
O sol quente contradisse as previsões para a temperatura do segundo fim de semana de Copa do Mundo em São Paulo. Não teve chuva, nem frio, mas sim um monte de gente formando fila para tirar foto com o grafite de Richarlison no Beco do Batman, na Vila Madalena, na zona oeste da capital.
Não foi previsão dos astros nem sorte: uma agência de marketing esportivo procurou o dono da galeria de esquina para produzir a arte: a parede, de 25 m de comprimento por 4 m de altura, é separada por um vidro: de um lado, fica a palavra Brasil sobre um fundo azul; do outro, a imagem de Richarlison. O dono do espaço, Helder Kanamaru, só aceitou a pintura na parede de seu estabelecimento porque o atleta a ser destacado era o Pombo, um jogador ativista e politizado. Há 20 dias, a arte é uma das que se destacam nas ruas do bairro colorido de São Paulo, mas foi na quinta-feira (24) que começou a fazer sucesso entre quem passa por ali.
Antes de a seleção brasileira estrear na Copa do Qatar com dois gols de Richarlison, o painel não fazia tanto sucesso. Os poucos que queriam tirar foto com a arte se encaixavam sob a palavra “Brasil”, escrita num layout anos 1970, mas o apelo era pequeno. O foco mudou com o jogo de Richarlison: hoje, gringos e brasileiros enfrentam fila para serem clicados ao lado da imagem do Pombo.
As bolivianas Anahi e Elida, de 32 anos, gastaram os últimos minutos da viagem a São Paulo na fila para o clique com Richarlison grafitado. Com a Bolívia fora da Copa, são categóricas ao declararem a torcida à seleção brasileira.
Também de passagem, o trio de amigas Isabel, Carolina e Silvana, de Recife, não deixaram a foto com o Pombo passar. “O Brasil agarrou o Richarlison”, afirma Isabel. “Eu não o conhecia, mas assim que acabou o jogo do Brasil, fui pesquisar sobre o jogador que marcou aquele gol de voleio. E descobri que, além de jogar muita bola, se posiciona contra violação dos direitos humanos. Daí a gente se apaixonou, não teve jeito”, continua.
O trio, que votou em Lula nas eleições presidenciais deste ano, conta que o apelo não seria o mesmo se o grafite tivesse estampado Neymar. “Não ligaria se fosse ele, nem iria querer tirar foto. A gente estava precisando de um cara que nos fizesse voltar a querer torcer”, diz Silvana.
Helder não imaginava que Richarlison pudesse se popularizar tão rápido durante a Copa, mas celebra o feito: primeiro porque atrai muito mais gente para perto de sua galeria, a Ziv, mas também porque o jogador é um ídolo completo. “Se fosse um desenho do Neymar, eu não teria deixado que fizessem”. O motivo é político. Para Helder, estampar um atleta que se posiciona a favor de um governo de extrema-direita é bastante problemático.
“Antes do jogo contra a Sérvia, muita gente perguntava quem era aquele jogador com a camisa do Brasil no muro. Desde quinta, ninguém mais perguntou, pelo contrário. O tempo todo, eu escuto o povo dizer ‘Richarlison’, ‘Richarlison'”, diz Helder.
Vila Madalena e o futebol
O bairro boêmio ganhou a cara da Copa em 2014, quando o Brasil recebeu o Mundial e a região reuniu milhares de torcedores pelas ruas. Desde então, a cada quatro anos, paulistanos, brasileiros e gringos se envolvem em torcida nos paralelepípedos de cercas coloridas do Beco. Foi considerado o 13º bairro mais divertido do mundo pela revista Time Out.
Mas não é só de festa que vive a região. O futebol chegou cedo nos arredores da Madá: na década de 1970, a arquitetura favorecia que moradores disputassem peladas onde hoje é o Beco do Batman — que, nessa época, era conhecido apenas como Larguinho.
Durante as Copas, a clássica pintura de rua começou a se popularizar, mas no Beco as cores transcenderam o torneio: o espaço, hoje, é cheio de grafites e artes nos muros, conhecido como uma galeria artística a céu aberto e um reduto de estrangeiros. Em dias de jogos do Brasil, uma charanga se reúne para a festa na rua.
Com informações do Uol