Mercado Ver-o-Peso, cartão postal de Belém, passa por obras para sediar a COP30 (Foto: Reprodução)

“Já vai se preparando, porque estão mexendo em tudo.” É assim que o motorista de aplicativo Diego Reis tem recebido os visitantes que desembarcam no Aeroporto Internacional de Belém em meio às obras para receber a COP30, conferência global do clima, em novembro. Com intervenções para todos os lados, este tem sido o clima dos moradores, que, entre o entusiasmo e o ceticismo, dizem que os preparativos mudaram o dia a dia da capital paraense.

São 38 grandes obras de infraestrutura na cidade, a um custo que ultrapassa R$ 7 bilhões. Entre investimentos federais, estadual e municipal, as incursões incluem construção de parques, reforma dos tradicionais mercados Ver-o-Peso e São Brás, obra de macrodrenagem, ampliação de avenidas e ações polêmicas que, sob a luz da conferência climática, acabam afetando exatamente o meio ambiente.

Entre a esperança e o ceticismo

“Aqui ainda não chegou”, afirma a dona de casa Maria de Fátima, moradora do Guamá, às margens do rio Tucunduba. A bacia tem sete dos 13 canais que estão sendo reformados ou construídos com investimentos da COP30. Segundo o governo estadual, dois já foram entregues e os outros cinco estão “avançados”, com previsão total de entrega para setembro. O investimento total no Tucunduba é de R$ 527 milhões.

À beira do rio, construções de taipa se misturam a lixo descartado, móveis abandonados e mato alto. Segundo Maria de Fátima, é assim desde que ela mora no local, há mais de 30 anos. “É aquilo: dizem que vão resolver e não resolvem. O cheiro é horrível e, quando chove, piora. Não sei se com esse evento vai mudar alguma coisa”, ela reflete à frente da sua casa com alvenaria exposta. “Mas apostaria que não, viu”, diz, rindo.

Os moradores de Belém se dividem entre a esperança das mudanças que um evento desta magnitude pode trazer à cidade e o ceticismo de que os benefícios se restrinjam a setores específicos —e privilegiados— da cidade.

O ambulante Geraldo Ramos está animado. Morador de Ananindeua (PA), cidade nos arredores de Belém, ele se desloca todos os dias até a região central da capital para vender eletrônicos e outros utensílios durante a semana e salgados que a mulher prepara, durante o final de semana. “Melhor coxinha de camarão com jambu que você vai comer em Belém”, ele garante.

O trajeto de cerca de 20 km que ele fazia entre 40 minutos e uma hora tem levado uma hora e meia por causa das obras, mas ele não reclama. “Se está tendo construção, é porque está mudando. Se está mudando, é porque vai melhorar, não é? Eu quero é que encha de turista, venha turista do mundo todo. É bom para todo mundo, não é?”, argumenta o vendedor, que junta dinheiro para trocar de carro e comprar uma fritadeira para a esposa.

Investimentos de mais de R$ 7 bilhões

A região em que Geraldo mais circula, entre o Ver-O-Peso e o Porto Futuro, está sendo remodelada. O prédio principal do mercado, símbolo da cidade, onde se compra peixe, camarão e carnes, está fechado e, para chegar até ele, é preciso transitar entre ambulantes pela rua, dado que parte da feira também está em construção.

Pavilhão do Brasil na COP29 em Baku, no Azerbaijão – Foto: Aziz Karimov / Reuters

A feira principal, com quase mil boxes de alimentação, já foi quase toda reformada, mas vendedores reclamam que a lona segue a mesma. O projeto é de gestão municipal, com investimento de R$ 66 milhões (R$ 60 milhões da Itaipu Binacional mais R$ 6 milhões da prefeitura).

A cerca de 1 km dali, do outro lado da Estação das Docas, o governo estadual está concluindo o Porto Futuro 2 e a Nova Doca. O primeiro, à beira do rio, deverá funcionar como um espaço de lazer e cultura: estão previstos Museu das Amazônias, Memorial da Navegação, guindastes reformados e transformados em mirantes, além de espaço para promoção de feiras. O investimento total é de R$ 586 milhões, via BNDES, com previsão de entrega para outubro.

As cifras são bilionárias. Embora não haja investimentos do Novo PAC (Programa de Aceleração ao Crescimento), a União é a principal financiadora: são cerca de R$ 4,7 bilhões nas obras, grande parte deles via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), com contrato de R$ 1,5 bilhão com o governo estadual, e a Itaipu, com R$ 1,3 bilhão. A Caixa Econômica também é uma das custeadoras.

O Parque da Cidade, que abrigará a conferência, é o maior símbolo das novas construções. Com quase tudo pronto, o local foi levantado sobre uma área de 500 mil m² de um antigo aeroporto. O espaço é dividido entre o prédio principal, que se tornará um local de eventos, áreas de esporte, lazer e descanso, com mais de 2.500 árvores.

O investimento previsto era de R$ 980 milhões, financiados pela Vale por meio do PEEP (Programa Estadual Estrutura Pará), uma parceria entre o governo estadual e a mineradora, mas a gestão não confirmou se o montante foi mantido. A parte final estrutura deverá ser montada só em outubro, sob responsabilidade da ONU (Organização das Nações Unidas), gerenciadora internacional do evento.

As mudanças já são sentidas no Aeroporto Val-de-Cans. Todo o terminal de passageiros está sendo reformado: as áreas de embarque serão triplicadas, e o salão principal, ampliado. Das esteiras de bagagem à área de desembarque, os passageiros circulam entre trabalhadores com capacetes, fios pendurados, placas de aviso e máquinas de construção. A ampliação da via de acesso tem gerado um trânsito significativo para chegar ao local, o que demanda paciência para pegar um táxi ou solicitar um carro de aplicativo.

A concessionária Noa (Norte da Amazônia Airports), responsável pelo Val-de-Cans, promete a entrega para a COP. “Inicialmente previsto para maio de 2026, o prazo de conclusão das obras foi antecipado para este ano após tratativas da concessionária junto ao governo federal”, afirmou a empresa. O total investido é de R$ 450 milhões.

Obras polêmicas

Os preparativos para o evento também guardam suas contradições. Para promover a mais importante conferência global sobre clima e sustentabilidade, governos federal e estadual programaram intervenções que acabaram tendo problema com a Justiça exatamente por ferirem o meio ambiente.

A ampliação da rua da Marinha, no Mangueirão, chegou a ser suspensa em maio pelo próprio governo estadual por cortar o Parque Ecológico Gunnar Vingren. O projeto visa ligar o bairro, onde fica o principal estádio da cidade, ao bairro da Marambaia, facilitando também a chegada ao aeroporto, e aumentar a rua de duas para seis vias.

Presidente Lula e governador do Pará, Helder Barbalho, em Brasília (Foto: Ricardo Stuckert)

O projeto foi retomado com algumas alterações, mas uma equipe de reportagem visitou a região, que pertence à Marinha do Brasil, e presenciou derrubada de árvores e desmatamento para a ampliação da via. Questionado, o governo estadual não se aprofundou no caso, mas justificou que a obra “vai beneficiar 215 mil pessoas que circulam pela região, melhorando a mobilidade de seis bairros”, e está prevista para ser entregue em setembro.

O governo federal também teve de suspender a licitação para a dragagem do Porto de Belém, orçada em R$ 210 milhões. Um parecer técnico da Semas (Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará) apontou “impactos ambientais significativos”, com danos à fauna e à flora local e até alteração na qualidade da água.

O objetivo era garantir o acesso de grandes navios para a COP30. A estadia em cruzeiros se tornou uma das alternativas para tentar sanar a crise de hospedagem que se anuncia na cidade, com sistema hoteleiro abarrotado e preços exorbitantes para aluguéis de casa e em aplicativos.

Esquenta na cidade e otimismo no governo

O governo do Pará defende a COP30 como um legado para a cidade. O governador Helder Barbalho (MDB) argumentou que, para conseguir investimentos como do BNDES e de Itaipu, o estado não só tinha de justificar as melhorias para a conferência como mostrar um planejamento duradouro para a capital. Com a criação de mais de 5.500 empregos diretos e indiretos, ele diz que o principal patrimônio ficará para o turismo.

“Não temos a expectativa de que Belém não continuará tendo problemas, não temos a expectativa de que a COP represente a solução de problemas históricos de todo centro urbano do Brasil. O que nós estamos construindo é: a oportunidade de ter um evento desta grandeza impulsionou o nível de investimentos em obras públicas e novas atividades econômicas para o estado. […] O turismo, que nunca foi agenda do Pará, passa a ser. Eu tenho convicção de que o caminho que nós estamos traçando permite que a referência à Amazônia pós-COP seja Belém, seja o Pará.” afirmou Helder Barbalho

Os negócios da cidade também já começaram a fazer o esquenta. De drinques em bares badalados, que misturam baru, cupuaçu e cachaça, às tradicionais barraquinhas de guaraná na praça Brasil, os locais apresentam receitas formuladas para e com o nome da conferência. Nas sorveterias tradicionais, o sabor “COP30” mistura castanha-do-pará, pistache e cupuaçu. “Tem saído muito, todo mundo quer provar”, conta a vendedora.

*Com informações de Uol