O último sábado (05) foi marcado com um evento recheado de momentos emocionantes e muita arte envolvida. A atriz e cantora Lenine Charles, mulher transgênero, decidiu tornar sua festa de 25 anos no baile de debutante que sempre quis, e contou com a presença de diversos artistas e membros da comunidade trans da cidade de Manaus. O evento contou com todos os detalhes possíveis, idealizados por Lenine e organizados pela mãe adotiva e cerimonialista consagrada Jane Uchôa. Entrada com princesa, troca de sapato, valsa com o príncipe e, algo nunca antes pensado para festas deste formato: uma “ball”, evento competitivo característico da comunidade trans.
A multiartista é parte da Companhia Transversal de Artes Integradas, em desenvolvimento desde o ano passado, e atualmente é aluna de Teatro e Canto Contemporâneo, respectivamente, na Escola e Produtora Interarte e no Studio Belcanto. Além disso, é membro do Corpo de Dança Adulto do Centro de Artes da Universidade Federal do Amazonas (CAUA) e atua no segmento de Tradições Culturais da cidade, fomentando o movimento Ballroom.
Para quem não sabe, o Ballroom (na tradução direta, salão de baile”), é um movimento que se iniciou no final da década de 1960 nos Estados Unidos, com eventos que celebravam a vivencia LGBTQIAP+ de pessoas negras e latinas, sobretudo mulheres trans, que eram marginalizadas no país. Os “balls”, ou bailes, são repletos de competições de danças, roupas e demais performances, pensadas para expor e incentivar o talento dessa comunidade, e entre seus grandes destaques está a dança característica “vogue”, que inspirou a cantora Madonna em 1990. Aqui em Manaus, a cultura ballroom existe desde 2019 e é cada vez mais efervescente, como explica Lenine, que é participante da cena.
A artista conta que começou seu processo de transição há quatro anos, mas que apenas recentemente se reencontrou com a sua feminilidade. “Depois de tanto tempo tentando convencer as pessoas de que eu merecia viver como qualquer outro ser humano, eu me perdi na parte mais íntima do processo. Ainda estou aprendendo o que é ser mulher para mim e, para eu conseguir viver esse aprendizado, eu comecei a correr atrás do que eu perdi, das experiências que socialmente falando me foram negadas. São coisas simples, mas fazem toda a diferença. Por exemplo, faz dois meses que eu tive a minha primeira boneca”, disse a atriz.
De acordo com Lenine, existem pessoas trans que desde cedo se reconhecem fora do gênero declarado, mas existem outras mulheres trans que demoram a passar por esse processo. Para ela, gênero não é uma questão natural. “Eu entendo isso mais como o resultado de uma experiência social. Alguém pegou partes anatômicas diferentes e disse: um é homem, outro é mulher. Não existe uma explicação específica sobre o que são, só regras sobre o que podem ou não fazer. Tecnicamente a gente pode ou não seguir de acordo com essas regras, mas, quando isso vira tradição, é difícil pensar que possa ser algo mutável. E aí a gente age de acordo com esses papéis sem saber que pode fazer diferente.”
15+10
Jane Uchôa, mãe e cerimonialista, assumiu a organização da festa com orgulho e fez questão que tudo, cada detalhe estivesse perfeito. “Foi desafiador pra mim ser cerimonialista e parte do evento ao mesmo tempo, mas ver tudo acontecendo me traz um gosto de vitória”, diz Jane.
Ela conta que mãe e filha se conheceram na própria casa, através do filho biológico de Jane. Depois, ela, que também é fotógrafa, ofereceu um ensaio para os dois e mais alguns colegas enquanto divulgavam as atividades da sua primeira companhia de Teatro, iniciada e desativada em 2020. Ela percebeu o talento de Lenine. E assim, nasceu uma grande vontade de ajudá-la.
“Depois da pandemia nos reaproximamos e aos poucos vi nela a filha que não tive. Aos 23 anos fiz uma festa surpresa na casa de acolhimento onde ela morava. Ano passado, ela disse que tinha essa vontade de uma festa de 15 anos e era a minha mesma vontade, mas sendo mãe. Assim nasceu a festa, dei de presente. E foi realmente realizador, maravilhoso, saiu do jeito que eu esperava”, disse Jane.














