“Com o longo período de seca que enfrentamos em 2023, perdemos quase metade da nossa produção de pupunha e cupuaçu”, lamenta Ladilson Amaral, produtor rural do Projeto de Assentamento Extrativista Eixo Forte. Na comunidade extrativista onde vive, em Santarém (PA), os efeitos das mudanças do clima já são sentidos e preocupam as 1.400 famílias que dependem diretamente da produção para sua subsistência.
“Nos últimos anos, nossa produção de açaí, pupunha e cupuaçu tem caído cada vez mais. Para ter uma ideia, o que faz um açaizal florar é o apoio das abelhas mas, com o aumento da temperatura, desmatamento e uso de agrotóxico, elas estão desaparecendo. Com isso, muitos açaizais não estão florescendo”, conta Amaral. Assim como ele, estima-se que 100 mil famílias na Amazônia dependem do extrativismo – forma de vida baseada na obtenção de recursos da natureza para fins econômicos ou para subsistência.
Com o aumento da temperatura, intensificação de períodos de secas e eventos climáticos extremos, produtores rurais de comunidades extrativistas da Amazônia temem pelo futuro. E com razão. Estudo feito por pesquisadores de cinco instituições de ensino superior do Brasil indica que nos próximos 30 anos as regiões climaticamente adequadas para o extrativismo na região amazônica terão um declínio de até 91% de sua área total.
Para chegar ao resultado, a pesquisa avaliou 18 espécies de árvores e palmeiras utilizadas para consumo próprio ou venda que são extraídos de 56 reservas extrativistas (Resex) da Amazônia brasileira. Dentre elas, castanha-do-Brasil (ou castanha-do-pará), açaí, andiroba, copaíba, seringueira, cacau e cupuaçu.
Os resultados mostram que as alterações nos padrões de chuva e temperatura, conforme prevê relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), podem afetar o clico de vida dessas espécies, alterando, por exemplo, a floração e a produção de frutos e outros ciclos biológicos, como a polinização realizadas pelos insetos (também são afetados pelas alterações climáticas).
“As áreas mais ameaçadas são o sul e o sudoeste da Amazônia brasileira, regiões que atualmente já sofrem com queimadas, mineração e desmatamentos ilegais, atingindo Rondônia, o sul do Pará e o norte do Mato Grosso. Essa região fica no que foi nomeado do ‘Arco do Desmatamento'”, diz Samuel Gomides, consultor ambiental e pesquisador que fez parte do estudo.
Principais impactos
Com a potencial diminuição da produtividade de açaí, andiroba, copaíba, seringueira, cacau, cupuaçu e a castanha-do-Brasil, especialistas alertam para um possível efeito cascata na Amazônia, afetando milhares de pessoas da região que dependem dessas espécies. “Muitos produtos extrativistas são fundamentais para a dieta das comunidades amazônicas. A redução na disponibilidade de frutas, peixes e outros produtos pode levar à desnutrição e à fome, exacerbando a pobreza”, aponta Tiago Eli de Lima Passos, coordenador geral substituto da área de Populações Tradicionais do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Outro impacto direto que deve transcender as fronteiras da região amazônica e chegar à mesa de todos os brasileiros é o aumento do preço desses produtos, que, mais difíceis de serem produzidos, sofrerão reajustes no valor comercial devido à escassez. O mesmo pode ocorrer com o cacau, que já enfrenta na uma grande produtora, dificuldades semelhantes às dos frutos amazônicos.
As alterações climáticas previstas no estudo podem, em até 30 anos, reduzir a distribuição natural de onze espécies nativas, e nove podem até mesmo desaparecer das reservas extrativistas onde são exploradas. “Isso porque as mudanças climáticas interferem, por exemplo, na temperatura e distribuição das chuvas, fazendo com que as condições climáticas necessárias para ocorrência e sobrevivência dessas espécies nas reservas extrativistas deixem de existir”, diz o consultor ambiental Samuel Gomides.
Cultivos mais ameaçados
– Açaí (Euterpe oleracea): um dos principais produtos extrativistas da Amazônia, principalmente para as populações ribeirinhas, o açaí desenvolve-se melhor em áreas de várzea, que são periodicamente inundadas. Secas prolongadas podem reduzir a disponibilidade de água, afetando negativamente o crescimento e a produção de frutos, enquanto outros eventos extremos, como inundações prolongadas, danificam as plantas.
– Castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa Bonpl.): essa espécie depende de um regime específico de chuvas para sua floração e frutificação. Segundo estudos científicos, algumas mudanças nos padrões de precipitação podem reduzir a sua produtividade. Além disso, o aumento das temperaturas pode reduzir a polinização, realizada por mais de 25 espécies de abelhas. A diminuição da polinização tem como consequência uma menor produção de frutos. A área de ocorrência da castanha pode diminuir em até 25% até 2050 por conta das mudanças climáticas.
– Babaçu (Attalea speciosa): palmeira que produz frutos de grande importância econômica para a produção de óleos, produtos cosméticos e uma farinha rica em nutrientes e propriedades medicinais, tem o seu ápice de crescimento e produção em uma faixa climática mais específica, em zonas de transição entre a Amazônia e o cerrado. Alterações em regimes de chuvas e temperatura podem afetar a germinação natural das sementes e o crescimento da espécie como um todo. O Babaçu também vem sofrendo pressões de desmatamento com o avanço de áreas agrícolas e de pastagem.
– Seringueira (Hevea brasiliensis): apesar de ter passado por uma decadência no mercado já em meados do século 20, devido à produção na Ásia e à borracha sintética, ainda representa parcela importante para a economia das populações tradicionais extrativistas. Em razão das alterações nas chuvas e à maior escassez de água, as seringueiras podem ter o seu crescimento e produção do látex prejudicados. Isso porque em regiões próximas às áreas desmatadas, com práticas agrícolas convencionais e pecuária, onde o equilíbrio ecológico é reduzido, a espécie pode sofrer de doenças como o mal-das-folhas (Microcyclus ulei), comum em seringais cultivados.
– Cacau (Theobroma cação): a planta deve enfrentar maior dificuldade de ser cultivada em diversas partes da Amazônia, entre elas, o Pará – maior produtor de cacau do país, conforme mostra estudo de pesquisadores da UFPA (Universidade Federal do Pará), UFRA (Universidade Federal Rural da Amazônia) e do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
O que pode ser feito
Tiago Eli de Lima Passos, do ICMBio, ressalta que a proteção e recuperação florestal é fundamental para a Amazônia conseguir preservar espécies do extrativismo. “É essencial a criação e manutenção de Unidades de Conservação de Proteção Integral e de Uso Sustentável, que promovem a conservação das áreas florestais, manutenção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos”, reforça Passos. Para isso, ele diz que é necessário incentivar projetos de reflorestamento e sistemas agroflorestais, que combinam espécies nativas com cultivos agrícolas, e aumentam a resiliência dos ecossistemas e das comunidades.
Passos aponta outras medidas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas para as comunidades extrativistas da Amazônia:
Políticas públicas e governança. Implementar e reforçar políticas de conservação e uso sustentável dos recursos naturais é necessário para a preservação da biodiversidade. Criar incentivos econômicos, como pagamentos por serviços ambientais, pode recompensar as comunidades pela conservação das florestas e práticas sustentáveis.
Diversificação de renda para as comunidades extrativistas. Promover o desenvolvimento de cadeias de valor sustentáveis, como o turismo sustentável, o manejo florestal sustentável comunitário e outros produtos não madeireiros, pode diversificar as atividades econômicas. Fortalecer redes e parcerias de comércio justo que valorizem os produtos extrativistas da Amazônia é fundamental para garantir preços justos e acesso a mercados.
Fortalecer as comunidades locais. Investir em programas de capacitação e educação ambiental sobre práticas de manejo sustentável e adaptação às mudanças climáticas ajuda as comunidades a se prepararem melhor para os desafios futuros. Apoiar organizações comunitárias e cooperativas pode melhorar a gestão dos recursos naturais e a capacidade de negociação com diversos atores. Faz-se importante o uso de estratégias combinadas que possam promover a cooperação entre comunidades, ONGs, instituições de pesquisa, setor privado e governos, para compartilhar conhecimentos, recursos e estratégias de adaptação e mitigação.
Monitoramento e pesquisa. Desenvolver e implementar sistemas de monitoramento climático, bem como investir em pesquisa e inovação para desenvolver técnicas e tecnologias que aumentem a resiliência das práticas extrativistas, devem ser ações prioritárias, segundo Tiago.
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