Enchentes como as que devastaram o Rio Grande do Sul há cerca de um ano devem ser tornar um fenômeno cinco vezes mais frequente no país. Reflexo das mudanças climáticas aceleradas pela ação humana, essas tragédias, que ocorriam em intervalos médios de 50 anos, tendem a acontecer a cada dez anos, e de forma ainda mais intensa.
O diagnóstico faz parte de um estudo da ANA (Agência Nacional de Águas), realizado em parceria com pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade de Brasília, do Serviço Geológico do Brasil, entre outras instituições.
A Folha teve acesso ao relatório, denominado “As enchentes no Rio Grande do Sul: lições, desafios e caminhos para um futuro resiliente”.
Os modelos matemáticos e monitoramentos históricos aplicados pelos pesquisadores indicam que as vazões dos rios gaúchos tendem a aumentar em cerca de 20% sobre as máximas atuais. Na prática, isso significa que as cidades, principalmente as mais vulneráveis, precisam se adaptar rapidamente ao novo cenário, com planejamento urbano, construção de infraestruturas e gestão de riscos.
O Rio Grande do Sul, conforme o relatório, tende a ser a região do Brasil com o maior aumento na frequência e severidade das cheias. Isso se deve tanto às mudanças climáticas —2024 foi o ano mais quente da história—, quanto à vulnerabilidade natural do estado, marcado por bacias hidrográficas de rápido impacto.
As projeções indicam que cidades como Porto Alegre, Guaíba, Eldorado do Sul, Pelotas e Rio Grande terão de enfrentar níveis de água até um metro mais altos do que o limite máximo de proteção atual. Nos vales e áreas serranas, rios como o Taquari e o Jacuí podem subir até três metros a mais que o limite atual, em eventos extremos.
Durante as enchentes de 2024, o nível do rio Guaíba em Porto Alegre atingiu a marca histórica de 5,35 metros, superando o recorde anterior de 4,76 metros de 1941. Esse aumento de mais de 2 metros acima da cota de inundação (de 3 metros) resultou em alagamentos de diversos bairros da capital gaúcha.
O que os novos parâmetros indicam, portanto, é que essa cota teria de ser alterada para até 4 metros.

Essa mudança significa que há necessidade urgente de redimensionar as obras de proteção, com atualização de diques, comportas e barragens. O estudo lembra que locais como Reino Unido, Bélgica e Austrália já ampliaram seus parâmetros de projetos de infraestrutura entre 20% e 30% para incorporar o risco climático.
“A reavaliação destes parâmetros não é opcional, mas uma necessidade imediata para dimensionar obras hidráulicas, criar sistemas de alerta eficazes contra inundações e garantir a viabilidade de projetos em um cenário onde os extremos climáticos se tornam mais frequentes e intensos”, afirma o relatório.
Na tragédia de 2024, o nível do rio Taquari, em Lajeado, chegou a 33,67 metros, derrubando bairros inteiros. Ao todo, 478 dos 497 municípios gaúchos foram afetados, com 2,4 milhões de pessoas atingidas.
As enchentes deixaram 184 mortos, 27 desaparecidos e mais de 800 feridos. Mais de 146 mil pessoas ficaram desalojadas, além de 50 mil desabrigadas. Houve perda de R$ 35,6 bilhões na produção estadual, com 152 mil empregos perdidos.
Na contramão do que é necessário, o Congresso Nacional aprovou, para 2025, uma redução nos recursos destinados à gestão de riscos e desastres urbanos.
O valor proposto pelo governo Lula (PT) para essas ações, de R$ 1,75 bilhão, foi reduzido para R$ 1,37 bilhão na versão final da Lei Orçamentária Anual. Um corte de R$ 380 milhões, conforme relatório do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).
O governo precisou liberar R$ 5 bilhões em créditos extraordinários para lidar com os impactos das tragédias climáticas no ano passado. Quase três vezes mais que o orçamento inicialmente previsto para a área, ainda segundo o instituto.
“O corte de R$ 380 milhões é alarmante, principalmente após os eventos climáticos extremos de 2024 e com a COP30 [a conferência da ONU sobre mudanças climáticas] no horizonte. É possível perceber um esforço do governo em construir políticas para a adaptação climática que estão referidas a outros programas orçamentários, mas falta articulação entre elas e investimentos robustos”, diz Sheilla Dourado, assessora política do Inesc.
“A atuação reativa através desses créditos não é a melhor solução para lidar com situações de emergência”, completa.
