“O caminho continua aberto: Jesus”, dizia o anúncio publicado no dia 2 de julho de 1994 da Folha, colado a uma seção que indicava restaurantes paulistanos para comer porcada e paella. Aquela publicidade discreta marcava a primeira menção no jornal à Marcha para Jesus, que promovia naquele ano sua segunda edição.
Muito óleo ungido rolou por debaixo desta ponte evangélica nas últimas três décadas, e a entourage cristã marchará pelas ruas de São Paulo nesta quinta (8), no feriado de Corpus Christi, como símbolo de uma das mais tectônicas movimentações da sociedade brasileira na história recente.
A SPTuris, empresa da Prefeitura, investiu R$ 2,4 milhões no evento. Além da montagem, ela fornecerá equipamentos, estruturas e serviços, como estruturas de palco e banheiros químicos. Metade do valor aplicado vem de emendas parlamentares, segundo o Executivo paulistano.
Em 2022, a Marcha gerou um impacto econômico de R$ 54,3 milhões para a cidade, apontou uma pesquisa feita pelo Observatório de Turismo e Eventos, da SPTuris.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou uma carta ao apóstolo Estevam Hernandes, idealizador do ato, declinando “honroso convite” para “uma das mais extraordinárias expressões de fé do nosso povo”. Disse que será representado pela deputada Benedita da Silva (PT), quadro evangélico pioneiro no PT, e Jorge Messias, o advogado-geral da União, também crente.
Ele foi convidado no fim de maio, uma praxe protocolar, já que autoridades do Executivo municipal, estadual e federal são sempre chamadas.
Embora tenha sancionado, em seu segundo mandato, a lei que criou o Dia Nacional da Marcha para Jesus, nos últimos anos a relação com a cúpula evangélica definhou, e o evento passou a ser visto como solo fértil para o bolsonarismo.
“Creio que o tratamento está bem isonômico”, afirma Estevam ao discorrer sobre Lula e seu entrosamento com o segmento. Ele, que apoiou Jair Bolsonaro (PL) em 2018 e 2022, optou por um discurso moderado para falar do atual mandatário. “Avalio que ainda existe uma relação tímida, com tentativas de aproximação.”
Também elogiou a missiva presidencial. “Achei muito importante da parte dele esse reconhecimento da Marcha, no sentido de ser um evento cristão de importância mundial.”
Bolsonaro virou, em 2019, o primeiro presidente a comparecer a uma edição, dose repetida no ano passado, às vésperas da campanha eleitoral —quando usou a estrutura de outras marchas replicadas Brasil afora para dilatar sua popularidade nas igrejas.
Desta vez não houve convite específico para ele, sem nenhum cargo eletivo no momento, segundo Estevam. Não que uma passagem seja descartada. Por ora, diz, “não temos informações sobre sua vinda, nem mesmo de familiares”.
A Marcha passou de ato sem maior repercussão midiática para principal evento do calendário evangélico nacional. Também se consolidou como palco de manobras políticas, sobretudo em temporadas de voto, quando políticos batem ponto para cortejar o eleitorado evangélico.
Bolsonaro protagonizou alguns desses momentos. Em 2018, declarou ter enviado uma “cartinha de amor” para o senador Magno Malta (PL-ES), que à época dizia ser seu vice dos sonhos.
O posto acabou com o general Hamilton Mourão (Republicanos-RS), e Malta amargou uns bons anos na geladeira bolsonarista.
Em 2022, o agora ex-presidente fez da Marcha para Jesus seu palanque ao evocar uma “guerra do bem contra o mal” para expurgar “as dores do socialismo”.
Política à parte, Estevam e sua esposa, a bispa Sonia Hernandes, preferem falar do caráter espiritual da Marcha. O mote deste ano é “Vencedor Invicto”, referência ao livro bíblico do Apocalipse, que descreve Jesus Cristo como tal.
Oito trios elétricos já confirmaram participação pelo percurso de 3,5 km, da região central à zona norte. Entre os artistas convocados para tocar estão Bruna Karla, Fernanda Brum, Maria Marçal, Thalles Roberto e Mays Music, a banda campeã do Gospel Singer, reality promovido pela Rede Gospel.
A Marcha para Jesus fica sob batuta da Renascer em Cristo, igreja do casal Hernandes, mas abarca várias denominações, destaca o apóstolo Estevam. “Após 30 anos, o evento tem crescido na unidade, tendo cada vez mais um caráter agregador, estimulando a fé cristã.”
Em entrevista à apresentadora Sonia Abrão, a bispa xará revelou um costume recomendado aos fiéis andarilhos: pôr entre o pé e a palmilha do sapato pedidos de oração. “Deus te abençoa”, profetizou Sonia Hernandes.
Em 1993, quando Estevam e ela lideraram a primeira caminhada a partir da avenida Paulista, a porção evangélica no país mal passava os 10%. Chegamos a 2023, e se estima que essa fé alcance ao menos um terço dos brasileiros, com seu espaço no Legislativo e na opinião pública dilatados por tabela.
Ou, como resume a bispa, “é oceano, não é mais mar”.
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