Um galpão de 2 mil metros quadrados em Valinhos, no interior paulista, vem armazenando centenas de painéis solares todos os meses. Apenas em maio, o material recebido, basicamente módulos inutilizados para a produção de energia fotovoltaica, chegou a 80 toneladas (t). Não se trata de uma nova usina de fonte renovável, mas de uma empresa aberta há pouco mais de três anos que decidiu apostar em um mercado ainda incipiente, porém em expansão, que deve explodir nos próximos anos: o da reciclagem de painéis solares descartados.
“No ano passado, crescemos mais de 700% em volume de material recebido e estamos projetando bem mais para este ano”, afirma o empresário Leonardo Duarte, de 27 anos, fundador da SunR, uma das poucas empresas no país a se dedicar integralmente à reciclagem dos módulos fotovoltaicos que perderam sua eficiência. “Desde que abrimos, recebemos mais de 25 mil painéis, o equivalente a 730 toneladas de material”, conta.
A questão sobre o que fazer com as placas solares inutilizadas vem se impondo ao redor do mundo, principalmente em países da Europa, como a Alemanha, que começou a adotar a energia solar ainda nos anos 1990. A estimativa de vida útil dos painéis é de 25 a 30 anos, e uma grande quantidade de módulos em solo europeu e em outros lugares já virou sucata.
Um relatório feito pela Agência Internacional de Energia Renovável (Irena) em 2016 sobre o gerenciamento dos painéis solares fotovoltaicos ao fim de sua vida útil alerta que a quantidade de lixo anual no começo dos anos 2030 atingirá algo entre 1,7 milhão e 8 milhões de t. Em 2050, esse tipo de resíduo poderá chegar a 78 milhões de t no planeta.
Por outro lado, a agência estimava em 2016 que o valor dos materiais capazes de ser recuperados nesses equipamentos poderia chegar a US$ 450 milhões em 2030, quantia suficiente para a produção de 60 milhões de painéis solares. Vinte anos depois, o valor da reciclagem superaria US$ 15 bilhões, o bastante para produzir 2 bilhões de placas, segundo projeções da Irena.
Vidro e alumínio compõem quase 90% dos módulos, mas eles contêm também uma pequena parcela de metais valiosos, como prata e cobre, além de substâncias mais poluentes, como chumbo e polímeros. No Brasil, onde a tecnologia fotovoltaica foi mais amplamente adotada a partir dos anos 2010, a questão deverá ganhar volume em alguns anos, mas também já começa a causar preocupações.
“O maior equívoco é achar que os resíduos só vão surgir a partir de 30 anos. Muito pelo contrário”, diz Duarte, que trabalha diretamente com usinas, montadoras e importadoras de módulos solares no Brasil inteiro. “Estimamos que mais de 7% dos painéis são descartados antes de 15 anos de vida útil.”
Perda precoce
Acidentes no transporte, no carregamento e descarregamento, erros na instalação e manutenção, eventos externos como vendavais e incêndios, além de refugo na produção das montadoras de painéis, são alguns dos motivos apontados pelo empresário para a aposentadoria ou perda precoce dos módulos de silício cristalino. Esse material é o elemento semicondutor empregado na maioria dos painéis solares comercializados no mundo e no Brasil.
As camadas de polímero adesivo que protegem o produto da exposição às intempéries dificultam a desmontagem e a reciclagem. A parte mais simples de recuperar no processo é a estrutura de alumínio e os fios de cobre externos. Em seguida, vem o vidro, que compõe grande parte do painel (70% a 95%) e já tem uma indústria de reciclagem bem estabelecida. Outros materiais encontrados nas células solares apresentam um desafio maior. Prata, estanho, cobre e o próprio silício são elementos valiosos, embora haja uma quantidade ínfima nos módulos em comparação com o vidro. Especialistas calculam, no entanto, que eles respondem por mais de 40% do valor do painel.
“Fazer a separação dos materiais nobres não é simples. É preciso ainda muita pesquisa e desenvolvimento para avançar nesse sentido”, diz o físico Carlos Frederico de Oliveira Graeff, da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Bauru, que trabalha no desenvolvimento de células solares. Um de seus projetos mais recentes, apoiado pela FAPESP, tem como foco investigar a estabilidade das células solares de perovskita, um elemento semicondutor com eficiência superior ao silício, mas ainda pouco durável.
Além de reduzir o resíduo e as emissões de carbono relacionadas ao lixo, a reciclagem dos módulos fotovoltaicos também tem o potencial de diminuir o uso de energia necessária à exploração e à produção do material original, como prata e silício, bem como poder diminuir os impactos ambientais associados à mineração desses metais. “Há potencial para se aproveitar mais de 95% do material dos painéis”, diz. “Esse é um mercado que está se abrindo agora.”
O físico Francisco das Chagas Marques, do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisador de área da energia fotovoltaica, afirma que o principal desafio é obter uma tecnologia de reciclagem rentável, uma vez que os atuais processos são dispendiosos e, por enquanto, não repõem os custos de operação. “Tem sido mais comum a recuperação apenas do cobre dos fios, do alumínio da moldura e do vidro”, diz.
Segundo o pesquisador, a área está em desenvolvimento especialmente nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, não há fabricantes de células solares. Os módulos são importados ou apenas montados no país, com a utilização de células de silício que também vêm de fora, assim como o vidro, a pasta de prata, encapsulantes e outros itens, ressalta Marques. A China é o maior produtor mundial de painéis solares.
O processo de reciclagem
Na SunR, de Valinhos, após a retirada da estrutura de alumínio, dos eletrônicos e dos conectores, os painéis são submetidos a um processo mecânico de trituração. O material passa por separações densimétricas e glanulométricas, nas quais vidro e metais são apartados. “Na nossa saída de material da empresa tem alumínio, cabeamentos, caixa de junção, plástico, vidro e uma mistura metálica composta por silício, prata, cobre, estanho e outros”, conta Duarte.
A mistura metálica, afirma, é vendida para indústrias interessadas em fazer a extração química. “Como o volume de metal é muito baixo dentro do painel, não justifica virarmos uma indústria química para isso; nosso processo é 100% mecânico”, diz. “Possuímos soluções viáveis, mas que não garantem o aproveitamento de todo o material. Estamos desenvolvendo novas parcerias e estudos para aproveitar ao máximo cada um deles.”
