Fundada em 2012 no Pará, a Gaudens aposta no cacau cultivado por agricultores da região Amazônica e na diversidade de ingredientes nativos da floresta - Foto: Divulgação

Fundada em 2012 pelo chef chocolatier Fabio Sicilia, um mineiro que cresceu no Pará e vive na capital do estado, a marca de chocolates de alta qualidade Gaudens aposta no cacau cultivado por agricultores da região Amazônica e na diversidade de ingredientes nativos da floresta para fazer seus produtos.

Fábio, que já era proprietário de um tradicional restaurante italiano da cidade, o Famiglia Sicilia, resolveu se aventurar no mundo do chocolate em 2003 após voltar de um curso superior de gastronomia na Itália.

“Eu me toquei que, em Belém, não se falava em cacau, apesar de o Pará ter o município com a maior produção de cacau do Brasil, Medicilândia. Até então, eu não lembrava que o fruto era nativo aqui da Amazônia e que, só depois, foi levado para a Bahia”, conta Sicilia.

Atualmente, segundo o IBGE, o Pará é o segundo maior produtor de cacau do Brasil, com 138,47 mil toneladas, um pouco atrás da Bahia, com 139 mil toneladas.

Sicilia começou a produção, com sua primeira marca, a Amazônia Cacau, utilizando os conhecimentos dos cursos de gastronomia e aqueles aprendidos com os ribeirinhos. “Meus primeiros experimentos foram no pilão”, lembra.

Em 2015, em busca de aprimoramento, o empresário, que é filho de um italiano de Licata, na Sicília, e de uma mineira, fez o curso de chocolatier na escola Lenôtre, em Paris, mas não encontrou o que estava procurando, que eram as técnicas de fabricação de chocolate.

Foi aí que ele teve a ideia de fazer um estágio em uma indústria italiana que fabricava maquinário para produzir chocolate.

“O curso ensinava como fazer a máquina e como ela funcionava e foi assim que eu consegui aprender os segredos da fabricação de chocolate. Aliando isso à criatividade e à biodiversidade amazônica, foi o nosso boom.”

Nos chocolates da Gaudens, há misturas com açaí, bacuri e cupuaçu, além do chocolate branco com cumaru, conhecido como “baunilha da Amazônia”. A Cripioca, criação premiada pela Academia do Chocolate de Londres, substitui os flocos de arroz pela farinha de tapioca, típica da região.

A marca fabrica ainda doces de bacuri e cupuaçu no pote e um produto que virou estrela da marca, o Castella. Trata-se de um creme de cacau com castanha-do-pará, totalmente vegano.

“Ele já foi chamado de Nutella brasileira, mas o nosso não tem leite nem gordura de palma, e usamos pouco açúcar, que é demerara e orgânico”, explica o criador.

O Castella tem sua versão licor, que ganhou recentemente uma garrafa de cerâmica com desenhos rupestres de Monte Alegre, cidade do oeste paraense.

Mas a novidade, lançada no ano passado, é a linha Insignis, que, no lugar do cacau, usa sementes de cupuaçu. “É uma inovação da Gaudens. Parece que tem leite, mas não tem. Usamos apenas a semente e açúcar”, explica.

Em algumas barras, Sicilia adicionou sabores como açaí e chai, o famoso chá indiano com especiarias, como gengibre, canela e cardamomo. Esse fez tanto sucesso que o dono de um restaurante indiano vegano e vegetariano da cidade, o Govinda, pediu para colocar o nome do estabelecimento na embalagem para venda no local.

“A Gaudens foi a primeira empresa na América Latina a obter um certificado vegano por análise de DNA”, afirma Sicilia. O processo foi todo realizado pela BioTec-Amazônia, um centro de inteligência em bioeconomia de Belém.

Os produtos da Gaudens são vendidos na loja da capital paraense, anexa ao restaurante da família, e em estabelecimentos de cidades como Manaus e Foz do Iguaçu, além de online.

Agricultura familiar

Uma preocupação de Fabio Sicilia é promover a agricultura familiar na Amazônia, que contribui para a geração de renda e a preservação da floresta. Ele adquire as amêndoas já fermentadas de pequenos e médios produtores de municípios paraenses, como Medicilândia, Brasil Novo, Uruará, Castanhal e Barcarena.

Um deles é Ivan Dantas Ferreira, 67, que trabalha com a mulher e os três filhos na lavoura de cacau de 70 hectares. “Eu planto cacau desde 1977, sou apaixonado por isso”, disse em entrevista ao Ecoa, por telefone, do seu sítio, em Medicilândia.

Ivan conta que fornece cerca de 50 kg de cacau fermentado por mês para a Gaudens, a um valor de R$ 70 por quilo. “O fato de trabalhar para o Fabio acabou levando meu nome para outros lugares. E, com isso, pequenas fábricas de fora do estado começaram a me procurar, aumentando a minha renda. E tive a felicidade de ganhar alguns prêmios como melhor amêndoa do Brasil.”

Além da venda direta, Ivan comercializa o cacau por meio da Coopatrans (Cooperativa Agroindustrial da Transamazônica), de Medicilândia, que reúne cerca de 40 agricultores familiares e tem sua própria fábrica e marca de chocolate, a Cacauway. A cooperativa tem, entre suas missões, a conservação da floresta e a fixação das famílias no campo.

Para Jesus Nazareno Silva de Souza, professor doutor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da UFPA (Universidade Federal do Pará), marcas como a Gaudens fortalecem a bioeconomia na Amazônia.

“Só o fato de estar na região, produzindo um chocolate de qualidade, já é de grande relevância. E é de suma importância para a bioeconomia porque a produção de cacau amazônico é centrada na agricultura familiar. Normalmente, são lotes pequenos”, afirma.

Ele ressalta que a Gaudens trabalha com o sistema “bean-to-bar”, que permite que o chocolateiro controle cada etapa do processo, da seleção das amêndoas ao produto final. “Ele mesmo compra o cacau e transforma em chocolate. Há ainda empresas que são ‘tree-to-bar’, que cultivam o cacau e produzem o chocolate.”

Souza destaca o sistema agroflorestal, comum na cultura cacaueira, como uma forma de preservar o meio ambiente. “O cacaueiro é uma planta cuja melhor produção é à sombra, com uma vegetação auxiliar. Na Bahia, eles produzem no sistema cabruca, que é dentro da floresta. Aqui mesmo, no Pará, temos o exemplo do cacau de várzea, também na floresta. E a Ceplac (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira) tem incentivado, cada vez mais, esse sistema na Amazônia.”

Bombonzeiras

Além de comandar a marca Gaudens, Fabio Sicilia realiza trabalhos sociais, levando conhecimento e técnicas de aprimoramento para pequenos fabricantes de chocolate do Pará e da Amazônia. Um desses projetos é com as tradicionais “bombonzeiras”, que fazem as guloseimas com recheio de frutas amazônicas, como cupuaçu e bacuri.

“Em 2016, eu me rebelei. Eu não aguentava mais ver bombom feito com gordura hidrogenada. Eu acho isso inadmissível na terra do cacau”, conta o empresário.

Então ele reuniu um grupo de 16 dessas profissionais e ministrou aulas de confeitaria fina, cálculo de custo e precificação, além de fornecer para elas chocolate de qualidade.

“Quando elas calcularam o preço do bombom, ficaram desesperadas, pois saltou de R$ 2 para R$ 6”, lembra. “Mas, no final, mesmo com o preço mais alto, passaram a vender mais.” Como resultado do projeto, batizado de Amazon Candy, está em fase de criação a associação Bombons Finos do Pará visando a exportação dos produtos.

*Com informações de Uol