Em meio a fenômenos de proporções históricas, como os alagamentos que devastaram o Rio Grande do Sul e a seca que vem causando incêndios florestais recordes no pantanal, 97% dos brasileiros afirmam que percebem no dia a dia que o planeta está passando por mudanças climáticas.
O dado pertence a uma nova pesquisa Datafolha, divulgada nesta segunda-feira (1º), que aponta que apenas 2% dos entrevistados negam a existência das alterações no clima, enquanto 1% não soube responder.
O levantamento foi realizado presencialmente, com 2.457 pessoas de 16 anos ou mais em 130 municípios pelo Brasil, entre os dias 17 e 22 de junho. A margem de erro é de dois pontos percentuais, com taxa de confiança de 95%.
Os resultados mostram que essa percepção quase unânime se repete mesmo considerando diferentes recortes, como gênero, nível de escolaridade e faixa etária —chegando, por exemplo, a 100% de concordância sobre a ocorrência das mudanças climáticas entre os mais jovens, de 16 a 24 anos.
Os índices caem, porém, quando questionados sobre os agentes que provocam essa transformação. São 77% quem acha que as mudanças climáticas são causadas principalmente pelas ações humanas, enquanto 20% defendem que a causa delas é a oscilação natural da temperatura.
Conforme aponta o consenso científico, a crise do clima atual é provocada pelos gases de efeito estufa emitidos pelas atividades humanas, principalmente a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento, que aquecem o planeta. Em 2021, uma análise de quase 90 mil artigos científicos mostrou que mais de 99,9% dos pesquisadores do mundo concordam sobre essas causas e efeitos.
Os altos índices gerais de reconhecimento da mudança do clima podem estar relacionados ao aumento da intensidade, frequência e exposição a eventos climáticos extremos. A pesquisa perguntou se nas últimas semanas o lugar onde o entrevistado mora passou por diferentes tipos de fenômenos desta natureza, e 77% disseram que sim.
Entre esses, o número mais expressivo foi o de pessoas que passaram por calor extremo (65%), seguido de chuva intensa ou tempestade (33%), e seca extrema (29%). Enchentes atingiram 20% dos entrevistados e deslizamentos de terra, 7%.
Um quarto dos respondentes (23%) afirmou não ter vivenciado nenhum destes eventos recentemente.
Para Paulo Artaxo, professor de física da USP (Universidade de São Paulo) e membro do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), vinculado à ONU, no mundo inteiro a população está percebendo que o clima mudou para pior, o que é reforçado pela ocorrência de fenômenos extremos.
“As mudanças climáticas se dão em dois níveis. Primeiro, um lento e gradual: degradação ambiental com o aumento lento da temperatura, redução ou aumento lento da precipitação, o aumento do nível do mar que afeta as áreas costeiras e assim por diante”, explica.
“Um segundo componente é a intensificação dos eventos climáticos extremos, que cada vez mais se tornam muito perceptíveis para a população em geral, causando enormes danos na saúde, na economia e na sociedade em geral”.
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, que reúne mais de uma centena de organizações ambientais, concorda.
“As pessoas não precisam mais procurar um relatório científico para se informar. Elas abrem a janela de casa, ligam a televisão e as mudanças climáticas estão acontecendo —não são mais uma previsão, são o presente”, diz. “Isso, obviamente, faz com que as pessoas tenham mais capacidade de compreender o que está acontecendo”.
O Datafolha mostra que a escolaridade é um fator que impacta a percepção dos brasileiros sobre o clima. Entre pessoas com educação de nível fundamental, 67% acreditam que as mudanças climáticas são causadas pela humanidade, 26% dizem que elas fazem parte da natureza e 4%, que não existem, Entre aquelas com ensino superior, os números são, respectivamente, 87%, 13% e 1%.
Astrini afirma que os resultados estão relacionados à falta de acesso à informação qualificada e à abundância de fake news disseminadas sobre o tema.
“Nós vivemos em um mundo em que existe desinformação em larga escala e alguns setores são alvos preferenciais de quem provoca a desinformação. O meio ambiente é um deles”, diz. “Em meio ambiente há muito, muito tempo, a gente enfrenta um verdadeiro batalhão —que vem enfraquecendo, mas ainda existe— de negacionismo, de desinformação”.
Também é entre os que passaram menos tempo na educação formal que está a taxa mais alta de descrença nas previsões da ciência sobre as consequências do aquecimento global. Daqueles que estudaram até o ensino fundamental, 43% dizem acreditar que cientistas e ambientalistas exageram sobre os impactos das mudanças climáticas, enquanto na população geral o índice é de 31%.
O nível mais alto de confiança nos especialistas está entre os mais jovens, com 77% dos que têm entre 16 e 24 anos afirmando que não há exagero a respeito do tema; 21% dizem o contrário.
Já entre aqueles com 60 anos ou mais o patamar de descrença está acima da média nacional, com mais de um terço (36%) concordando com a afirmação de que cientistas e ambientalistas exageram ao tratar dos impactos da crise do clima.
“É esperado que os mais jovens e os com mais acesso à informação mostrem maior concordância com as avaliações científicas. Os mais velhos têm a memória de condições mais estáveis e se formaram em um ambiente onde o tema não estava tão difundido, estudado ou documentado”, avalia Mercedes Bustamante, professora do departamento de ecologia da UnB (Universidade de Brasília).
Cruzando os dados da pesquisa, é possível notar, ainda, que aqueles que relatam não terem vivenciado um evento climático extremo no local onde moram são mais propensos a duvidar do parecer científico sobre os impactos do aquecimento global. Neste grupo, 36% das pessoas acham que os especialistas exageram, 61% acham que não e 3% não souberam responder.
A taxa de descrédito cai para 29% entre aqueles que passaram por alguma situação climática extrema recentemente, enquanto 69% deste estrato acha que não há exagero e 2% não soube responder.
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