Eventos climáticos como secas históricas e vazantes severas, ameaçam extinguir postos de trabalho e profissões no Brasil e no mundo (Foto: Joédson Alves / Agência Brasil)
As mudanças climáticas, que já provocam consequências em setores diversos da sociedade, também vão transformar empregos e profissões.
No Brasil, pesquisadores apontam que, nos próximos anos, o mercado de trabalho será impactado principalmente de duas formas. A primeira é a possível extinção de ocupações devido à transformação produtiva de setores que fazem a transição para uma economia de baixo carbono.
A tendência é que, para cumprir os acordos climáticos, o Brasil faça cada vez menos uso de usinas termelétricas, por exemplo, extinguindo assim postos de trabalho na área.
Por outro lado, outras ocupações podem ter o número de vagas diminuído ou extinto devido à redução dos recursos naturais essenciais para seu funcionamento, inviabilizando, em determinados casos, a atividade econômica e a geração de empregos.
“Nesse caso, temos as ocupações da agricultura e da extração florestal em áreas que venham a ser mais afetadas por secas, inundações, novas pragas agrícolas ou pela perda da biodiversidade. E também as ocupações da pesca em regiões impactadas pela acidificação dos oceanos ou pela poluição de rios e mares”, explica Aguinaldo Maciente, especialista em políticas de emprego e mercado de trabalho do escritório da OIT (Organização Internacional do Trabalho) no Brasil.
Segundo Marcos Wesley Pedroso, assessor político e institucional do Comitê COP30, essa extinção gradual de profissões pode desencadear um efeito dominó, forçando comunidades inteiras a buscar alternativas que, muitas vezes, significam migração para cidades ou entrada em atividades predatórias, como o garimpo ilegal ou o desmatamento.
“Embora se espere que, à medida que os mares e rios se aqueçam, alguns peixes possam se adaptar ou busquem áreas onde ainda consigam sobreviver, isso pode não acontecer, pois as condições não existem em outros locais”, diz Priscila Lopes, professora do departamento de ecologia da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
“Em alguns casos, a espécie até encontra boas condições e se desloca. Mas este deslocamento pode ser de muitos milhares de quilômetros, tornando inviável o deslocamento conjunto da pesca de pequena escala e afetando assim a renda de muitos brasileiros que dependem dessa atividade no Brasil”, completa Priscila.
O que pode ser feito
As mudanças climáticas já devem alterar a rotina de trabalho de muitos profissionais no curto prazo, principalmente por causa do aumento das temperaturas.
Em setores como a agricultura e a construção civil, em que os trabalhadores estão expostos ao calor extremo, pode ser necessário ajustar os turnos para períodos mais frescos do dia, como o início da manhã ou o final da tarde.
“O aumento da temperatura global e a intensificação de ondas de calor e seca são as mudanças que tendem a ter um impacto mais direto e severo no trabalho, especialmente em regiões tropicais, como Brasil”, alerta Aguinaldo Maciente.
O relatório da OIT intitulado “Garantir a segurança e a saúde no trabalho em um clima em mudança” aponta que, na atualidade, 2,4 bilhões de trabalhadores do mundo (cerca de 70%) já estão expostos ao calor excessivo em algum momento do seu trabalho. Esses fenômenos podem levar à desidratação, exaustão, insolação e outros problemas de saúde, como doenças renais crônicas.
Além disso, ao prejudicar a capacidade de concentração e aumentar o risco de acidentes, reduzem a produtividade e a qualidade de vida.
No Brasil, instituições como a Fundacentro, do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), também têm divulgado estudos e orientações sobre os riscos das mudanças climáticas e de ondas de calor para a saúde e segurança no trabalho.
Nelson de Chueri Karam, economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), explica que algumas categorias já têm negociado em seus acordos coletivos cláusulas de proteção ao trabalhador diante das adversidades provocadas pelas mudanças climáticas.
“É o caso dos Correios, com a mudança na jornada de trabalho externa e entregas sendo feitas com mais frequência no período matutino, que tem menor incidência solar. E temos outros exemplos, como os intervalos maiores de descanso por horas trabalhadas e equipamentos de proteção mais eficazes contra o calor, como uniforme com proteção ultravioleta, bonés e fornecimento de água filtrada para hidratação, que são um pleito da construção civil”, diz Chueri Karam.
Entretanto, a inclusão dessas cláusulas trabalhistas em convenções e acordos de categorias profissionais ainda caminha a passos lentos no setor privado no Brasil. Um levantamento feito pelo Dieese mostra que apenas 1,5% das cláusulas negociadas pelos sindicatos com as empresas tratam do tema ambiental.
Karam diz que não é possível enfrentar a urgência climática sem garantir que este processo de transição seja justo para os trabalhadores e comunidades. Há de prevalecer um equilíbrio entre as demandas e necessidades ambientais, econômicas e sociais.
“Para isso, é fundamental a presença e coordenação do governo, por meio da abertura de canais de diálogo social, disponibilidade de recursos e financiamento para efetivar uma transição voltada para geração e proteção dos empregos ameaçados pelo clima”, afirma o economista.
Profissões e atividades que correm risco
Operadores de termelétricas: com o incentivo à redução de emissão de gases do efeito estufa, profissões ligadas a indústrias de alta emissão, como as termelétricas, devem ter o número de postos de trabalho reduzido ou extinto nos próximos anos. Isso porque a tendência é que, para cumprir os acordos climáticos, o Brasil faça cada vez menos uso de usinas termelétricas, que geram energia através da queima de combustíveis fósseis.
Agricultores de subsistência: com secas prolongadas, chuvas excessivas e o esgotamento dos solos, práticas agrícolas que dependem de previsibilidade climática podem se tornar insustentáveis. Pequenos agricultores devem enfrentar dificuldades em se adaptar às novas condições, o que pode levar ao abandono de terras e à migração para outros locais ou atividades. Na Amazônia, essas mudanças afetam não apenas a produção alimentar como também a conexão cultural das comunidades com o território.
Trabalhadores da indústria de carros a combustão: as vagas de trabalho nessa área podem diminuir por duas razões: primeiro, pelos acordos climáticos, o Brasil caminha para incentivar cada vez mais o uso de carros híbridos ou elétricos. Isso pode fazer com que muitos dos profissionais da indústria automobilística tenham que migrar para a produção desse tipo de veículo, mas para isso é necessária a qualificação. Até 2040, estima-se que mais da metade da produção automotiva global será de veículos elétricos, segundo relatório da BNEF (Bloomberg New Energy Finance). Além disso, o setor automotivo já tem sido duramente impactado pelo uso da tecnologia, com a robótica sendo cada vez mais utilizada em processos de produção dos novos carros, substituindo a mão de obra humana.
Pescadores artesanais: as alterações nos padrões de reprodução de peixes, a redução de espécies disponíveis e a degradação dos ecossistemas aquáticos, como os rios da Amazônia, tornam a pesca tradicional cada vez mais inviável. Secas severas e mudanças nos níveis dos rios dificultam o acesso às áreas de pesca, comprometendo a subsistência de famílias inteiras.
Extrativistas: especialmente aqueles que dependem de produtos florestais como castanha-do-pará, açaí, borracha e outros. Esses recursos estão cada vez mais ameaçados por mudanças nos ciclos de chuva, aumento de temperaturas e alterações na biodiversidade. Em algumas regiões, os impactos climáticos dificultam o manejo sustentável e a coleta desses produtos, reduzindo sua viabilidade econômica e levando à perda de conhecimentos tradicionais associados ao trabalho.
Profissões que podem crescer
Relatório publicado pela OIT estima que até 2030, a transição para uma economia de baixo carbono pode gerar 24 milhões de novos postos de trabalho, desde que as políticas certas para promover uma economia mais verde sejam implementadas. Entre as profissões que podem crescer estão:
Profissões relacionadas às energias renováveis: para atingir metas ambientais de descarbonização, profissões relacionadas a produção de energia renovável podem ter um crescimento do número de vagas nos próximos anos. Dentre as ocupações, estão engenheiro de energia solar e eólica; técnico de instalação de painéis solares e especialistas em eficiência energética;
Engenheiros ambientais e de reciclagem: profissões que estudam a exploração sustentável de recursos naturais e analisam a dinâmica de ecossistemas, com o objetivo de minimizar os impactos ambientais, prevenir acidentes e regenerar áreas degradadas também podem crescer nos próximos anos. Nesse sentido, deve aumentar a procura por engenheiros ambientais, engenheiros de resiliência urbana, especialistas em gestão de riscos climáticos e em restauração de ecossistemas.
Profissionais de infraestrutura e construção: engenheiros e arquitetos especializados em infraestrutura e em construção com materiais sustentáveis devem ser cada vez mais requisitados. Primeiramente, por conta da tendência de aumento de práticas sustentáveis na construção civil, e também por serem necessários após eventos climáticos extremos.
Epidemiologistas e médicos de emergência: epidemiologistas especializados em doenças relacionadas ao clima e em saúde ambiental serão profissionais cada vez mais requisitados. Médicos de emergência para lidar com impactos de desastres naturais e profissionais especializados em prevenção de doenças por vetores também tendem a ser mais requisitados.
Profissionais de tecnologia: tanto na agricultura como em outros segmentos da sociedade, profissionais de tecnologia que desenvolvam aplicativos de monitoramento climático, especializados em inteligência artificial para previsão do tempo e cientistas de dados para análise climática devem ser mais demandados nos próximos anos.