
Há séculos, os agricultores suíços enviam seu gado, cabras e ovelhas para pastar montanha acima nos meses mais quentes, antes de trazê-los de volta no início do outono.
Criada na Idade Média para economizar a preciosa grama dos vales para o inverno, a tradição do “veraneio” transformou a paisagem do interior em um mosaico de florestas e pastagens, a tal ponto que a manutenção de sua aparência foi inserida na Constituição Suíça como um papel essencial da agricultura.
A prática também uniu fios essenciais da identidade moderna do país: queijos alpinos, trilhas de caminhada que cruzam pastagens de verão, sinos de vaca ecoando nas encostas das montanhas.
Em dezembro, a Unesco, agência da ONU para educação, ciência e cultura, adicionou a tradição suíça à sua exaltada lista de “patrimônio cultural imaterial”.
Mas as mudanças climáticas ameaçam desorganizar essas tradições. Temperaturas mais altas, a perda de glaciares, menos neve e um derretimento mais precoce da neve estão forçando os agricultores em toda a Suíça a se adaptarem.
Nem todos estão sentindo as mudanças da mesma maneira em um país onde os Alpes criam muitos microclimas. Alguns estão tendo maiores rendimentos nas pastagens de verão, permitindo-lhes estender suas temporadas alpinas. Outros estão sendo forçados por secas mais frequentes e intensas a descer mais cedo com seus rebanhos.
Quanto mais evidente o efeito nos suíços, mais problemas potenciais isso representa para toda a Europa.
A Suíça tem sido considerada há muito tempo a caixa d’água da Europa, o lugar onde as neves profundas do inverno se acumulam e derretem suavemente durante os meses mais quentes, aumentando o escoamento das geleiras espessas que ajudaram a sustentar muitos dos rios e dos modos de vida da Europa por séculos.
Hoje, os Alpes estão aquecendo cerca de duas vezes mais rápido do que a média global, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Só nos últimos dois anos, os glaciares suíços perderam 10% de seu volume de água —quantia equivalente ao que derreteu de 1960 a 1990.
Desde que começou a estudar o Glaciar do Ródano em 2007, Daniel Farinotti, um dos principais cientistas de glaciares da Europa, viu-o recuar cerca de meio quilômetro e afinar, formando um grande lago glacial em sua base.
Ele também viu o glaciar —que se estende por cerca de 9 quilômetros, perto da cidade de Realp— ficar preto à medida que a neve protetora do inverno derrete e revela a poluição anos anteriores em um ciclo vicioso.
“Quanto mais escura a superfície, mais luz solar ela absorve e mais derretimento é gerado”, disse Farinotti, que leciona na ETH Zurich e lidera um curso de verão no glaciar.
Para chegar ao glaciar a partir da estrada, seus alunos atravessam montes de lonas brancas, esticadas ao redor de uma caverna de gelo esculpida para turistas. As lonas podem reduzir o derretimento anual em até 60%, mas cobrem apenas uma porção minúscula das geleiras e em lugares como pistas de esqui, onde há um incentivo financeiro privado.
“Você não pode cobrir um glaciar inteiro com isso”, disse Farinotti, que também trabalha para o Instituto Federal Suíço de Pesquisa Florestal, Neve e Paisagem.
O governo está tentando lidar com as mudanças e preservar as tradições alpinas suíças, inclusive com grandes projetos de infraestrutura para levar água ao topo das montanhas para animais que pastam lá nos meses de verão.
