Na semana passada, a justiça estadual do Mato Grosso anulou o decreto de criação do Parque Cristalino II, área de 118 mil hectares entre os municípios de Alta Floresta e Novo Mundo, no norte matogrossense, considerada uma barreira contra o desmatamento da Amazônia. Sem a proteção, ambientalistas temem a alta de desmatamento, pois o parque fica em uma região de interesse de mineradores e produtores rurais. O governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), não confirmou se o estado vai recorrer da decisão e criticou a criação de parques sem pagamento de indenizações por desapropriações
A decisão do Tribunal de Justiça, na última terça-feira, rejeitou recurso do Ministério Público do Mato Grosso (MPMT), que contestava a sentença de 2022, quando o decreto foi anulado pela primeira vez, a pedido da Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo, que alega que a unidade foi implantada, em 2001, sem respeitar a obrigação de “consulta prévia”. Apesar de ser uma ação privada, o episódio se soma a outras polêmicas ambientais do governo de Mauro Mendes, cuja gestão é favorável a flexibilizações ambientais em favor da agropecuária e da indústria da mineração.
Em 2022, quando a justiça acatou o pedido de anulação do decreto, o governo do Mato Grosso decidiu não recorrer da decisão. Coube, então, ao MPMT apresentar embargos de declaração, o que conseguiu suspender, até semana passada, a sentença. Na época, O GLOBO mostrou que, durante os quatro meses de 2022 em que o Parque Cristalino ficou sem a proteção oficial, houve um aumento do desmatamento e dos pedidos de autorização para exploração mineral.
— O parque Estadual do Cristalino é uma das poucas unidades de conservação no arco do Desmatamento. A maioria das unidades da Amazônia fica mais ao norte do bioma, enquanto a região do norte de Mato Grosso (no sul do bioma) tem pouquíssimas. Então qualquer perda de área protegida nessa região é muito valiosa — explica Gustavo Canale, professor da Universidade Federal de MT e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia, que destaca que há quatro espécies de primatas ameaçados no parque. — O macaco-aranha da cara branca foi mencionado entre os 25 primatas mais ameaçados do mundo.
Governador se manifesta
Nesta segunda-feira (29), o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), participou do programa Roda-Viva, da TV Cultura. Questionado sobre a decisão do TJMT, ele afirmou que houve “ilegalidades” na criação do parque, e deixou em aberto a possibilidade de recorrer ou não.
— Podemos sim recorrer. Mas quem vai pagar a conta disso? — respondeu o governador, que defendeu que supostos antigos proprietários de áreas do Cristalino não foram indenizados na época da criação da unidade. — O estado do Mato Grosso deveria ter ido lá e indenizado. Tem mais de 20 anos que fez o parque, nunca indenizou, nunca pagou ninguém. Acharia justo estado criar reserva em cima de sua propriedade e não pagar? Isso é expropriação. Pode criar, mas tem que pagar.
Uma das leis criadas pelo seu governo, que foi judicializada, suspendia a criação de novas Unidades de Conservação no Mato Grosso enquanto as já existentes não fossem “regularizadas”. Enquanto ambientalistas questionam a legalidade de propriedades rurais nesses territórios, Mendes cita uma estimativa de R$ 70 bilhões em indenizações nessas desapropriações em 37 parques.
— O estado do Mato Grosso não tem como pagar isso. Alguma ONG internacional está disposta a ajudar? Pagar conta ninguém quer, esse que é o problema — respondeu o governador que, no mesmo programa, também criticou suposto excesso de terras indígenas no Brasil. — Os povos originários, merecem ser cuidados, mas o Brasil tem dezenas, talvez centenas, de povos indígenas que vivem em condições de miserabilidade. Então precisamos entender que não é só aumentando reservas, mas construindo modelo equilibrado entre preservações e desenvolvimento, adaptando a cultura. Temos no Mato Grosso reservas com mais de 300 mil hectares e meia dúzia de índios.
Nova decisão judicial
No julgamento do recurso do MP, os desembargadores do Tribunal de Justiça do Mato Grosso concordaram com o argumento da Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo, de que não houve consulta à população durante a criação do Parque Cristalino II. Segundo a empresa, que acusa dano a três propriedades suas com a criação da área ambiental, exigências legais teriam sido desrespeitadas na época, como ausência de estudos técnicos e consultas públicas. A obrigação de realização de audiência pública para instituição de Unidades de Conservação, porém, só foi regulamentada, na legislação federal, em 2002.
O MP alegou que uma ação privada não poderia obter a anulação de um ato administrativo de criação de Unidade de Conservação (UC). Consultora jurídica do Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT), Edilene Fernandes explica que existe jurisprudência no STJ que tira a obrigação de consulta prévia para criação de parques. Além do questionamento jurídico, a decisão é perigosa, segundo especialistas, porque abre a possibilidade de liberação de empreendimentos de grande porte, como de mineração e hidrelétricas, entre outras atividades de alto impacto e que resultam em desmatamento.
— Esse tipo de decisão pode resultar em desmatamento, aumentando contribuições do Brasil para as mudanças climáticas. Afinal, o desmatamento, que é a transformação do uso do solo, é o que gera mais emissão de CO2 — afirma Alice Thuault, diretora executiva do Instituto Centro de Vida (ICV), que lembra que o governo estadual não recorreu da primeira decisão, de 2022. — Se o governo não interpuser um recurso, vai ser uma demonstração se o Estado está ou não zelando pelas unidades de conservação estaduais. Pode mostrar que, para o governo estadual, não faz diferença ou até que está a favor da diminuição das UCs.
Antes da decisão de 2022, a empresa já havia perdido em duas instâncias. Mas, no final de 2021, a Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo acatou o recurso da Triângulo e, por 3 votos a 2, os desembargadores sentenciaram a revogação do decreto 2.628, de 2001, que criou o Parque Estadual Cristalino II. No final de abril de 2022, o governo estadual do Mato Grosso perdeu o prazo de recurso. Na época, a Secretaria de Meio Ambiente (Sema) do Mato Grosso respondeu ao GLOBO que a “Procuradoria Geral do Estado, avaliou que não houve viabilidade do recurso diante da tese do Tribunal”. Ou seja, o governo estadual concordou com a decisão da justiça.
Nesta terça, o Ministério Público do Mato Grosso afirmou que vai recorrer da decisão e que buscará “entendimento com o Poder Executivo para que o Parque não fique sem proteção.”
Preocupação com parques pelo Brasil
Diretora executiva da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, Angela Kuczach, alerta que a decisão do TJMT pode repercutir em outras ações do país.
— Não atinge apenas as unidades de conservação de Mato Grosso, mas todo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. A sociedade brasileira não pode pagar o preço dessa irresponsabilidade, que pode inclusive comprometer o cumprimento de acordos internacionais de proteção ambiental firmados pelo Brasil — afirma ela, que critica a “inação do governo de Mato Grosso”.
Agora, ainda há espaço para recurso especial do Ministério Público e do Governo de Mato Grosso Recurso Especial, junto ao STJ ou ao STF.
— O maior obstáculo está em conseguir que esses recursos sejam aceitos com efeito suspensivo, ou seja, mantendo o Parque até a decisão final desses tribunais — explica Edilene Fernandes.
Procurados, o MP e o governo não responderam. Os representantes da Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo também não se manifestaram
O Parque Cristalino II
Criado em 30 de maio de 2001, o Parque Estadual Cristalino II tem 118 mil hectares e está localizado na Amazônia mato-grossense, entre os municípios de Alta Floresta e Novo Mundo. A unidade de conservação foi anexada ao Parque Estadual Cristalino I, criado em 2000, com 66.900 hectares. Ao todo, são 184.900 hectares de floresta amazônica primária.
Na área dos parques já foram identificadas mais de 600 espécies de aves, sendo 25 ameaçadas de extinção, 82 espécies de répteis, 60 de anfíbios, 98 de mamíferos, 2 mil de borboletas, 39 de peixes, além de mais de 1.400 espécies de plantas já catalogadas. Ao todo, são 41 espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção e 38 espécies endêmicas.
A diminuição nos preços das baterias está pavimentando o caminho para a maior acessibilidade dos veículos elétricos . Historicamente, o custo das baterias representava...