Gabriel Galípolo apresentou dados sobre a economia - Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom / Agência Brasil

A apresentação feita pelo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, na Fundação FHC, mostrou um conjunto de dados que ajudam a entender por que a taxa básica de juros, a Selic, pode permanecer em patamar elevado por um período mais longo do que o previsto.

Os slides exibidos na ocasião reuniram informações sobre inflação, mercado de trabalho, crédito e expectativas — e sinalizam que, do ponto de vista técnico, as condições para novos cortes ainda não estão dadas.

O documento distribuído durante o evento traz uma leitura concentrada em três pontos:

  • inflação resistente;

  • núcleos em níveis elevados;

  • e expectativas desancoradas.

Esses elementos, que têm impacto direto nas decisões do Copom (Comitê de Política Monetária), indicam que a trajetória de redução dos juros tende a ser interrompida até que se observe uma convergência mais consistente dos preços.

Segundo os dados apresentados, o IPCA-15 de setembro acumulou alta de 5,32% nos últimos 12 meses, e a média dos núcleos de inflação — que excluem itens mais voláteis — ficou em torno de 5,09%. Ambos os números estão acima do centro da meta de 3% estabelecida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional).

Os núcleos servem como um termômetro da persistência inflacionária porque refletem movimentos mais estruturais da economia. Entre os componentes destacados, o núcleo de alimentos alcançou 10,0%, e o de serviços subjacentes chegou a 6,7% no mesmo período.

Esses indicadores ajudam a explicar por que o Banco Central tem adotado cautela em relação a cortes adicionais da Selic.

O economista Leonardo Ramos explica ao Portal iG que a elevação dos núcleos costuma indicar que a inflação se disseminou por diferentes setores e tende a demorar mais a ceder.

“Quando o núcleo sobe, é sinal de que as pressões não vêm apenas de choques pontuais, mas de mecanismos internos da economia, como reajustes de contratos e de salários” , afirma.

Esse comportamento também afeta a credibilidade da política monetária. Quando a inflação se mostra resistente, o Banco Central precisa manter uma taxa de juros mais alta para tentar conter o avanço dos preços e, ao mesmo tempo, preservar a confiança dos agentes econômicos em sua capacidade de manter o controle inflacionário.

Expectativas acima da meta

Além dos dados correntes de inflação, os slides apresentados por Galípolo mostraram que as expectativas de inflação para os próximos anos seguem acima do centro da meta.

Nas projeções de mercado, as estimativas para 2025, 2026 e 2027 ainda não convergiram para o nível desejado.

A desancoragem das expectativas é um ponto central na comunicação do Banco Central. Quando empresas, famílias e investidores esperam inflação mais alta no futuro, seus contratos, preços e salários passam a ser negociados com base nessas previsões. Isso cria um ciclo que tende a reforçar as pressões inflacionárias.

Foto: Divulgação / Casa da Moeda

Segundo Ramos, a função da autoridade monetária é evitar que esse processo se consolide.

“Com expectativas desancoradas, o BC perde capacidade de induzir um retorno rápido da inflação para a meta. Por isso, tende a priorizar a recomposição dessa ancoragem antes de qualquer movimento de afrouxamento monetário” , explica.

Outro fator destacado na apresentação foi o comportamento do mercado de trabalho. Os dados indicam taxa de desemprego em patamar baixo e crescimento real da renda das famílias.

Esse cenário mantém a demanda por bens e serviços em nível elevado, contribuindo para a persistência da inflação, especialmente nos segmentos menos sensíveis a importações, como o de serviços.

A massa salarial e o rendimento real do trabalho aparecem, nas séries mostradas, próximos das máximas históricas.

Essa combinação favorece o consumo e sustenta pressões de preços em setores que dependem da demanda doméstica, como habitação, alimentação fora do domicílio e serviços pessoais.

Para Ramos, esse é um dos principais obstáculos a uma queda mais rápida dos juros.

“Com o mercado de trabalho aquecido, a política monetária precisa de tempo para produzir efeitos. Reduzir a Selic prematuramente poderia reacender o consumo e dificultar o processo de desinflação” , afirma.

Selic e credibilidade

A taxa Selic é o principal instrumento utilizado pelo Banco Central para controlar a inflação. Quando a taxa é elevada, o crédito encarece, o consumo tende a desacelerar e a pressão sobre os preços diminui.

O contrário também é verdadeiro: cortes nos juros estimulam o consumo e os investimentos, o que pode acelerar a economia, mas também reaquecer a inflação.

Na atual conjuntura, a autoridade monetária precisa equilibrar esses efeitos. A decisão de manter ou reduzir a Selic não se baseia apenas nos números presentes, mas também na trajetória esperada para os próximos trimestres.

Os slides de Galípolo sugerem que, por ora, o cenário base é de estabilidade. Mesmo que parte das variáveis mostre desaceleração pontual, a leitura técnica é que ainda não há consistência suficiente para indicar uma reversão sustentada da inflação.

Foto: Rodrigo Oliveira / Caixa Econômica Federal

A apresentação também destacou elementos externos que influenciam o comportamento dos preços. Um deles é o papel da China, que continua exportando deflação, o que pode aliviar os custos de importação em alguns segmentos.

No entanto, as importações em patamares elevados e o aumento de gastos com viagens indicam que parte da demanda permanece firme, impulsionada pelo consumo das famílias.

No mercado interno, o crédito apresentou retração em algumas modalidades, refletindo ajustes nas regras de concessão e no comportamento das instituições financeiras. Mesmo assim, o consumo ainda mostra resistência, sustentado pelo emprego e pela renda.

Esses fatores combinados explicam por que o Banco Central vê mais riscos no afrouxamento monetário do que na manutenção dos juros.

A prioridade, neste momento, é evitar que as expectativas continuem se distanciando da meta e comprometam o processo de convergência da inflação.

O núcleo de alimentos e sua influência

Entre os componentes analisados, o núcleo de alimentos recebeu destaque. O indicador, que exclui itens voláteis como hortaliças e frutas, apresentou alta de 10,0%.

O dado sugere que as pressões sobre os preços dos alimentos não decorrem apenas de fatores sazonais, mas de custos estruturais ligados à produção e à distribuição.

Ramos observa que o comportamento desse núcleo tem impacto direto sobre a inflação percebida pelas famílias.

“Alimentos são itens de consumo essencial e sua variação afeta diretamente as expectativas de inflação futura. Quando até os núcleos de alimentos sobem, o ajuste monetário tende a ser mais demorado” , diz.

Ao apresentar esses dados publicamente, Galípolo reforçou o papel da transparência na política monetária.

O Banco Central tem procurado sinalizar ao mercado que suas decisões seguem critérios técnicos, ancorados em evidências e projeções de médio prazo. Essa comunicação é vista como parte do esforço de preservar a credibilidade institucional.

Fachada do Banco Central do Brasil – Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

A coerência entre discurso e ação é um elemento central na condução da política monetária. Caso o BC reduza os juros em um momento de inflação resistente e expectativas elevadas, corre o risco de perder parte da confiança dos agentes econômicos, o que poderia elevar a volatilidade dos preços e do câmbio.

Por isso, a tendência é de prudência. O Copom, que se reúne periodicamente para revisar a Selic, deve aguardar sinais mais claros de desaceleração dos núcleos e de reancoragem das expectativas antes de retomar os cortes.

Cenários possíveis para os próximos meses

Com base nas informações apresentadas, é possível delinear três cenários.

  • O primeiro é o cenário base, considerado o mais provável: a Selic permanece estável nas próximas reuniões, até que os dados indiquem queda consistente da inflação e melhora nas expectativas.

  • O segundo é o cenário favorável, no qual a inflação de serviços e alimentos recua de forma mais rápida, as expectativas se alinham à meta e o Banco Central passa a avaliar reduções graduais da taxa no médio prazo.

  • Por fim, há o cenário adverso, em que os núcleos permanecem elevados, as expectativas seguem desancoradas e novos choques de custos, internos ou externos, podem levar a um prolongamento da política monetária restritiva.

Para Ramos, a decisão do BC tende a se orientar por um princípio básico: só cortar juros quando houver evidência de que a inflação está em trajetória sustentável de queda.

“A autoridade monetária precisa ver séries consistentes, não ruídos. Se relaxar antes da hora e a inflação resistir, o custo em termos de confiança e estabilidade de preços pode ser alto” , avalia.

Nesse contexto, o próximo ciclo do Copom será, sobretudo, um teste de paciência. A política monetária opera com defasagens — seus efeitos sobre o consumo e os preços demoram meses para se materializar. Isso significa que decisões tomadas agora só produzem impacto pleno ao longo deste ano.

*Com informações de IG