Jair Bolsonaro (PL) foi interrogado no STF na ação penal sobre a tentativa de golpe de Estado - Foto: Antonio Augusto / STF

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) contradisse dois pontos do depoimento do tenente-coronel Mauro Cid durante os interrogatórios sobre a trama golpista no STF, mas confirmou outros cinco relatos dele.

Apesar de tentar descredibilizar os depoimentos de Cid, Bolsonaro confirmou grande parte do que ele disse. Uma das estratégias da defesa é questionar e apontar contradições na delação do ex-ajudante de ordens.

Ex-presidente admitiu, por exemplo, que leu a minuta do golpe. Ao ser interrogado pelo ministro Alexandre de Moraes, ele confirmou que trechos do documento foram exibidos durante uma reunião com os comandantes das Forças Armadas. “Isso foi colocado numa tela de televisão e mostrado de forma rápida ali”, disse.

Bolsonaro, no entanto, negou ter alterado o documento. Segundo Cid, o ex-presidente leu a minuta e “enxugou” para retirar a prisão de autoridades, mantendo apenas a de Moraes. Questionado pelo ministro, ele respondeu que “não procede o enxugamento”.

Ele também negou pressão ao ex-ministro da Defesa. No interrogatório, Cid afirmou que, em 2022, Bolsonaro teria pressionado Paulo Sérgio Nogueira a produzir um relatório “duro” com objetivo de lançar suspeitas sobre a lisura do processo eleitoral.

“Eu não sei se foi por ligação, por conversa particular, mas essa pressão realmente existia. O general Paulo Sérgio tinha uma conclusão nesse documento, voltado para um lado mais técnico. E havia a tendência de fazer algo voltado mais para o lado político.” afirmou Mauro Cid, em depoimento no STF.

Esse ponto foi negado pelo ex-presidente. “Jamais pressionei, seja o ministro que for”, declarou. “Não houve pressão em cima dele [Paulo Sérgio Nogueira] para fazer isso ou aquilo”.

Estado de sítio e GLO

Segundo Cid, Bolsonaro era pressionado para assinar um decreto que determinasse estado de sítio ou de defesa. O ex-ajudante de ordens diz que essas medidas também constavam na minuta do golpe. O ex-presidente já havia confessado em lives e entrevistas coletivas que cogitou essa possibilidade e, durante o interrogatório, voltou a dizer que houve discussão sobre o assunto.

O ministro do STF Alexandre de Moraes – Foto: Gustavo Moreno / STF

O estado de defesa restringe liberdades individuais e é acionado para preservar a ordem pública. Já o estado de sítio é previsto em casos de comoção de repercussão nacional ou guerra, por exemplo.

Ex-presidente admitiu que cogitou decretar estado de sítio. A ideia teria surgido depois que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) rejeitou o pedido do PL para anular parte dos votos do segundo turno. O partido foi multado em R$ 22,9 milhões por má-fé ao questionar o resultado das eleições. “Sobrou para gente buscar uma alternativa na Constituição”, disse Bolsonaro.

Questionado por Moraes, Bolsonaro disse que também discutiu um decreto de GLO (Garantia de Lei e da Ordem). Segundo ele, a medida teria sido o assunto de uma reunião com o general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, e o almirante Almir Garnier, da Marinha. “Teve reuniões para tratar de outros assuntos. Por exemplo, tratamos de GLO. Por quê? Os caminhões estavam parando”, falou.

“Toda pressão que estava sendo feita em cima do presidente era para que ele assinasse o decreto, só não consigo dizer qual decreto, mas que ele assinasse um decreto, que ele determinasse uma ação militar, um estado de defesa, um estado de sítio.” disse Mauro Cid.

“A discussão sobre esse assunto já começou sem força, de modo que nada foi à frente. A ideia que alguns levantaram seria um estado de sítio, por exemplo.” afirmou Jair Bolsonaro.

Reuniões com as Forças Armadas

Bolsonaro confirmou que fez reuniões com os chefes das Forças Armadas para discutir “possibilidades”. Mauro Cid já havia relatado os encontros à PF, e voltou a falar sobre o assunto no interrogatório.

Ex-presidente tenta dar ar de legalidade às discussões. Ele diz que as possibilidades debatidas após a derrota eleitoral estão “dentro das quatro linhas” da Constituição.

Diante de Moraes, Bolsonaro disse que “golpe é abominável”. No interrogatório ele afirmou que em nenhum momento pensou “em fazer algo ao arrepio da lei ou da Constituição”. O ex-presidente, porém, participou de “brainstorm” sobre prisão de autoridades, segundo oficiais-generais.

“Houve pelo menos três reuniões entre Bolsonaro e os comandantes. Freire Gomes estava muito preocupado e pedia para que eu o informasse, temendo que algo fosse decidido sem sua intervenção.” declarou Mauro Cid.

Mauro Cid em interrogatório no STF – Foto: Reprodução / TV Justiça

“O senhor está dizendo que a cogitação, a conversa, o início desta questão de estado de sítio, estado de defesa, teria sido em virtude da impossibilidade de recurso eleitoral? É isso?” indagou Alexandre de Moraes.

“Sim, senhor.” disse Jair Bolsonaro, em resposta a Moraes.

Acampamentos golpistas

Em seu depoimento, Cid disse que Bolsonaro não quis agir para desmobilizar as manifestações em frente aos quartéis em 2022. Isso também foi confirmado pelo ex-presidente. Ele alega, porém, que não estimulou os protestos.

“O presidente nunca deu nenhuma orientação para mim com relação aos manifestantes. Ele nunca mobilizou, mas também não mandou embora.” disse Mauro Cid.

“Se nós desmobilizarmos aquilo, poderia o pessoal ir na região aqui da Praça dos Três Poderes, o que é pior ainda. É melhor ficar lá [nos quartéis], afastado.” declarou Jair Bolsonaro.

Reunião com hacker

Conforme havia sido relatado por Cid, Bolsonaro confirmou que recebeu o hacker Walter Delgatti e a deputada Carla Zambelli (PL-SP) no Palácio do Alvorada. O objetivo do encontro, segundo o tenente-coronel, era discutir a possibilidade de fraude nas urnas eletrônicas.

“Foi na hora do café da manhã. Eles chegaram bem cedo. O hacker estava levantando as hipóteses de como poderia ter sido feita a fraude e como se poderia descobri-la.” disse Mauro Cid

“A Carla Zambelli levou o hacker e eu recebi. Não entendo nada de informática, não senti confiança nele.” afirmou Jair Bolsonaro.

Cid afirmou que, depois da reunião, Bolsonaro pediu que o então ministro Paulo Sérgio Nogueira marcasse outro encontro com o hacker para continuar a discussão. O ex-ministro confirmou o pedido e disse a Moraes que recebeu Delgatti no ministério por cerca de 15 minutos.

A fase de interrogatórios deve se estender até essa sexta-feira (13) – Foto: Gustavo Moreno / STF

Próximos passos

Fase de interrogatórios terminou. As defesas dos oito réus ouvidos pelo STF podem requerer, dentro do prazo de cinco dias, novas diligências para a produção de provas.

Depois disso, as partes apresentarão suas alegações finais, no prazo de 15 dias. Apenas após essa fase do processo, o ministro Alexandre de Moraes fará um relatório e apresentará seu voto pela absolvição ou condenação dos réus. Finalizadas estas etapas, a ação penal poderá seguir para o julgamento na Primeira Turma do STF.

Bolsonaro responde por cinco crimes. São eles: organização criminosa armada, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.

*Com informações de Uol