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Histórias diferentes de vida, interrompidas por uma mesma tragédia, conduzem as crônicas biográficas de Luís Carlos Valois em ‘Apocalipse Penitenciário: histórias de vidas e mortes censuradas’. O livro, escrito como uma espécie de registro do massacre que chocou o Brasil em 2017, será lançado nesta quinta-feira (21), às 19h, no Casarão de Ideias, na Rua Barroso, 279, Centro.

A obra é resultado de sete anos de pesquisas em processos jurídicos e uma série de entrevistas com familiares e amigos de todos os 56 detentos mortos na maior rebelião do sistema prisional brasileiro, causada pelo enfrentamento de duas facções em disputa por territórios de venda de drogas em Manaus. Foram horas de conflito e barbárie no superlotado Complexo Penitenciário Anísio Jobim, o Compaj, no primeiro dia de 2017, que ganharam repercussão até na imprensa internacional.

“A morte de presos em circunstâncias inaceitáveis não é novidade num país que não tem programas nem tampouco objetivos bem definidos para o sistema carcerário. Todo e qualquer relato desse abandono, desse caos, sempre vai parecer denúncia, mas não tem nada de novidade nessa denúncia”, lamenta Luís Carlos Valois que, na época da rebelião, atuava como juiz da Vara de Execução Penal do Amazonas e participou de forma decisiva nas negociações para libertação de carcereiros e funcionários mantidos como reféns.

São 55 crônicas escritas a partir de depoimentos tão comoventes quanto impactantes sobre a personalidade, trajetória e sonhos de cada um dos detentos assassinados, com a única exceção de um capítulo dedicado a dois irmãos, presos e mortos juntos no Compaj. A partir das entrevistas, o autor conta que acrescentou suas próprias impressões sobre a história de cada personagem, muitos deles já conhecidos do juiz Luís Carlos Valois por prerrogativas da própria função que exigia visitas constantes ao complexo penitenciário.

Valois lembra que começou a pensar no livro poucos dias depois da tragédia. “Eu precisava mostrar que não eram números ou estatísticas apenas. Eram seres humanos, alguns sem qualquer ligação com o tráfico de drogas, que tiveram suas vidas interrompidas de forma brutal e deixaram órfãos as mães, filhos, esposas e amigos. Eu precisava contar essa história de um jeito humanizado. Acho que consegui cumprir esse propósito”, afirma lembrando a contribuição de vários profissionais que integraram o grupo de pesquisa responsável pela captação das entrevistas.

O livro

As crônicas biográficas desta terceira obra de Luís Carlos Valois fazem parte de um projeto de pesquisa do seu pós-doutorado em Criminologia na Universidade de Hamburgo, na Alemanha.

“Procurei mesclar a pesquisa, as entrevistas, com a minha própria experiência, meus conceitos e estudos. O resultado chamo de crônicas biográficas, porque tem muito de crônica, de vida, de morte, junto com ciência e reflexões sobre tudo isso. Tem, acima de tudo, liberdade na escrita e humanização das vítimas, correndo todos os riscos de ser uma obra que se afasta do conceito clássico de ciência. Nesse ponto, só tenho a agradecer ao professor Sebastian Scheerer, da Universidade de Hamburgo, pela liberdade e apoio que deu ao trabalho”, diz Valois.

A editora mineira D’Plácido, que também lançou “O Direito Penal da guerra às drogas” e “Processo de Execução Penal: o estado de coisas inconstitucional”, outros títulos de Luís Carlos Valois, assina a edição de ‘Apocalipse Penitenciário: histórias de vidas e mortes censuradas’ que já foi lançado em Belo Horizonte e tem agendas para São Paulo, em junho, e Rio de Janeiro, em setembro.

Sobre o autor

Luís Carlos Valois é mestre e doutor em Direito Penal e Criminologia pela Universidade de São Paulo (USP). Também é professor de Direito Penal e Execução Penal e Presidente da Comissão de Política de Drogas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, membro da Academia de Letras e Ciências Jurídicas do Amazonas, membro da Associação de Juízes para Democracia e porta-voz da Law Enforcement Against Prohibition – LEAP Brasil (Agentes da Lei Contra a Proibição).

Referência no trabalho em defesa dos direitos humanos, inclusive os que estão atrás das grades, o autor atuou por 29 anos na 1ª Vara de Execução Penal do Tribunal de Justiça do Amazonas e, durante a rebelião em Manaus, ajudou a negociar a libertação de reféns no Compaj. Em 2024, deixou a VEP e assumiu a titularidade da 9ª Vara Cível e de Direitos do Trabalho, após vencer a disputa por critério de antiguidade. Ao falar sobre a conclusão do livro e o legado que deixa na garantia dos direitos dos presos do Amazonas, o juiz diz que é o fim de um ciclo.

“Depois daquela rebelião eu sabia que não podia mais continuar trabalhando no mesmo local. Não sei explicar o porquê, talvez alguma espécie de trauma, mas continuar visitando o local da chacina semanalmente era muito difícil. Assim, o fim do livro coincidiu com minha mudança de área de atuação na justiça, hoje não sou mais um juiz criminal. Tenho como um encerramento de ciclo, que não seria completo sem terminar o livro também. É um legado, uma espécie de manifesto de luto que, com o livro, penso estar encerrado”, revela Valois.

Por Márcia Costa Rosa