AMAZ Aceleradora de Impacto, empreendedores indígenas mostram que é possível unir tradição e inovação para construir um futuro mais justo e sustentável.

No território Sete de Setembro, em Rondônia, a ativista Pí Suruí, do povo Paiter Suruí, é um exemplo vivo dessa transformação. Primeira mulher a dirigir uma das maiores organizações de seu povo, ela atua na linha de frente de dois projetos realizados em parceria com a Ecoporé e o Idesam, com recursos do PPBio: um voltado ao etnoturismo e outro à retomada do projeto de crédito de carbono da comunidade.

“É um etnoturismo feito pela própria comunidade, com inovação, pensado para acontecer tanto presencialmente quanto virtualmente. A gente quer mostrar nossa cultura com o nosso olhar, com nosso protagonismo”, explica Pí. “E o projeto de carbono que estamos retomando também será feito 100% pela comunidade, com base na nossa visão como povo indígena”, completa.

Segundo ela, o apoio financeiro e técnico do PPBio tem sido fundamental para viabilizar sonhos antigos e fortalecer a autonomia indígena. “Sem dinheiro a gente não faz nada. Eles acreditaram na gente, no nosso potencial. Estamos unindo conhecimento tradicional com o não tradicional, com inovação. Isso fortalece a autonomia dos povos”, reflete.

Mais que empreendimentos, são expressões de soberania e resistência. “Durante os processos com o PPBio, a gente aprende sobre gestão, sobre como funciona esse mundo tão diferente do nosso. E esse aprendizado serve para replicar em outras terras também”, reforça.

Um modelo de desenvolvimento para a Amazônia

O projeto de carbono dos Suruí não é algo novo. Em 2010, liderado por Almir Suruí, também do povo Paiter e pai de Pi Suruí, a iniciativa se tornou o primeiro projeto indígena de REDD+ homologado no mundo. Mas, com o tempo, foi interrompido por pressões externas e críticas, conforme lembra a liderança. Agora, com apoio renovado, está sendo atualizado como parte da nova geração de soluções sustentáveis pensadas pelos próprios povos da floresta.

‘’Sem a Amazônia, não há futuro. E sem oportunidade para quem vive nela, a floresta morre”, afirma Almir na edição mais recente do Festival de Investimentos de Impacto e Negócios Sustentáveis na Amazônia (FIINSA), onde discursou sobre as oportunidades para uma região que está no centro do debate climático mundial. ‘’Nosso povo quase desapareceu, mas resistimos. Recuperamos nossa população e hoje somos reconhecidos como produtores de café de qualidade. O que queremos é mostrar que é possível construir uma governança indígena e um modelo de desenvolvimento sustentável, com autonomia e respeito”, defende Almir.

Para Almir Suruí, o principal obstáculo, no entanto, ainda é o preconceito. ‘’Muita gente não quer ver o indígena com autonomia, só o aceita se estiver miserável. Mas não queremos mais isso. Precisamos de respeito ao nosso protagonismo. O projeto de carbono foi atacado justamente por mostrar que era possível gerar renda de forma justa. Agora vamos retomar com ainda mais força’’, complementa.

Iniciativas que conectam tradição e inovação

Com apoio direto a negócios indígenas em fase inicial ou de consolidação, o edital Elos da Amazônia – Edição Empreendedorismo Científico Indígena é mais uma iniciativa do Idesam ー por meio do PPbio em parceria com o INDT ー para incentivar empreendedores que unem o conhecimento indígena com tecnologia e práticas inovadoras. Os selecionados vão receber consultorias para desenvolvimento da tecnologia e apoio para estruturação do negócio.

‘’Essa iniciativa é muito inteligente, porque valoriza cientistas indígenas e coloca em prática a valorização dos conhecimentos, da ciência e da intelectualidade indígena”, afirma André Fernando Baniwa, assessor técnico do Ministério da Saúde e um dos examinadores da chamada.

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Paulo Simonetti, líder da Iniciativa Estratégica de Inovação e Bioeconomia do Idesam, reforça que o edital foi pensado especialmente para apoiar jovens indígenas universitários que desejam empreender aliando conhecimento técnico e saber tradicional.

“As regiões mais vulneráveis no interior da Amazônia, com menor desenvolvimento de renda e oportunidades de emprego, são os espaços onde as cadeias ilegais ganham força. Então no momento que a gente começa a gerar renda de forma sustentável é esperado, e os dados indicam isso, que a gente consegue de fato combater essas cadeias ilegais. Então o foco é que a gente consiga, através do recurso desse edital, dar apoio a esses negócios para que eles cresçam e gerem renda com a floresta em pé”, destaca Simonetti.

A força do comércio justo

Um dos negócios que já colhem frutos desse novo ecossistema é a Tucum, o primeiro marketplace indígena do Brasil. Fundada por Amanda Santana, a plataforma conecta mais de 4.860 artesãos de 87 povos e comunidades tradicionais em todo o país. Com atuação em regiões como a Amazônia Legal, Cerrado e Mata Atlântica, a Tucum já contribuiu para a conservação de mais de 2,9 milhões de hectares de floresta.

Além de garantir preços justos, a iniciativa acelerada pela AMAZ investe na formação de lideranças e na valorização da cultura indígena no mercado digital. O catálogo do marketplace contempla uma ampla gama de peças: biojoias, brincos, pulseiras, bolsas, máscaras, roupas, grafismos em tela, itens de decoração, entre outros. Os produtos são criados por artistas de dezenas de povos tradicionais, como Kayapó, Krahô, Kamayurá, Xipaya, Asurini, Yanomami, Baniwa, Matis, Marubo e Parakanã.

“Cada arte carrega a essência, a beleza e a luta de sua cultura. Quando alguém compra uma peça indígena, está colaborando para manter a floresta em pé, com dignidade e respeito ao saber tradicional”, resume Amanda.