Foi uma exibição de “Ainda Estou Aqui”, com a presença do diretor Walter Salles, que reabriu o histórico cinema São Luiz, no Recife, neste mês. A interpretação de Fernanda Torres como Eunice Paiva foi emoldurada pelos luxuosos vitrais dourados de 1952, ano em que a sala foi inaugurada.
O São Luiz compõe o panteão das seis salas de cinema de rua mais antigas do Brasil ainda em funcionamento, um pódio suado, dada a competição imposta pelos multiplex de shoppings e pela decadência dos centros das capitais, ameaças agravadas pela diminuição de público após a pandemia de coronavírus.
Segundo Luís Fernando Moura, programador do São Luiz, um dos principais desafios para um cinema de rua é convencer o público de que a experiência de ver um filme na sala é diferenciada. “Historicamente, as pessoas vão ao cinema porque buscam uma atração. Elas precisam sentir que estão vivendo uma experiência diferente”, diz.
Se as salas de shopping têm poltronas reclináveis e combos de pipoca amanteigada com copos de brinde, o São Luiz tem como vantagem 72 anos de história projetada em uma arquitetura no estilo art déco, além de uma programação que inclui filmes com curadoria e os de festivais, em paralelo aos lançamentos.
O cinema abrigará também o Centro de Referência do Audiovisual Pernambucano, uma espécie de museu, conta Renata Borba, presidente da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, hoje mantenedora do São Luiz ao lado da secretaria de cultura do estado. Outra estratégia para atrair público é o preço dos ingressos, fixados em R$ 10.
Algo semelhante acontece com o cinema Olympia, em Belém, que carrega o título de sala comercial mais antiga do país, datada de 1912. Na época, era comum que cinegrafistas viajassem para capturar imagens de lugares considerados exóticos, que seriam exibidas em cinemas de Paris, Nova York e Londres. A Amazônia se tornou um cenário cobiçado.
O crescente interesse sobre o cinema, influenciado pelo movimento de estrangeiros na região, tornou a construção de uma sala uma prioridade em uma Belém que crescia graças a exportação de borracha. Desde sua fundação, o Olympia resistiu a várias crises enfrentadas pelo cinema, como a chegada da televisão, na década de 1950, a invenção do VHS, nos anos 1980, e por fim a pirataria, nos anos 2000.
Em 2006, quando ameaçava fechar, foi adquirido pela prefeitura de Belém após protestos da população. “O Olympia se tornou uma referencia histórica, cultural e afetiva da cidade, e de vida para as pessoas. Enquanto existir, deve gerar mais memórias”, diz Marco Antônio Moreira, programador do Olympia.
Desde então, a sala oferece entrada gratuita. Neste ano, o cinema que mantém ornamentos da belle époque paraense fechou para restauro, feito pelo Instituto Pedra e, quando reabrir, terá um bar dentro da sala —mais uma atração para atrair público.
A diminuição do valor da entrada também foi adotada pelo Cineteatro São Luiz, em Fortaleza, xará da sala pernambucana. Ambas foram fundadas por Luiz Severiano Ribeiro, dono do grupo Severiano Ribeiro, que por muito tempo foi o maior exibidor brasileiro —antes da entrada de empresas estrangeiras no país, como a Cinemark e UCI— e que hoje gerencia o Kinoplex.
Como grande parte dos cinemas de rua, o Cineteatro São Luiz entrou em decadência nos anos 2000, quando o multiplex se popularizou. O modelo é baseado na existência de várias salas por complexo, que possibilitam a exibição simultânea de mais títulos e, assim, atraem pessoas de gostos diferentes.
Hoje, o São Luiz cearense é também local para peças de teatro, espetáculos infantis e shows. O modelo hibrido ajuda a chamar público, diz Duarte Dias, programador e curador de cinema.
“Não atuamos mais apenas esperando que as pessoas venham. Precisamos ir ao encontro do público”, diz. Outros desafios são a negociação com as distribuidoras, que priorizam cinemas de shopping para blockbusters, e driblar o preconceito contra os centros das cidades, que hoje carregam a fama de locais vazios e perigosos. Segundo ele, o cinema de rua pode contribuir para que os centros voltem a ser um espaço de convívio para a população.
Esse é um dos principais obstáculos do Marabá, fundado em 1944 na avenida Ipiranga, em São Paulo. “A violência no centro aumentou com a piora da economia”, diz Otelo Coltro, presidente da rede Playarte, que comprou o Marabá há 15 anos. A sala de 1.655 lugares foi desmembrada em cinco, e a fachada e o bar foram restaurados.
Sem gerência do governo, diferente do São Luiz, do Olympia e do Cineteatro São Luiz, o Marabá e o Odeon, no Rio de Janeiro, sofrem com problemas de caixa. Coltro diz que está pleiteando na Justiça a isenção do IPTU, prevista pela prefeitura, e que está negociando o aluguel do edifício com o proprietário.
Ele culpa o atraso da vacinação na pandemia pelo rombo no caixa. “Em outros países, os cinemas ficaram fechados por pouco tempo. Aqui no Brasil, foi quase um ano. As pessoas foram obrigadas a fazer assinaturas nas plataformas digitais e se habituaram assim.”
Já o Odeon, nascido em 1923 na região conhecida como Cinelândia pela ampla oferta de cinemas, teatros e bares no século 20, hoje funciona principalmente como palco de eventos e festivais. A sua operação como cinema comercial se tornou inviável, segundo Elizabeth Tinoco, gerente comercial nacional do Kinoplex, que administra a sala.
“São altos os custos de manutenção, operação e conservação. Temos planos de buscar um patrocínio no futuro para que isso volte a acontecer. Enquanto isso, seguimos firmes em preservar o local como um ponto de referência cultural do Rio de Janeiro”, diz.
O cinema mais antigo do Rio, porém, é o Íris. A sala de 1909 mantém sua arquitetura art nouveau, ainda que, para sobreviver, funcione desde 1982 apenas exibindo filmes eróticos.