
Assassinato de jornalista e indigenista não mudou insegurança no Vale do Javari, segundo integrante da Univaja que chama Lula para conhecer região de maior concentração de povos isolados
Líder indígena do Vale do Javari, onde foram mortos o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, Beto Marubo diz que os problemas relacionados ao crime permanecem na área que concentra a maior parte de povos originários isolados ou de recente contato no mundo. Invasores ilegais continuam a entrar na terra indígena, e a atuação das autoridades tem sido insuficiente para conter as ilegalidades, avalia Marubo. O líder indígena se queixa de que ninguém da União dos Povos do Vale do Javari foi chamado para trabalhar na transição para o novo governo, em que se discute um ministério para os povos originários, e convida o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva a visitar a região.
O GLOBO – Como está a situação no Vale do Javari, seis meses após as mortes de Bruno e Dom?
Beto Marubo – O aumento das invasões e das quadrilhas organizadas persiste. O que a gente imaginava que mudaria, devido à repercussão mundial do crime, era que as autoridades estivessem presentes na proteção das terras, lideranças indígenas e dos povos do Vale do Javari. Até o momento, isso não aconteceu. Houve algumas ações com o Ibama e a Polícia Federal, mas nada que demonstre atuação contundente do Estado.
O GLOBO – Mas as ações não tiveram nenhum efeito sobre os criminosos na região?
Beto Marubo – Pelo contrário. Os invasores ficaram muito mais agressivos e não se intimidaram. Vide a situação que acaba de acontecer com o povo kanamari, quando um líder foi ameaçado de morte com uma arma no peito. As quadrilhas estão mais atuantes e sem nenhuma preocupação em se esconder. Nos ameaçam à luz do dia.
O GLOBO – A soltura do Colômbia, apontado como mandante das mortes de Bruno e Dom, deixou o Vale do Javari com um nível de tensão maior?
Beto Marubo – Com certeza. A informação que temos é de que, com a soltura, os invasores dizem que as coisas voltaram ao normal. Mesmo durante a prisão do Colômbia, pessoas ligadas a ele continuaram as atividades ilegais.
O GLOBO – Qual é a expectativa com o governo Lula?
Beto Marubo – Há no discurso do presidente eleito uma intenção de se mudar todo o trato com a natureza, com as florestas, com os ecossistemas e com os direitos indígenas. Mas há uma preocupação se o discurso será executado de maneira que se cuide também dos povos isolados. Muito se falou da criação de um ministério (para os povos indígenas), mas a gente não tem informação ainda de como vai ser isso. Ao que parece, tem muito bate-cabeça sobre orçamento. Esperamos que a Funai possa ter o seu poder de polícia regulamentado e tenha orçamento decente, voltado sobretudo para a proteção das terras indígenas e para desativar o esquema de destruição dos mecanismos de proteção ambiental feito durante os quatro anos de governo Bolsonaro. Esperamos que a equipe de coordenação de indígenas isolados seja totalmente renovada.
O GLOBO – Qual sua opinião sobre um ministério para os povos originários?
Beto Marubo – Esperamos um ministério com a cara dos povos indígenas. Agora, apesar de tudo o que aconteceu no Vale do Javari, nós, da Univaja, não recebemos em nenhum momento um convite formal da equipe de transição do novo governo, para participar do grupo técnico que vai discutir o ministério. Não foram chamados nem a Univaja nem o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato.
O GLOBO – Lula deve ir ao Vale do Javari?
Beto Marubo – Eu convido o presidente Lula a visitar o Vale do Javari, uma vez que, com tudo o que aconteceu, nenhuma autoridade, além das forças policiais, esteve lá. Esperamos que o próximo governo atue fortemente a partir de já. Temos vidas de indígenas em perigo hoje. Espero que seja uma prioridade máxima desse compromisso que o novo governo projeta para o futuro das relações com os indígenas. Afinal, não está em jogo só a vida dos indígenas. Está em jogo todo o ecossistema, a vida dos índios isolados. O território brasileiro vem sendo agredido, vidas de indigenistas e servidores públicos federais vêm sendo ameaçadas.
O GLOBO – Como está o trabalho da Equipe de Vigilância da Univaja?
Beto Marubo – Não paramos. E não vamos parar. Nossa esperança é que possamos somar esforços com a próxima Funai e o próximo governo para proteger o nosso território. Estamos fazendo um acompanhamento, por terra, de um trecho de 400 quilômetros na parte Sul do vale, para coibir invasões a partir do Acre, nas áreas das terras indígenas de Eirunepé e Ipixuna. É uma região de presença de indígenas isolados.
Com informações de O Globo