O termo “cocaína do mar”, um apelido para bexigas de peixe secas, veio à tona a partir de uma reportagem publicada pela revista Nature, em outubro deste ano, e tem chamado a atenção por trazer impactos negativos à vida marinha, como a pesca indiscriminada de peixes em extinção.
Por que ‘cocaína do mar’?
As bexigas de peixe secas, conhecidas mundialmente como fish maw (boca de peixe), são uma iguaria muito popular na culinária asiática, sobretudo na China. Seu nome tem sido relacionado com a cocaína por seu alto valor de venda, despertando o interesse de organizações criminosas, que incentivam a pesca ilegal para a obtenção de lucro.
O preço dos fish maws varia muito. Tem os mais acessíveis, como quilo das bexigas de peixes de algumas espécies da região amazônica, vendidos, em média, por R$ 50. Mas também é possível encontrar valores mais exorbitantes no mercado internacional, como das bexigas de peixes marinhos de vários lugares do mundo, cujo quilo pode ser comercializado por até US$ 13.500 (cerca de R$ 78 mil), e uma única peça pode chegar a R$ 23 mil.
Segundo Maurício Barufaldi, chef, pesquisador e professor de gastronomia, essa iguaria é famosa por sua textura gelatinosa e capacidade de absorver os sabores dos pratos com os quais é cozida: “É frequentemente usada em sopas, ensopados e pratos refogados, onde absorve a essência dos ingredientes ao redor e confere um sabor rico e saboroso e uma textura agradavelmente suave ao prato”, explica.
O que são as bexigas natatórias?
A bexiga natatória é um órgão interno da maioria dos peixes ósseos e é responsável pelo controle da flutuabilidade na água. Ela ajuda a evitar o gasto desnecessário de energia durante o nado, funcionando como um “balão” que permite com que o animal controle a quantidade de gás no órgão, para subir ou descer na água.
Já para os chineses, o fish maw é considerado uma das quatro grandes iguarias do mar, sendo utilizado na gastronomia, juntamente com o abalone, o pepino-do-mar e as barbatanas de tubarão.
Também é muito cobiçado na medicina alternativa por ser um alimento rico em proteínas, fósforo, cálcio, mucopolissacarídeo e multivitamínicos. Sendo assim procurado para melhorar a saúde da pele, melhora do sistema imunológico e na digestão. Na China, é fortemente recomendado para a recuperação no pós-parto.
“Essa iguaria não é celebrada apenas por seus atributos culinários, mas também por seus potenciais benefícios à saúde. Acredita-se que ela contenha altos níveis de colágeno, o que pode promover a saúde da pele e o bem-estar geral.” afirmou Maurício Barufaldi.
A fonte de Papua-Nova Guiné
Com o comércio global de fish maw crescendo nos últimos 25 anos, países como México e China já foram pioneiros na busca pela iguaria. Mas uma das fontes mais exploradas atualmente é Kikori, em Papua-Nova Guiné, local onde são pescadas as bexigas mais procuradas do mundo.
O rio Kikori abriga uma rica diversidade de ecossistemas, com matas densas e um emaranhado sistema de rios. Para a comunidade local, um ganho: a pesca trouxe recursos que ajudaram os moradores a se afastarem de áreas de risco de alagamento e construírem casas melhores em outras localidades. Para que isso acontecesse de forma exponencial, trocaram os anzóis e barcos de pesca comuns, por barcos motorizados e redes de emalhar, fornecidas por empresas com ligações duvidosas.
Para o ecossistema marinho, a pesca apresenta um grande risco à continuidade de algumas espécies, já que não são só os peixes com bexigas natatórias estão sendo prejudicados com o aumento significativo da pesca na região.
Uma pesquisa feita pela SPREP (Programa Ambiental Regional do Pacífico), em 2022, apontou que o número de pesca acidental subiu, e que a caça de peixes com bexigas natatórias puxa uma grande quantidade de peixes e mamíferos que não são o alvo.
Tubarões e arraias representam quase metade da captura, enquanto os peixes para obtenção de fish maw representam apenas 22%. E entre as vítimas estão espécies listadas como em extinção, incluindo três espécies de tubarões-martelo, o peixe-guitarra gigante e o peixe-cunha-nariz-de-garrafa.
‘Tubarões controlam a saúde do oceano’
O biólogo Luiz Eduardo Reis, pesquisador e mestrando do Instituto de Biociências da USP (Universidade de São Paulo), explica que, por serem os animais que ocupam o topo da cadeia alimentar, os tubarões são muito responsáveis por manterem o equilíbrio dos oceanos. Segundo ele, a extinção desses animais impactaria toda a cadeia predatória.
“Principais aliadas dos recifes de corais, as microalgas zooxantelas que neles vivem e ajudam a protegê-los, fornecem casa e alimento para várias espécies de peixes herbívoros e espongívoros. Quem se alimenta desses animais são os mesopredadores, como as raias, por exemplo. E quem se alimenta desse último, são os predadores de topo, como os tubarões. Se tiramos os predadores de topo do mar, populações de mesopredadores começarão a crescer. Consequentemente, herbívoros e espongivoros começarão a diminuir e os corais perderão seu meio de competição.” afirmou Luiz Eduardo Reis
Além disso, Reis — responsável pelo projeto de mestrado que avalia o efeito do estágio de vida e da sazonalidade na resposta de estresse de captura nos machos de tubarões-lixa — aponta que, mesmo que esses tubarões sejam devolvidos ao mar após a pesca, podem não resistir ao estresse de terem sido fisgados: “os tubarões são mais sensíveis do que os peixes ósseos”, aponta.
Para ele, pensar em viver em um mundo onde a pesca possa ser equilibrada com os interesses comerciais é uma utopia: “Vivemos em um mundo capitalista. As empresas [de pesca] estão ganhando porque elas têm dinheiro para gastar”.
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