Desmatamento na Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo em Altamira, no Pará (Foto: João Laet / AFP via Getty Images)

Desmatamento não é sinônimo de desenvolvimento. E a Amazônia ainda é um exemplo muito claro disso. Juntos, os nove estados que compõem a Amazônia Legal respondem por menos de 9% do PIB nacional, mas são responsáveis por mais da metade das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) do Brasil, em sua esmagadora maioria, frutos do desmatamento e da degradação ambiental. Em um contexto internacional, se a Amazônia Legal fosse um país, teria uma configuração completamente diferente do restante do mundo, emitindo mais do que as grandes potências, mas sem gerar os empregos ou as riquezas desses mesmos países.

O estudo Carbono e o destino da Amazônia, do projeto Amazônia 2030, chegou nesta conclusão ao analisar a relação entre emissões per capita e PIB per capita. Conforme a análise, a Amazônia Legal possui um volume de emissões de GEE per capita, ou seja, o volume de emissões dividido pelo número de habitantes, maior do que Estados Unidos, China e União Europeia. Contudo, quando se analisa o PIB per capita, a situação fica bem abaixo dos demais países.

Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), 21 dos 25 maiores emissores entre os municípios brasileiros estão na Amazônia Legal e o principal motivo para isso é o desmatamento. Conforme o levantamento do Amazônia 2030, após um pico de desmate em 2004, uma série de medidas de políticas públicas foram implementadas e promoveram uma redução da ordem de 80% até 2012. Nesse mesmo período, o PIB agropecuário cresceu de forma substancial, o que também aponta para uma dissociação entre o desmatamento e a atividade econômica.

De acordo com o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), as emissões de carbono na Amazônia Legal dobraram entre os anos de 2019 e 2020. Para piorar, toda vez que desmatamos, perdemos parte do nosso estoque de carbono, gerando uma verdadeira economia da destruição.

O carbono é justamente o diferencial para inverter esta lógica de economia destrutiva.

Ou seja, a região pode deixar de ser uma grande emissora, passando a capturar uma grande quantidade de carbono. Com isso, o Brasil pode zerar o desmatamento e promover uma grande reposição florestal, ao mesmo tempo em que aumenta sua renda. Esta proposta apenas é viável se os demais países pagarem pelo carbono capturado na Amazônia, e isso pode ser realizado com um custo relativamente baixo.

Segundo o modelo do estudo, a um preço mínimo de US$ 20 por tonelada de carbono capturado liquidamente pelo bioma Amazônia, o restauro florestal via regeneração natural já se tornaria mais rentável do que a pecuária em praticamente toda a região. Com esse valor, as compensações pelo carbono capturado garantiriam a integridade da floresta, induzindo uma extensa restauração florestal e uma captura de 16 gigatoneladas de carbono ao longo dos próximos 30 anos. Eliminando o desmatamento, o Brasil deixaria de emitir mais 32 gigatoneladas de carbono, o que totalizaria 48 gigatoneladas de CO2 em 30 anos – quase o valor das emissões globais durante um ano. Nesse cenário, a Amazônia não seria mais essa grande emissora líquida de carbono, tornando-se uma região com enorme capacidade de captura em larga escala.

O valor estabelecido é uma base mínima para negociação internacional. O preço de carbono no mercado europeu, que dá direito a emissões de GEE, tem flutuado em torno de US$90 por tonelada de carbono. O estudo propõe a captura real de carbono, o que poderia valer ainda mais. Mas US$20 já é um valor que estanca o desmatamento e promove a recomposição florestal porque, com ele, simplesmente é mais rentável economicamente abandonar áreas de pecuária e colocá-las em processo de regeneração natural, reconectando a floresta com seu passado e fazendo uso mais produtivo da terra.

Para avaliar as consequências de um pagamento por carbono capturado, o modelo considera os incentivos para o desmatamento, o potencial da agropecuária, a capacidade de absorção e emissão de carbono e a regeneração da Amazônia, levando em conta a heterogeneidade da floresta. Com ele, provamos que um mecanismo robusto de pagamento pelo carbono florestal é capaz de gerar impactos importantes em níveis regional, nacional e global. Além de contribuir diretamente para remover carbono da atmosfera, o mesmo modelo poderia ser replicado para os demais países da Amazônia, na bacia do Congo e Indonésia. No entanto, sem esse mecanismo, as práticas atuais de combate ao desmatamento não serão suficientes para conter a expansão da pecuária, o desmatamento tende a aumentar e a Amazônia deve atingir um ponto de não retorno em menos de duas décadas.

A pesquisa apresenta um exercício de racionalidade econômica no qual o ciclo do carbono, a dinâmica agropecuária, a conservação da floresta em pé e a restauração florestal são tratadas conjuntamente. Além de ser necessário, esse pensamento é o caminho para que o Brasil entre de vez no mercado de carbono, transformando o seu futuro e o da floresta. Já temos até um valor mínimo como ponto de partida. O que falta?

Com informações de Um Só Planeta / Globo (Texto assinado pelos jornalistas Angélica Queiroz e Gustavo Nascimento)