Aquele membro da espécie homo sapiens, já no final de vida, em confinamento em casa, imposição dessa pandemia causada pelo novo coronavírus, lembrou-se das fases de sua vida e dos dilemas que enfrentou para alcançar setenta anos com boa vida financeira e do esforço para construir uma família que não parecia disposta a visitá-lo, depois da enfermidade, sem nunca ter feito uma reflexão sobre a nossa vida humana e modo de civilização que construímos.
Quando criança ele passou pelo medo de ficar distante dos pais, buscava a atenção total de alguém para colocar comida na boca; fazia parte de seu mundo os monstros sociais imaginários, como o bicho-papão e as bruxas malvadas, que ficam matutando nas suas cabeças, além do medo do escudo e das sombras. Ele foi capaz ainda de acreditar até no voo de elefante e em Papai Noel.
Na adolescência o medo do futuro, da rejeição e das cobranças da sociedade se intensificaram. O espírito de criança e de jovem estavam presentes no corpo e nas decisões. Contestou valores familiares, mas tinha medo da perda dos pais. Era uma fase de dúvidas e de busca de certezas. O homo sapiens foi capaz de acreditar em Deus e no Diabo. Amava muito e, também, sabia odiar, a rejeição foi difícil de aceitar.
Na vida adulta. A profissão promissora, a família perfeita, uma vida segura e de paixões eram meios para alcançar a felicidade, uma espécie momento sublime da existência da nossa espécie. Época do medo da morte, do medo do fracasso e de acreditar e de negar os modelos políticos e econômicos num mundo insensato e cheio de horrores e de infelicidades. Todas as formas de crenças foram abraçadas como respostas aos dilemas da vida real.
Na velhice o homo sapiens sente medo da solidão, do abandono e da falta de apoio da família e dos amigos. O além da vida terrena ganha novo significado. Deuses ganharam dimensões. A ideia de paraíso celestial ficou com espaço diário. Os músculos não respondem mais, a imunidade estava baixa e amar passou a ser somente uma empatia. Não espera nada da vida, gasta o dinheiro, quando tinha, para receber atenção. Agia pouco, pensava muito.
Depois de uma “longa” passagem pela terra do homo sapiens, em muitos momentos, a criança não saiu de suas atitudes e do pensar, nem a adolescência quando das incertezas, muito menos na fase adulta bajulador de fé e a busca de paixões, o homo sapiens nunca teve totalmente numa única fase, porque elas estiveram sempre nos seus gestos e na alma.
Mas ele nunca percebeu o planeta além dos seus próprios medos e interesses materiais e de alma. Nunca entendeu a importância dos mares, das florestas e de cada animal que existe nos ecossistemas. Jamais quis saber do universo que representa os outros seres vivos na terra. A vida dele era sempre um olhar para si mesmo e para a família.
Ele morreu dias depois do agravamento da Covid-19 sem nunca perguntar a si mesmo aonde quer chegar o homo sapiens na Terra? Qual o sentido em tudo que fazemos? Por que da destruição do planeta e de outras formas de vida? Homo sapiens é o grande problema do nosso planeta? Esse Ser somente entendeu o mundo a partir dos problemas e dos dilemas da própria espécie.
Antes de morrer, enviou um recado ao seu filho, que tem o mesmo nome dele, pedindo a ele que seguisse o caminho do pai. O filho até hoje passa pelas fases de medos, de afirmações e de busca de bens materiais e momentos de felicidades. E assim a espécie homo sapiens segue sem as preocupações sobre aonde quer chegar a civilização humana.
*Carlos Santiago – Sociólogo, Analista Político, Advogado e Membro da Academia de Letras e Culturas da Amazônia.