Árvore caída por causa de tempestade em São Paulo - Foto: Defesa Civil de SP / Divulgação
Árvores malcuidadas, manejo e infraestrutura inadequados, falta de informações sobre a saúde da cobertura vegetal, de planejamento na escolha das espécies e do local de plantio. O caos que milhões de moradores de São Paulo viveram com um apagão que durou dias, ainda não totalmente resolvido, começou com ventos de até 98 km/h, no dia 10 deste mês, mas o problema é maior e bem mais antigo. Resolvê-lo, só com investimentos e tecnologia, dizem especialistas.
Para o biólogo e professor Giuliano Maselli Locosselli, do Cena-USP (Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo), a prefeitura tem técnicos capazes de fazer o trabalho de monitoramento e prevenção, mas não em número suficiente. “Fica evidente a necessidade de a Prefeitura de São Paulo fazer um investimento significativamente maior na contratação de pessoal especializado e no uso e desenvolvimento de tecnologias mais modernas, para que seja possível minimizar esses problemas”.
De acordo com o Corpo de Bombeiros, as quedas de árvores foram o motivo de quase 2.000 chamadas na Região Metropolitana entre os dias 10 e 11 de dezembro. Essa foi boa parte do problema que afetou as redes de energia elétrica, deixou a cidade às escuras e foi a causa de ao menos três mortes.
Os reflexos do vendaval na cidade foram sentidos do abastecimento de água à operação de aeroportos, com dezenas de voos cancelados. De acordo com a Fecomércio-SP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), os prejuízos ultrapassaram R$ 2 bilhões.
Na prática, mais um início de verão que traz um lembrete que se torna maior e mais urgente a cada ano: São Paulo vive um impasse climático/ambiental. Mais de 24 horas após a queda das primeiras árvores e do início do apagão, cerca de 2 milhões de residências estavam sem fornecimento de energia. Na sexta-feira, ainda eram mais de 1,2 milhão, situação que aumentou ainda mais a insatisfação da população com Governo do Estado, Prefeitura de São Paulo e, principalmente, a concessionária Enel, responsável pelo serviço.
Em setembro, mais de 400 mil endereços já haviam ficado sem energia durante uma forte chuva na cidade. Em outubro de 2024, o número chegou a 1,4 milhão de clientes da empresa em um apagão que durou dias em diferentes pontos da cidade.
Multada em R$ 14 milhões pelo Procon, a multinacional de origem italiana também entrou na mira da Justiça de São Paulo que estabeleceu prazos para o restabelecimento da energia e valores de autuação em caso de descumprimento da ordem.
Eventos extremos
Especialistas convergem em alguns pontos. O primeiro: é impossível um vendaval de 98 km/h não causar estragos. No entanto, há medidas que, se não eliminam o impacto dos eventos extremos — cada vez mais comuns e intensos com as mudanças climáticas —, podem reduzir o número de árvores que podem cair na cidade.
Segundo eles: a poda tecnicamente correta, calçadas e canteiros que não estrangulam as raízes das árvores, a escolha adequada de espécies e o monitoramento contínuo da saúde da cobertura vegetal da cidade.
De acordo com o botânico Ricardo Cardim, é difícil medir com precisão a saúde das árvores em São Paulo porque não há estudos consolidados sobre isso. No entanto, ele diz que há um “quadro crônico de abandono na arborização da cidade” e que a poda é um problema recorrente. “É muito comum ver árvores com podas de galhos grandes e com lesões. A poda correta é aquela poda de formação, que você faz em galhos jovens ainda pequenos”, diz.
Ele resume o padrão técnico da poda que evita cortes grandes e não cicatrizados por onde podem entrar fungos e bactérias, o que deixará a árvore doente, mais frágil e predisposta a quedas.
“Se está usando serrote, está fazendo a coisa certa. Quando usa a motosserra, começou a fazer a coisa errada.” afirma Ricardo Cardim, botânico.
Cardim ainda aponta outro problema: a presença de espécies inadequadas para o clima da cidade, resultado de plantios feitos sem orientação técnica. “São Paulo tem uma parte significativa da sua arborização que não foi plantada pela prefeitura, mas por cidadãos, como o caso da Ficus benjamina”, afirma. “Muitas das árvores que eu vi nas fotografias de árvores caídas, agora, nesses últimos dias foram de Ficus benjamina, uma espécie da Ásia que tem uma madeira fraca, inadequada para arborização urbana.”
Cidades estressantes
Se Cardim ressalta a poda mal feita e as espécies exóticas como uma vulnerabilidade, Locosselli lista outros fatores do ambiente urbano que afetam a cobertura vegetal.
“As cidades são tão estressantes para as árvores quanto elas são para nós.” afirmou Giuliano Maselli Locosselli, biólogo e professor do Cena-USP.
Segundo ele, outros pontos sensíveis são a repetição de eventos extremos que podem causar fragilidade nas árvores e a disputa por espaço entre as copas e a rede elétrica aérea, o que costuma levar a intervenções agressivas. “Existem normas que precisam ser respeitadas, distâncias mínimas dos galhos para a fiação. Isso coloca em risco o equilíbrio da árvore, a estrutura mecânica. É um tiro que sai pela culatra”, afirma. “Não é culpa da árvore, é culpa do manejo não adequado dessa arborização”.
O investimento em pesquisa e tecnologia é fundamental para encarar o problema, diz Locosselli. “Estamos monitorando, hoje, 100 árvores na cidade de São Paulo, 50 dentro do Parque Ibirapuera, 50 nas ruas do entorno para conhecer a fisiologia dessas árvores, como ela se relaciona com o ambiente”, afirma. “Avaliamos a microbiota do solo, as bactérias e fungos que podem trazer benefícios, assim como doenças, para que a gente possa chegar ao ponto de propor um sistema de manejo mais eficiente.”
Professor do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da USP e vice-diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP, Marcos Buckeridge lembra que o solo encharcado aumenta a fragilidade da árvore. “Primeiro, tivemos chuva muito forte durante todo o dia e a noite e depois o vento veio muito forte. Isso aumentou a vulnerabilidade.” Ele vê risco de repetição se não houver revisão do planejamento urbano. “Há, certamente, um novo padrão estabelecido”, diz.
Buckeridge reforça a lógica de compatibilidade entre espécie, espaço e infraestrutura. O plano municipal de arborização tem uma lista ampla de espécies, principalmente nativas da região de São Paulo. “A estrutura das árvores deve ser levada em conta para o plantio na cidade. Iremos literalmente ‘colher’ o que plantarmos. Se escolhermos espécies com raízes mais robustas, teremos menos problemas no futuro. O mesmo vale para como e onde plantamos”, afirma.
O entorno importa
Padrões espaciais são aspectos relevantes nas quedas de árvores em São Paulo. Professor do Cena, Locosselli é autor de um artigo publicado na revista Urban Forestry & Urban Greening. A pesquisa analisa um conjunto amplo de dados sobre quedas de árvores na cidade. O estudo avaliou 26.616 registros em 96 distritos, de 2013 a 2021, para identificar padrões espaciais e urbanos associados ao risco.
Os resultados mostram que fatores ligados à morfologia urbana, especialmente a altura dos prédios no entorno e a idade dos bairros, têm peso maior no risco de queda do que as características das árvores, como altura ou espécie. Ruas e avenidas cercadas por edificações com cinco ou mais andares tiveram o dobro da média de quedas em comparação com o resto da cidade.
O risco também aumenta para árvores com mais de 9,58 metros e em calçadas planas, enquanto áreas mais novas e com construções mais baixas têm 37% menos ocorrências. No período, São Paulo perdeu cerca de 4% de suas 652 mil árvores urbanas, com forte desigualdade territorial: de 0,59% no extremo sul a 17% na região central.
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