Em 40 anos, a Amazônia ficou 1ºC mais quente e assistiu a uma redução no nível de chuvas de até 36% em algumas áreas. Os reflexos do desmatamento e do aquecimento global levam cientistas a suspeitar que a floresta deixou de absorver para emitir dióxido de carbono (CO2) — principal gás causador do efeito estufa. Mais do que isso até: eles têm a certeza de que hoje ela já afeta o clima global.
Pesquisadores de todo o país apresentaram novos dados e estudos sobre a Amazônia durante a reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), na semana passada, na UnB (Universidade de Brasília). Eles chamam atenção para a “bomba-relógio” que está sendo armada com o avanço da degradação florestal.
Os cientistas falam em tom de grande preocupação sobre as mudanças dos últimos anos registradas na Amazônia.
“O mundo inteiro já está sentindo o impacto, não é mais questão do futuro, isso é presente. Não há a menor dúvida”, afirma o pesquisador Paulo Artaxo, membro do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) e do programa de mudanças climáticas do INCT (Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia).
Artaxo é um dos nomes mais respeitados da ciência do clima no mundo e cita que os estudos apresentados nos últimos três anos atribuíram um papel novo à degradação florestal como responsável por emissões de CO2.
“Sempre associamos a emissão com desmatamentos e queimadas. Mas, na verdade, a floresta — por causa da temperatura excessiva e da redução da precipitação — está sofrendo um processo de degradação. Ela é responsável, em algumas partes, por grandes emissões de CO2 para a atmosfera”, diz Artaxo, que também coordena o Programa Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) de Mudanças Climáticas Globais.
Já há, inclusive, uma notória redução no ciclo das chuvas na Amazônia, vital para manter um ecossistema de floresta tropical vivo. “Essa é uma questão estratégica e impacta não só a Amazônia. O fluxo de vapor d’água que sai dela irriga o agronegócio no Brasil central.”
Segundo ele, com a Amazônia emitindo menos vapor de água para o meio ambiente global, o ciclo hidrológico de regiões em todo o planeta é afetado. “Com isso nós agravamos o aquecimento global”, define.
Para reduzir essa degradação, é preciso zerar o desmatamento o mais rápido possível e fazer com que os países desenvolvidos deixem de queimar petróleo e gás natural. Isso está levando ao aumento muito expressivo da temperatura, que é o motor principal da degradação florestal na Amazônia”, alerta Paulo Artaxo.
Até 2,5º C mais quente
A química e pesquisadora Luciana Vanni Gatti concorda e diz que, nos últimos 40 anos, percebeu um aumento preocupante da temperatura no bioma. Coordenadora do Laboratório de Gases do Efeito Estufa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), ela estuda a Amazônia desde 1999.
A pesquisadora diz que a temperatura média subiu 1ºC, mas esse valor não é homogêneo. Por exemplo: houve uma alta de 0,8ºC nos meses de chuva, no início do ano; e de 1,4ºC entre agosto e outubro, no pico das queimadas.
Apesar de 1ºC ser um índice similar ao aquecimento médio do planeta, Gatti explica que esse número é particularmente ruim para a floresta. “A gente fala de média porque o aquecimento não é homogêneo. Ele é maior nos polos e menor no Equador. Nos polos, o aumento está entre 2ºC e 2,5ºC. Ou seja, a Amazônia deveria estar então com 0,5ºC ou 0,6ºC a mais. A coisa não está boa.”
Segundo o IPCC, os últimos sete anos foram os mais quentes já medidos no planeta.
Gatti fez um estudo dividindo a Amazônia em quatro áreas e percebeu que, onde há mais desmatamento, há mais aquecimento. Um exemplo está na região nordeste do bioma, que tem um desmatamento médio medido de 37% (a média total da Amazônia é de 20%). Entre agosto e outubro, a região teve uma alta de temperatura média de 2,5ºC. “Por conta desse processo de desmatamento, as chuvas estão se tornando menos intensas, especialmente no período seco. No nordeste da Amazônia, a gente perdeu 11% de chuva na estação chuvosa e 34% na seca. Isso significa 34% em 40 anos”, afirma.
Para ela, isso coloca em risco a existência da Amazônia como a conhecemos. “Estamos falando de uma floresta tropical úmida. Como é que podem as árvores ficarem com menos de 50 mm de chuva na estação seca? E essa estação não dura mais três meses, dura cinco. Quando chegar a seis meses, acabou. Não tem árvore tropical que aguente tanto tempo de extrema falta de água”, diz.
Ela explica que a falta de chuva ocorre porque as árvores são responsáveis por 35% a 40% da reciclagem da água. Sem elas, o processo de evapotranspiração fica prejudicado.
“As árvores fazem parte do mecanismo de produção de chuva, então a região que perdeu mais árvores é a que tem a maior redução da evapotranspiração, e o impacto é maior na estação seca”, afirma. Como a floresta não é homogênea, há lugares com mais rios e menos desmatamento do que outros, por isso os resultados encontrados foram diferentes em áreas da Amazônia.
A falta de chuvas fica ainda mais evidente no período de seca, que é quando diminui a umidade vinda do oceano. “Com menos umidade, depende-se mais da evapotranspiração para chover. É no período em que mais se precisa de chuva que está se perdendo chuva. Estamos plantando uma catástrofe no Brasil porque estamos em um momento em que a economia focou no agronegócio.”
Bacia amazônica degradada
Em julho deste ano, um estudo publicado na revista “Frontiers in Earth Science” apontou que a Bacia do Rio Amazonas —que desempenha um papel essencial na regulação do clima global— enfrenta um aumento das condições de seca e degradação.
Segundo os pesquisadores, 757 mil km² (ou 12,67% da bacia) tiveram terras degradadas em duas décadas. Isso, dizem os cientistas, levou a uma “tendência de queda na dinâmica da produtividade da terra seguida pela tendência combinada de queda na produtividade da terra”.
Para Humberto Barbosa, coordenador do Lapis (Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites), da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), e um dos pesquisadores do artigo, as temperaturas mais altas têm aumentado o número de ocorrências e a intensidade das secas.
“A magnitude de perda de floresta e sua degradação levam a Amazônia a um ponto de inflexão. Isso prejudica o processo de reciclagem das chuvas, que reabastece o suprimento de água. O resultado é que a Amazônia já começou a sofrer secas e a transformar floresta em áreas degradadas”, diz.
No artigo publicado, os pesquisadores alertam que as estações secas mais longas estão minando a capacidade de a floresta amazônica se recuperar de estiagens sucessivas. “Pior ainda: as evidências do IPCC sugerem que entre 3°C e 4°C de aquecimento será um ponto de inflexão para a Amazônia, e grandes partes da floresta tropical podem mudar para um estado semelhante à savana, com capacidade muito menor de armazenar carbono e apoiar a vida selvagem”, afirma.
Para Paulo Barni, professor da UERR (Universidade Estadual de Roraima), diante do cenário atual, é importante olhar para áreas ainda mais preservadas da Amazônia, como em Roraima, e limitar o avanço do desmatamento para evitar mudanças mais severas no clima. “Nosso estado se encontra também no hemisfério Norte do planeta, então temos questões inversas do que se observa na maioria da Amazônia”, ressalta ele, que é doutor em clima e ambiente em parceria do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) com a UEA (Universidade Estadual do Amazonas).
Nessa região próxima do Equador, o efeito climático não está tão evidente como aqueles que já são detectáveis ao longo do arco do desmatamento, que fica no sul da Amazônia, pegando Acre, Rondônia, norte de Mato Grosso, sul do Pará e indo até o Maranhão”, explica o professor Barni.
Com informações do Uol