Do sonho de três jovens surgiu uma organização que, há 20 anos, constrói bibliotecas comunitárias em regiões rurais da Amazônia e leva não apenas livros, mas cidadania e direitos para as crianças da floresta: a ONG Vaga Lume.
“A gente vive numa sociedade letrada em que a leitura e a escrita dão acesso a todo um campo de direitos. Nessa perspectiva, a leitura é um direito fundamental. Com acesso ao conhecimento, as pessoas podem fazer as escolhas que bem entenderem”, afirma a presidente da entidade, Sylvia Guimarães, 45.
Priorizando a qualidade do acervo de livros e a formação de mediadores de leitura, o projeto quer contribuir para a troca de saberes, para o surgimento de leitores críticos e cidadãos globais e para o desenvolvimento de competências socio-emocionais de criança e jovens a partir da literatura.
“Quando a criança é exposta a livros infantis desde cedo, as crianças aprendem a nomear os sentimentos. É difícil crescer e a literatura ajuda a gente a navegar nessa dificuldade.”
Em duas décadas, a instituição foi a responsável pela instalação de 86 bibliotecas em 22 municípios da Amazônia Legal. Ao todo, mais de 150 mil livros foram doados para compor o acervo desses equipamentos. Cerca de 100 mil crianças, jovens e adultos foram impactados. A ONG conta ainda com mais de 800 voluntários ativos na região.
Na quinta-feira (24), Sylvia e a ONG Vaga Lume foram premiados na 64ª edição do prêmio Jabuti, uma das principais premiações de literatura do país. Com o projeto “Vaga Lume: como livros mudam a vida de crianças e adultos na Amazônia”, Sylvia ganhou na categoria Fomento à Leitura, no eixo Inovação.
Expedição social
Atual presidente da instituição, Sylvia é uma das três amigas que, no início dos anos 2000, começou a planejar uma viagem para conhecer o Brasil e, ao mesmo tempo, fazer um trabalho social na Amazônia. Além dela, compunham o trio Laís Fleury Cunha e Maria Teresa Meinberg, a Fofa – que hoje não estão mais na ONG.
Para dar início à jornada, no entanto, elas tinham uma pergunta difícil na cabeça: que contribuição duradoura podemos deixar para esses lugares?
De tanto pensar, as amigas fizeram uma escolha consciente: levar livros adequados para crianças e jovens e apostar na leitura. “Se a gente conseguisse criar uma semente de uma biblioteca infantil nessas comunidades, sabíamos que íamos cultivar a leitura, uma coisa que ninguém tira da pessoa”, relembra Sylvia.
Cada uma das amigas ficou responsável pelo planejamento de uma parte da jornada. Formada em história, Sylvia foi a encarregada de montar o projeto educacional. Administradora de empresas, Laís foi a responsável pela estrutura de captação e gestão. Já Fofa, formada em comunicação social, foi o cérebro por trás da logística para percorrer distâncias, conseguir contatos de prefeituras e entregar o material para a montagem do espaço dedicado à leitura das crianças.
Em 2001, com um pequeno patrocínio para fabricar estantes, comprar livros e equipamentos, elas foram para o Pará, onde instalaram as primeiras duas bibliotecas do projeto: uma na Ilha de Marajó e outra em Alter do Chão.
“Fazer a biblioteca, para nós, não era só levar os materiais. Esse é o grande diferencial da Vaga Lume. Era trabalhar as concepções de leitura, a importância de ler em voz alta para as crianças, a qualidade do acervo. Era preciso formar o adulto para que, depois, ele desse sentido para esses livros no dia a dia com as crianças”, destaca Sylvia.
“Fomos para as comunidades, montamos um grupo de professores e adultos interessados e demos um curso de 40 horas. Ficávamos o dia inteiro em imersão com adultos. As crianças ficavam em volta olhando na janela da escola, mas entendemos que quem ia fazer a diferença eram os adultos. Eram eles que dariam continuidade ao projeto.” disse Sylvia Guimarães, presidente da ONG Vaga Lume.
De mochila e de barco
De acordo com Sylvia, já naquela época, elas entendiam que a base do projeto era formada por um tripé: doação de estrutura (livros), formação de mediadores de leitura e gestão comunitária da biblioteca. Para isso, durante a implantação dos equipamentos, as jovens também discutiam com a comunidade aspectos como o local onde seria implantada a biblioteca e as regras de uso e empréstimo de livros.
“A gente ia de ônibus: saía de Campinápolis para Cuiabá, depois para Rondonópolis e, de lá, para Ouro Preto do Oeste. Pegamos barco também, daqueles em que você dorme e acorda durante vários dias. Éramos nós três e uma megamochila cada uma. Contratamos uma produtora em São Paulo que enviava os materiais das bibliotecas, fizemos um mapeamento muito grande e trabalhamos muito antes de ir para estrada”, diz Sylvia.
Durante a viagem em 2002, as três jovens instalaram 22 bibliotecas em comunidades rurais da Amazônia. Depois de milhares de quilômetros percorridos, ao voltarem para São Paulo as amigas encontraram uma surpresa: inúmeras cartas pedindo que elas retornassem e implantassem bibliotecas em outras comunidades amazônicas tinham chegado na pequena sala alugada que servia de escritório à expedição.
“A gente entendia que a leitura era um caminho promissor, mas, há 20 anos, não tínhamos essa ambição maravilhosa de que a Vaga Lume fosse durar tanto tempo”, confessa Sylvia.
“As histórias são vitais. A literatura, no meu entender, é um direito porque ela é tão importante quanto comida e água. Ela é vital ainda mais no mundo de hoje, em que a gente está nomeando pouco porque nos comunicamos por emoji, estamos diminuindo a nossa relação com as palavras.” falou Sylvia Guimarães, presidente da ONG Vaga Lume.
*Com informações de Uol