Os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), votaram hoje pela condenação de Jair Bolsonaro (PL) e mais sete aliados por envolvimento em trama golpista para manter o ex-presidente no poder após a derrota nas eleições de 2022. Eles serão condenados se a Primeira Turma tiver ao menos três votos favoráveis a isso. O julgamento volta amanhã, com o voto de Luiz Fux.
Moraes foi o primeiro a votar. Como relator da ação penal, ele apresentou o seu voto hoje. Em sua manifestação, ele rebateu todos os argumentos das defesas, que questionaram o andamento da ação penal e sua atuação.
Na sequência, votou Dino e concordou com Moraes. Ele disse que houve violência e atos executórios, não só de preparação. Ele ainda mandou um recado ao Congresso e disse que não cabe anistia a esses tipos de crimes. Também indicou que deve diminuir a pena para alguns réus por ver “menor importância” na atuação deles. São o deputado federal Alexandre Ramagem e os generais Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira.
Amanhã vêm Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Três votos formam maioria na Primeira Turma. O tempo de pena de cada réu será definido ao final do julgamento nos casos em que houver condenação. A Turma deve separar o último dia de julgamento para isso.
Como foi o voto de Moraes
Moraes diz que todos os crimes apontados pela PGR foram provados. Ele concordou com a acusação e afirma que os atos golpistas de 8 de janeiro foram a “conclusão” do plano golpista que vinha sendo tramado pela organização criminosa desde 2021. “O réu Jair Messias Bolsonaro exerceu a função de líder da estrutura criminosa e recebeu ampla contribuição de integrantes do governo federal e das Forças Armadas, utilizando-se da estrutura do Estado brasileiro para a implementação de seu projeto autoritário de poder, conforme fartamente demonstrado nos autos.”
Ministro reforçou os atos executórios dos crimes. Em mais de quatro horas de voto, ele não detalhou a culpa de cada um dos réus especificamente, mas descreveu todos os fatos que entendeu serem criminosos.
Moraes ressaltou a liderança de Bolsonaro nos atos executórios pela tentativa de golpe. Ele se referiu ao ex-presidente como líder toda vez que menciona provas ou trechos da denúncia envolvendo Bolsonaro. “Não há nenhuma dúvida da ocorrência de reuniões do réu Jair Messias Bolsonaro com comandantes das Forças Armadas, entre outras pessoas, para discutir a quebra da normalidade constitucional.”
Ele também disse não haver dúvida de que houve uma tentativa de golpe. “Esse julgamento não discute se houve ou não tentativa de golpe, de abolição do Estado de Direito. O que discute é a autoria, porque não há nenhuma dúvida, depois de todas as condenações e acordos de não persecução penal, de que houve uma tentativa de golpe e organização criminosa que gerou dano ao patrimônio público.”
Moraes disse que Bolsonaro fez uso de estratégia de milícias digitais para espalhar fake news sobre urnas eletrônicas. Segundo ele, Bolsonaro incentivou milícias digitais com lives que divulgavam desinformação de forma massiva para atentar contra os Poderes constituídos. De acordo com o ministro, o ex-presidente atentava contra o Poder Judiciário com o objetivo de manter seu grupo no poder. “Exatamente o mesmo discurso utilizado por aqueles que foram presos em 8 de janeiro de 2023”, diz Moraes sobre discurso de Bolsonaro em live de julho de 2021 criticando as urnas.
Ministro destaca a atuação de uma organização criminosa. Para Moraes, o ex-presidente utilizou os cargos de auxiliares, como Anderson Torres, então ministro da Justiça, e Augusto Heleno, então ministro do GSI e general quatro estrelas do Exército, para atacar as urnas e pressionar Forças Armadas. “Isso não é uma mensagem de um delinquente do PCC para outro. É uma mensagem do diretor da Abin para o então presidente da República”, afirmou Moraes ao ler anotações de Alexandre Ramagem questionando as urnas eletrônicas.
“Demonstrando, da mesma forma que na sequência o réu [o ex-ministro da Defesa] Paulo Sérgio [Nogueira] afirma, estão em guerra com a Justiça Eleitoral. A Justiça Eleitoral e o Tribunal Superior Eleitoral eram o inimigo a ser vencido, o inimigo a ser derrubado, o inimigo a ser extirpado. Ou seja, os atos executórios para isso configuram e consumam o quê? O crime imputado pela Procuradoria-Geral da República.”
“Nós estamos esquecendo aos poucos que o Brasil quase volta a uma ditadura, que durou 20 anos, porque uma organização criminosa foi constituída por um grupo político que não sabe perder as eleições.”
“Chame-se, eu repito, como quiser. Estado de sítio, Estado de defesa, fora da hipóteses constitucionais, é golpe. Há alegação de ‘Se eu pretendesse dar o golpe, convocaria o Conselho da República’. Novamente, é a desqualificação da inteligência alheia. Quem pretende dar o golpe, dá o golpe, como se pretendeu aqui e se tentou.” afirmou Alexandre de Moraes, relator e ministro do STF.
O que Moraes disse sobre os outros réus
Moraes implicou cada um dos 8 réus nos crimes. Ele disse haver “excesso de provas nos autos”.
Ex-chefe da Abin ajudou com monitoramentos e fake news. Segundo Moraes, o papel de Alexandre Ramagem foi de uso indevido da agência para difundir e produzir fake news eleitorais, além de monitorar autoridades, como ministros do STF. Já Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, usou a PRF (Polícia Rodoviária Federal) para obstruir votações.
Ele defendeu a delação de Mauro Cid. O tenente-coronel, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, esteve presente em vários eventos descritos no voto de Moraes. Ele ressaltou o uso de informações do delator na denúncia, mas também o condenou.
Moraes mostrou as anotações encontradas pela PF do réu Augusto Heleno. “Não é razoável achar normal um general do Exército, general quatro estrelas, ministro do GSI [Gabinete de Segurança Institucional], ter uma agenda com anotações golpistas, uma agenda preparando execução de atos para deslegitimar as eleições, o Poder Judiciário e se perpetuar no poder”, afirmou. Segundo o ministro, a agenda encontrada na casa do general mostra a “utilização de órgãos públicos” para monitorar adversários políticos.
Atuação de Bolsonaro sobre relatório feito sobre urnas. O ex-presidente determinou que o ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, que também é réu na ação, emitisse uma nota ao final do processo “tentando disfarçar a conclusão das próprias Forças Armadas”, visando “manter a chama do discurso das fraudes nas eleições e impedir a posse do presidente e do vice regularmente eleitos”, afirmou Moraes. Ele chamou a nota de “esdrúxula” e “criminosa”.
Braga Netto é apontado como um dos líderes da organização criminosa ao lado do ex-presidente. Segundo Moraes, ele seria o contato com os acampamentos golpistas. Ainda teria aprovado e financiado o plano “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o assassinato de autoridades. Em depoimento, Mauro Cid afirmou ter recebido dinheiro do general em uma sacola de vinho para financiar as ações.
Ele citou almirante que aderiu à tentativa de golpe. Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, colocou tropas à disposição de Bolsonaro e fez “mancha histórica” ao aderir ao golpe.
O que dizem acusação e defesa
A PGR pediu a condenação de todos os denunciados. Em manifestação na semana passada, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou que os acusados fizeram uma série de eventos que, encadeados, mostram que é “nítida a organização criminosa”. Segundo ele, todos os denunciados colaboraram, na parte a que coube cada um, para formatar uma tentativa de golpe. Por isso, afirmou, “todos os personagens” do processo são responsáveis pelos eventos e “se concatenam entre si”.
Defesa de Bolsonaro negou golpe. Na quarta passada, os advogados do ex-presidente disseram que ele “foi dragado” para os eventos do 8 de Janeiro. O criminalista Celso Vilardi repetiu as teses de que a delação premiada de Mauro Cid teve “vício de vontade” e deveria ser anulada e que o ex-presidente autorizou sua equipe a tocar a transição de governo com a equipe de Lula no final de 2022. Também negou a tentativa de golpe, dizendo que Bolsonaro atuou sempre dentro da lei.
Vilardi disse que ocorreu uma “sucessão inacreditável de fatos” durante a investigação da PF. Para o advogado, o processo teve como “epicentro” a delação de Mauro Cid e a minuta golpista, encontrada pelas autoridades. “O Ministério Público sequer fez prova sobre o crivo do contraditório a respeito desses fatos. Não há prova”, argumentou.
É a primeira vez que o STF julga um ex-presidente da República por tentativa de ataque à democracia. A denúncia foi apresentada em fevereiro pela PGR. O julgamento foi acelerado com o fatiamento da ação em cinco núcleos.
Os crimes pelos quais os réus respondem no STF
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Organização criminosa armada,
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Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito,
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Tentativa de golpe de Estado,
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Dano qualificado pela violência e grave ameaça e
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Deterioração de patrimônio tombado.