Corte deverá fixar orientação geral para o tema. Primeira Turma e decisões individuais de ministros já estabeleceram que não há vínculo de emprego entre motoristas, entregadores e as plataformas.
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai analisar, em plenário, o modelo de trabalho fornecido pelas plataformas digitais e chamado popularmente de “uberização”. A Corte deverá fixar uma orientação geral para a discussão sobre a existência de vínculo de emprego entre motoristas, entregadores e os aplicativos.
O julgamento está marcado para 8 de fevereiro. A proposta de levar um caso que sirva de modelo para discussão em plenário foi feita em 5 de dezembro, pela Primeira Turma do STF. A ideia do relator, ministro Alexandre de Moraes, é liberar o caso para análise em julgamento virtual.
Na sessão, avaliando outro caso semelhante, os ministros concluíram que não havia vínculo de emprego entre um motorista e o aplicativo Cabify. Com isso, foi anulada uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em Minas Gerais, que reconhecia os direitos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Foi a primeira decisão colegiada sobre o tema no âmbito do Supremo. Até então, analisando casos de forma individual, ministros vinham derrubando decisões das instâncias inferiores da Justiça do Trabalho que reconheciam a relação de emprego entre as empresas e trabalhadores.
O g1 preparou uma série de perguntas e respostas sobre o assunto.
Por que o caso vai ao plenário do Supremo?
A iniciativa de levar o tema à avaliação de todos os ministros foi da Primeira Turma da Corte, presidida pelo ministro Alexandre de Moraes.
Uma decisão do plenário deverá fixar um tratamento uniforme para a questão. Ou seja, servirá de orientação aplicável a casos semelhantes. Terá, também, a participação de todos os ministros, além dos cinco magistrados da Primeira Turma. Com isso, todos poderão apresentar contribuições ao tema.
Na sessão que discutiu o caso de Minas, envolvendo um motorista e o aplicativo Cabify, os integrantes da Turma observaram que a Justiça do Trabalho tem reconhecido vínculos entre aplicativos e seus prestadores de serviço, o que contraria entendimentos da Corte sobre relações de trabalho.
O presidente da Turma, Alexandre de Moraes, afirmou na ocasião que há um “reiterado descumprimento” das orientações do Supremo. “Voltamos àquela discussão da reiterada, do reiterado descumprimento, pela Justiça do Trabalho, das decisões do Supremo Tribunal Federal”, apontou Moraes.
“Em que pese reiteradamente nós decidamos, isso vem sendo desrespeitado, o que volta ao Supremo Tribunal Federal. A questão de, teoricamente, ideologicamente, academicamente não concordar não justifica a insegurança jurídica que vem gerando diversas decisões”, ressaltou. Diante desse cenário, uma definição pelo plenário do tribunal tem como objetivo trazer segurança jurídica para a questão.
Qual processo será levado a julgamento?
Os ministros vão analisar outro caso de Minas Gerais — uma ação trabalhista envolvendo um entregador e o aplicativo Rappi. O TRT da 3ª Região, em Belo Horizonte, reconheceu a relação de emprego entre o motociclista e a plataforma. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve a decisão.
Em análise individual, o relator, ministro Alexandre de Moraes, suspendeu as decisões da Justiça do Trabalho, porque entendeu que elas contrariam posicionamentos já tomados pelo Supremo quanto à livre iniciativa e relações trabalhistas. Esse caso servirá de base para a elaboração de uma orientação geral, a ser aplicada em casos semelhantes.
O que significa reconhecer o vínculo de emprego?
Quando a Justiça do Trabalho reconhece o vínculo de emprego entre motoristas, entregadores e as plataformas digitais, estabelece que as empresas são obrigadas a arcar com direitos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho — salário, férias, décimo-terceiro, contribuições previdenciárias e ao FGTS.
Por que o STF analisa o assunto?
A questão sobre o modelo de serviço estabelecido entre motoristas e entregadores e as plataformas digitais chega, inicialmente, na Justiça do Trabalho, a partir de disputas entre empresas e trabalhadores.
Mas, à medida em que decisões nas instâncias trabalhistas reconhecem ou não vínculos de emprego, os participantes do processo acionam a Corte, alegando que seus entendimentos anteriores estão sendo violados.
Os casos chegam ao Tribunal, portanto, por meio das chamadas reclamações, o tipo de ação usada para questionar se uma determinação de instância inferior está de acordo com o que já foi estabelecido pelo Supremo.
O que já foi estabelecido pelo Supremo sobre o tema?
As decisões do Supremo sobre a “uberização” têm usado como base entendimentos anteriores fixados pela Corte sobre a existência de formas alternativas à relação de emprego regida pela Consolidação das Leis do Trabalho.
O STF já reconheceu, por exemplo, a possibilidade da terceirização, mecanismo em que uma empresa contrata uma prestadora de serviços para realizar uma determinada atividade na sua operação — inclusive a chamada atividade-fim, sua tarefa principal, aquela prevista na sua fundação. Na terceirização, a relação entre a empresa contratante e o empregado da empresa prestadora de serviço não pode ser considerada de emprego, dentro dos moldes da CLT.
Também já concluiu que a Constituição não estabelece uma forma única de estruturar sua produção. Como a regra é a livre iniciativa, os agentes econômicos têm a liberdade de eleger as estratégias empresariais que entendem convenientes — obedecendo, no entanto, a legislação vigente. Além disso, o STF também já fixou que a proteção ao trabalho, prevista na Constituição, não impõe que todas as prestações de serviços remuneradas sigam o modelo de uma relação de emprego, como a prevista na Consolidação das Leis do Trabalho.
O que disseram os ministros da Primeira Turma sobre o tema?
O relator do caso decidido no colegiado, ministro Alexandre de Moraes, considerou que o vínculo de emprego não poderia ser caracterizado porque motoristas e entregadores têm a liberdade de aceitar as corridas que quiserem, de fazer seus horários e de ter outros vínculos com diferentes plataformas. Assim, não fica caracterizada a exclusividade, um dos requisitos para identificar a relação de emprego.
“Um passo atrás nisso seria não só inconstitucional, mas, do ponto de vista do interesse público, extremamente prejudicial à sociedade”, concluiu.
A ministra Cármen Lúcia pontuou uma preocupação com os impactos sociais e previdenciários da falta de um sistema específico para este segmento. Apesar disso, considerou que isso não significa que o modelo para resolver a questão seja o da relação de emprego convencional.
“Este é um caso que nós todos, juízes brasileiros e cidadãos em geral, nos preocupamos com este modelo, o que não significa adotar o modelo da legislação trabalhista como se fosse uma forma de resolver. Não tenho dúvida que daqui a 20 anos — menos — nós vamos ter um gravíssimo problema social e previdenciário, porque essas pessoas que ficam nesse sistema de uberização não têm os direitos sociais garantidos na Constituição”, afirmou a ministra.
Com informações do G1